O que é preciso para viabilizar hidrogênio verde?
O hidrogênio verde é uma solução ambientalmente superior, mas economicamente inviável no momento. Falta de regulamentação é um dos obstáculos
O que é o hidrogênio verde e o que é preciso para viabilizá-lo? Foi com essa pergunta que o redator-chefe de VEJA, José Roberto Caetano, iniciou a mediação do painel 5 do Fórum de Transição Energética, promovido pela VEJA Negócios e intitulado “A Nova Fronteira do Hidrogênio”. Embora o tema tenha ganhado destaque em discussões internacionais, o progresso prático tem sido mais lento do que o esperado. A explicação, segundo os palestrantes, passa por desafios técnicos, econômicos e regulatórios, que ainda precisam ser superados.
O hidrogênio já desempenha um papel significativo em indústrias, como a de fertilizantes e refinarias, onde é usado principalmente em processos de refino de petróleo e síntese de amônia. No entanto, o “hidrogênio verde” — obtido por eletrólise, utilizando fontes de energia renováveis para dividir as moléculas de água e capturar o hidrogênio — representa uma promessa revolucionária. Sua aplicação vai além dos usos tradicionais, podendo substituir combustíveis fósseis em setores industriais e de transporte, contribuindo para a meta global de zerar emissões de carbono.
O presidente da White Martins e da Linde na América Latina Sul, Gilney Bastos, salientou o desafio que o mundo enfrenta na transição para uma matriz energética mais limpa. Embora o Brasil tenha uma matriz elétrica altamente renovável, com 90% de sua energia proveniente de fontes como hidrelétricas, eólicas e solares, o consumo global de energia ainda depende majoritariamente de fontes moleculares, como petróleo, gás natural e carvão. A descarbonização da energia elétrica está avançando, mas a substituição de combustíveis fósseis por alternativas sustentáveis, como o hidrogênio verde, requer escala e viabilidade econômica — algo que ainda está distante.
“O hidrogênio verde é uma solução ambientalmente superior, mas economicamente inviável no momento”, explicou Bastos. Ele argumenta que sem incentivos fiscais ou mandatos regulatórios que exijam sua adoção, como o que foi feito com a mistura de etanol nos combustíveis no Brasil, o hidrogênio verde continuará sendo uma opção cara e com pouca escala.
O CEO da thyssenkrupp e conselheiro da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), Paulo Alvarenga, acrescentou que a falta de regulamentação específica para o setor é outro obstáculo. Embora o governo tenha aprovado leis importantes para estimular o uso do hidrogênio verde, a ausência de regulamentações detalhadas impede que projetos ganhem tração. “A legislação sem regulamentação é ineficaz. Precisamos garantir que as regras para o desenvolvimento do hidrogênio verde sejam claras e práticas, a fim de atrair investimentos e dar início aos primeiros projetos no Brasil”, afirmou Alvarenga.
Alvarenga alertou, no entanto, contra o excesso de foco em projetos-piloto. “A tecnologia para produzir hidrogênio verde existe há décadas. Não podemos perder tempo tentando provar o que já foi comprovado”, disse ele. O mundo enfrenta um prazo apertado para atingir as metas de emissões líquidas zero, e o Brasil tem uma oportunidade única de se posicionar como líder na produção de hidrogênio verde. Mas para isso, ele argumenta, é essencial ir além dos testes e partir para processos industriais em larga escala.
Grandes emissoras de CO2, as siderúrgicas enfrentam pressões crescentes para descarbonizar suas operações. A Vale, gigante brasileira do setor, já está investindo em tecnologias de baixo carbono, como os mega hubs de produção siderúrgica com menor impacto ambiental. Recentemente, a Vale firmou uma parceria com o grupo siderúrgico indiano Essar para fornecer aglomerados de minério de ferro ao projeto Green Steel Arabia, na Arábia Saudita — uma iniciativa que poderá se tornar um marco na produção de aço com baixo carbono.
A urgência da regulamentação, a escalabilidade e o papel do mercado interno são apenas algumas das peças desse quebra-cabeça complexo. O Brasil está bem posicionado para se tornar um ator-chave na nova economia verde global. Mas, como os palestrantes do painel alertaram, o tempo é curto, e as decisões devem ser rápidas e coordenadas. Caso contrário, o país corre o risco de perder o momento e deixar que outros tomem a dianteira na corrida do hidrogênio.