Uma simples pesquisa na internet escancara o novo e borbulhante mercado de vinhos no Brasil. De imediato, o interessado é bombardeado por uma quantidade surpreendente de vendedores on-line: Wine, Vinci, Evino, World Wine, Sonoma, Verita Vino, Grand Cru e Mistral, entre muitas outras lojas. E elas se espalham pelo país. A Onivino é do Espírito Santo, a Top Wines está baseada em Santa Catarina e a Empório Sete envia tintos e brancos de Goiás. Com o isolamento provocado pela pandemia, as pessoas deixaram de frequentar eventos sociais, mas não pararam de beber. Segundo a consultoria Ideal Consulting, o mercado brasileiro, incluindo a produção nacional e os importados, atingiu 264 milhões de litros de janeiro a julho, uma alta de 37% na comparação com o mesmo período do ano passado. Quando se analisa somente o período da pandemia, o avanço é mais impressionante: os negócios triplicaram, saindo de 21,3 milhões de litros em março para 63,4 milhões de litros em julho — o delivery foi fundamental para turbinar os números.
Embora a maior parte das vendas ocorra nos supermercados tradicionais, o que tem chamado atenção é o crescimento das lojas on-line. “Pelo menos um investidor nos procura toda semana para conhecer o mercado de vinhos e ingressar no setor”, diz Felipe Galtaroça, presidente da Ideal Consulting, que tem entre clientes os maiores importadoras de vinho do país. De fato, não faltam competidores. Há importadores tradicionais e pequenos empórios locais, que, com a pandemia, se viram forçados a migrar ou intensificar a presença digital. Além deles, marcam presença no segmento os nativos digitais, que já começaram no ambiente on-line. “Nascemos para descomplicar o mundo do vinho”, diz Ari Gorenstein, presidente da Evino. No segundo trimestre, a empresa viu as importações subir 112%, enquanto o número de novos clientes saltou 140%. Agora, 1 milhão de pessoas estão cadastradas na plataforma.
Uma das estrelas do mercado é a Wine, que tem entre os controladores o fundo de investimentos Península, criado pelo empresário Abilio Diniz. Fundada em 2008, a empresa teve receitas de quase 150 milhões de reais no primeiro semestre — alta de 26% ante os primeiros seis meses de 2019 — e lucro de 70 milhões de reais. O foco é o clube de assinatura, que saiu de 124 000 sócios em junho do ano passado para 180 000 em 2020. Em setembro, iniciou o processo para uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês). Segundo informações de mercado, a Wine espera levantar 1 bilhão de reais com a abertura de capital na bolsa.
Para ganhar o mercado — e se diferenciar dos concorrentes — muitos têm adotado como estratégia produzir conteúdo educativo. Uma das mais bem-sucedidas é a Vinhos de Bicicleta, que nasceu em São José dos Campos, no interior de São Paulo, em 2012. Em vez de brigar com gigantes como a Wine e a Evino, a empresa quer cativar fãs com informações. O canal da marca no YouTube tem quase 90 000 inscritos e está entre os maiores dedicados ao vinho da América Latina. Em 253 vídeos, o sommelier Rodrigo Ferraz, fundador da empresa, explica as características de variedades de uvas, conta a história das grandes regiões produtoras, dá dicas de harmonização e convida famosos para degustações — Hernanes, jogador do São Paulo, foi um dos participantes. O conteúdo gratuito atrai os mais interessados para cursos pagos, que custam entre 445 e 495 reais. Dos 4 000 alunos formados, 40% vieram durante a quarentena. “Nossas vendas pelo site aumentaram quatro vezes”, afirma Ferraz.
O esforço para descomplicar o mundo do vinho é justificado. Comparado com Itália, Portugal e França, o Brasil é quase abstêmio em se tratando de vinhos. Nesses países, o consumo per capita chega à casa das dezenas — em Portugal, cada pessoa bebe, em média, 62 litros por ano. No Brasil, são 2,8 litros, e isso porque o mercado quase dobrou de tamanho de um ano para cá. “Trabalhamos para tirar o vinho do pedestal e torná-lo um produto que deve estar presente na mesa dos brasileiros”, diz o sommelier italiano Massimo Leoncini, que comandou a adega do Grupo Fasano por nove anos e hoje é sócio do restaurante Extásia, além de sommelier executivo da rede Grand Cru. Para ele, os brasileiros têm uma vantagem: por não haver uma tradição local, o mercado é aberto a experimentações. “Um italiano do Piemonte não conhece o vinho da Basilicata”, diz Leoncini. “No Brasil, podemos consumir bebidas do mundo inteiro.” Com a explosão dos negócios on-line, isso será cada vez mais verdadeiro. Um brinde à nova era.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706