A revolução tecnológica avança mais rapidamente que qualquer outra já vivida pela humanidade. Os telefones celulares do início dos anos 2000, por exemplo, parecem feitos por neandertais, quando comparados aos smartphones modernos. Outro salto foi o surgimento da inteligência artificial, cada vez mais presente no nosso cotidiano. Esse avanço transformou o setor de tecnologia em um dos principais motores da economia de países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Japão. Ainda que distante das nações que lideram essa área, o Brasil também tem se tornado cada vez mais digital — um movimento que se intensificou nos últimos anos. O indicador que melhor captura a recente arrancada brasileira é o volume de serviços do setor de tecnologia da informação e comunicação, medido mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. De janeiro de 2020 a junho de 2024, o segmento cresceu 86%, quase nove vezes a expansão acumulada de 10% do produto interno bruto no período.
A pandemia de covid-19 desempenhou um papel crucial nessa disparada. A imposição das medidas de isolamento social e a adoção massiva do trabalho remoto levaram as empresas a investir com força na digitalização de operações e serviços. A transição envolveu desde a compra de equipamentos para os funcionários trabalharem em casa até a adoção de ferramentas de gestão de projetos, como o Trello, e o uso de plataformas de videoconferência, como o Zoom. Ao mesmo tempo, os consumidores dependiam mais do comércio eletrônico para suprir suas necessidades, obrigando as companhias a desenvolver canais de vendas on-line e a investir na automação dos centros de distribuição, entre outras estratégias, a fim de entregar rapidamente as encomendas. A corrida para a digitalização se espalhou por toda a economia. No Mercado Livre, maior plataforma de comércio on-line no Brasil, apenas 31% das encomendas eram entregues em até 24 horas no início da pandemia. Com a automação dos centros de distribuição, o número já chega a 50% — e, com um investimento de 23 bilhões de reais anunciado neste ano, o plano é avançar ainda mais. Outra empresa que cresceu nesse período é a Simpress, especializada em aluguel de equipamentos eletrônicos, como computadores, e a expansão está longe de perder força, mesmo com o fim da crise sanitária. “A pandemia expôs quais empresas estavam tecnologicamente preparadas para o mercado de hoje”, diz Vittorio Danesi, fundador e CEO da Simpress. “Quem não investiu, sucumbiu.” A empresa, que conta hoje com 2 600 clientes e 600 000 equipamentos locados, viu seu faturamento aumentar em média 20% ao ano desde 2019 e, para 2024, a projeção é de 1,7 bilhão de reais. Já a Sankhya, desenvolvedora de softwares de gestão empresarial, cresce cerca de 30% ao ano. Em 2020, com um aporte de 425 milhões de reais do fundo soberano de Singapura, a companhia lançou uma estratégia de expansão por meio de aquisições no setor. Desde então, foram realizadas oito operações, incluindo três apenas neste ano. “As aquisições nos ajudam a manter nosso ritmo de crescimento e a aumentar a fatia do mercado brasileiro”, diz Felipe Calixto, presidente da Sankhya.
Apesar do impulso recente, o setor de tecnologia no Brasil ainda é pequeno, quando comparado ao de países desenvolvidos. Por aqui, ele representa 3% do PIB, ante 10% nos Estados Unidos. Para continuar crescendo de forma sustentável, as empresas locais ainda precisam superar diversos desafios. O maior gargalo está na formação de mão de obra capacitada, já que o mercado ainda conta com uma oferta de profissionais aquém da necessária. “Sem esses profissionais qualificados, as empresas direcionam seus planos de investimentos para outros países”, diz Affonso Nina, presidente-executivo da Brasscom, associação das empresas do setor de tecnologia. A FCamara, consultoria que desenvolve projetos de transformação digital, com meio bilhão de reais de receita anual, já busca a internacionalização. Tem escritórios em Portugal, na Inglaterra, em Holanda e Dubai e prepara uma abertura de capital no exterior. “Nosso objetivo é o crescimento. Uma oferta pública de ações é a forma mais factível de alcançar o montante de capital para sustentar a expansão internacional”, diz Fabio Camara, fundador e CEO. Mesmo com os obstáculos pela frente, não faltam oportunidades para que o Brasil se torne mais conectado com os novos tempos, diante da expansão de tecnologias como o 5G e a internet das coisas. “O crescimento desse setor no Brasil será sustentável porque as empresas precisarão adotar, cada vez mais, novas tecnologias para se expandir”, afirma Juliana Trece, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. É o caminho para nos tornarmos cada vez mais digitais — e mais desenvolvidos.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910