O mercado de pedras preciosas é um dos mais instigantes do mundo. Seus adeptos são quase sempre bilionários que fizeram fortuna em áreas sujeitas a grandes tensões comerciais, como petróleo e mineração, ou então celebridades que não sabem muito bem como gastar dinheiro, ou até mesmo empreendedores que construíram impérios da noite para o dia. Em comum, todos eles possuem uma característica principal: o desejo do anonimato. Seja para fugir das garras fiscais, seja apenas para preservar a privacidade, os ultrarricos movimentam discretamente bilhões de dólares todos os anos ao negociar joias extravagantes, sem que se tenha notícia do destino das brilhantes mercadorias. O caso mais recente desse universo digno do cinema se deu há alguns dias. O Yan, um anel de diamantes de 12 quilates, foi arrematado por 15,8 milhões de dólares (86 milhões de reais), o dobro do valor esperado pela casa de leilão britânica Christie’s. Como não poderia deixar de ser, o nome do comprador foi mantido em sigilo, mas isso não ofuscou o fato de ter sido o preço mais alto pago por uma joia em 2020 — e também um dos maiores valores de todos os tempos.
A peça foi classificada por especialistas como “impecável”. Para entender o que isso significa, é preciso recorrer aos critérios consagrados por eles. “O valor de uma joia é determinado pela combinação de quatro fatores: cor, clareza, corte e peso em quilates”, disse a VEJA David Warren, diretor sênior da Christie’s. O Yan reúne todos esses atributos, e por essa razão foi negociado a um preço recorde. O curioso é que muitas das vendas finalizadas na batida do martelo são encaradas como investimentos pelos bilionários. Eles poderiam simplesmente comprar ações, financiar empresas ou investir em um novo negócio. Preferem, no entanto, o risco e a emoção de comprar um bem palpável, que precisa ser mantido em lugar seguro, para não ser surrupiado por criminosos. A lógica é simples. Quanto mais belas e raras forem as joias e pedras preciosas, maior a probabilidade de aumentarem seu valor de mercado. Se isso ocorrer, os compradores podem recolocá-las na praça, recorrendo aos leilões. Segundo a Christie’s, a pandemia do coronavírus e a crise global desencadeada por ela não tiveram efeito sobre esse mercado.
A casa fundada em Londres em 1766 promoveu com sucesso uma série de leilões on-line, todos com vendas acima de 90%. Em um deles, um diamante recebeu 31 propostas vindas de quatro países e foi comprado por 2,1 milhões de dólares (11 milhões de reais), um recorde entre as joias negociadas virtualmente. A nova possibilidade veio para ficar, garante Rahul Kadakia, chefe internacional de joias da Christie’s. “A venda dessa pedra excepcional demonstrou a maior confiança dos clientes nas vendas on-line”, disse. Ações de divulgação no site, como exposições em realidade aumentada, e postagens nas redes sociais da empresa ajudaram a rejuvenescer seu público-alvo: o número de visitantes diários no site da Christie’s cresceu 70%, na comparação com o ano passado, e, mais surpreendente ainda, 44% dos compradores virtuais têm menos de 45 anos — muitos deles são, portanto, novos bilionários. Os valores trazem para a Christie’s a esperança de que o recorde de joia mais cara possa ser batido em breve.
Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701