Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

O imposto da discórdia

O governo insiste em recriar encargo nos moldes da antiga CPMF; a ideia agora é atrelar o tributo a medidas de combate ao desemprego no país

Por Victor Irajá Atualizado em 4 jun 2024, 15h50 - Publicado em 6 set 2019, 06h30

A população brasileira odiava a CPMF. Instituído em 1993 com o nome de imposto provisório sobre movimentação financeira, e retomado quatro anos mais tarde já com o título que lhe deu fama, no qual a primeira palavra passou a ser “contribuição”, o tributo parecia ignorar o termo “provisória” — era seguidamente renovado. Até que, em 2007, a pressão popular conseguiu derrubá-­lo, acabando com a cobrança de 0,38% sobre operações bancárias. Dilma Rousseff bem que tentou ressuscitar o “imposto do cheque”, mas a ideia foi rechaçada mesmo por seus aliados. Quando circulou a informação de que Paulo Guedes, ainda durante a campanha eleitoral, vinha conversando com empresários sobre a possibilidade de criar um tributo nos moldes da extinta CPMF, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro foi, digamos, taxativo: tratava-se de fake news. “Votei pela revogação da CPMF na Câmara e nunca cogitei sua volta”, disse ele em setembro de 2018. Um ano depois, no entanto, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, parece estar conseguindo minar a resistência do chefe. “Já falei para o Guedes: para ter nova CPMF, tem de ter uma compensação para as pessoas. Senão ele vai levar porrada até de mim”, declarou Bolsonaro na terça-feira 3, em um café da manhã no Palácio da Alvorada.

Entusiasta do imposto sobre pagamentos há décadas, Cintra prepara uma proposta de reforma tributária a ser apresentada nas próximas semanas, e acredita ter encontrado um modo de tornar o encargo palatável: atrelar a “nova CPMF” à criação de empregos — o que muda, ao menos em parte, a receptividade ao projeto. O Brasil, vale lembrar, conta hoje com 12,6 milhões de desempregados.

VEJA teve acesso a um documento do governo que detalha os planos da equipe econômica para o sistema tributário brasileiro. De acordo com o texto, que vem sendo apresentado a membros do Executivo, empresários e representantes de movimentos civis, o projeto prevê a substituição de seis impostos federais por três novos tributos — a ideia aqui é simplificar a cobrança e o pagamento das obrigações. O objetivo principal, porém, é outro: o governo quer reduzir drasticamente o conjunto de encargos que pesam sobre a folha salarial das empresas (caso da contribuição patronal ao INSS, por exemplo), sob o argumento de que a medida incentivará a contratação de novos funcionários — atacando, assim, o tormento do desemprego. Como o país vive uma gravíssima crise fiscal, a extinção ou redução de um imposto implica, necessariamente, a criação ou o aumento de outro. A saída, então, para compensar a perda de arrecadação seria o advento da contribuição social sobre pagamentos (CP) — uma reedição da CPMF, que incidiria sobre operações feitas no sistema bancário (como transferências, saques e pagamentos). “Entre um imposto horroroso, muito feio, e a opção por desoneração da folha, prefiro abraçar o feioso a ficar com a oneração da folha do jeito que é hoje”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em um encontro com empresários em agosto. “Se for pequenininho, (o tributo) não machuca.”

Continua após a publicidade

Caso o secretário Marcos Cintra consiga emplacar seu plano, a CP será instituída em até seis meses após sua aprovação, com alíquota de 0,19%, e subirá gradativamente em uma transição de dois anos, até atingir 0,67% sobre todas as operações bancárias, em contrapartida à paulatina extinção de encargos trabalhistas (veja o quadro). Embora possa ser positiva, sua adoção não será uma batalha fácil. Para os opositores da proposta, a nova CPMF geraria distorções no preço das mercadorias, provocaria a fuga do consumidor do sistema financeiro — ele usaria cada vez mais dinheiro vivo ou então criptomoedas, escapando assim da tributação — e complicaria a cadeia produtiva das companhias. “Nos moldes da economia moderna, as empresas se concentram em sua atividade principal e terceirizam o restante, o que resulta em ganho de eficiência e crescimento de renda e emprego. O imposto proposto as incentiva a tentar fazer o máximo possível por conta própria, para cortar um custo tributário sem sentido”, critica Maílson da Nóbrega, ex-­ministro da Fazenda.

A estratégia do governo para dar celeridade à aprovação de seu plano é pegar carona no projeto de reforma tributária apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que já passou pelos estágios iniciais dos trâmites na Câmara Federal. O problema é que a PEC 45/2019, nome oficial da proposta no Congresso, tem pontos que divergem bastante das ideias de Marcos Cintra. Além da oposição de Rossi à volta da CPMF, o projeto defendido pelos deputados busca extinguir o ICMS, que é estadual, e o ISS, imposto sobre serviços de responsabilidade dos municípios — e o Executivo quer se concentrar nos impostos federais.

IMPOSTO-CPMF-PROTESTO
RESISTÊNCIA –  Passeata no Paraná em 2007 contra a cobrança: deputado na época, Jair Bolsonaro votou pelo seu fim (Jonas Oliveira/Folhapress)
Continua após a publicidade

A proposta de Rossi tem o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e da maioria dos deputados, que temem o ônus político de restabelecer um tributo impopular como a extinta CPMF. Todavia, cresce entre parte do empresariado o apoio ao projeto do governo, com reclamações contra certas propostas da reforma de Rossi, especialmente no que diz respeito ao setor de serviços — como escolas e hotéis —, que teria uma incidência tributária mais alta para compensar o corte de encargos em vários segmentos da indústria provocado pela criação do imposto único. “A PEC 45 aumenta a alíquota sobre o nosso setor, o que prejudica a economia como um todo e fomenta a informalidade”, afirma Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional de Serviços. Em um almoço na capital paulista organizado pelo Instituto Brasil 200, formado por empresários, o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, prometeu encampar no texto de Rossi pontos defendidos pelo grupo — entre eles a nova CPMF. “O imposto sobre pagamentos é uma forma moderna de financiar o Estado, de arrecadar sobre todo o PIB com menor índice de sonegação”, acredita Gabriel Kanner, presidente do instituto. A missão agora é convencer a população brasileira.

Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 9,98 por revista)

a partir de 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.