O exemplo de Pernambuco sobre o retorno do voto de qualidade no Carf
Desde 1978, o estado adota número ímpar de julgadores para os tributos de sua competência

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada o projeto de lei que dá ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal. O texto deve ser votado no Senado no retorno do recesso parlamentar, em agosto. A decisão oficializa o embate entre contribuinte e União, que agora necessariamente perderá as disputas tributárias em caso de empate. “Não há arcabouço sem Carf”, revela o deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, que rejeita a tese de que os contribuintes serão penalizados. “Não é bem assim. Quem são esses contribuintes? Os super ricos”, completa.
Essa é apenas uma das frentes que o governo abriu para engordar a arrecadação, sem a qual o novo arcabouço fiscal, de fato, não para em pé. Os processos tributários que correm no conselho superam a marca de 1 trilhão de reais e o empate costuma acontecer nas teses mais disputadas, muitas vezes casos de valores elevados. Agora, parte desse estoque deve ser recuperado pelo fisco. Com o retorno do poderio da Receita Federal nas decisões do conselho, o governo projeta um aumento de 60 bilhões de reais na arrecadação anual. No ano passado, 79,2% das decisões foram unânimes e 16,6% por maioria. O voto de qualidade representou 2,6% do total de julgados, enquanto o desempate a favor do contribuinte, 1,7%.
A polêmica não está apenas no retorno do voto de qualidade, mas na própria concepção do Carf, que é organizado em cortes com números pares de membros. Isso, por si só, é um convite a desavenças, litígios e más interpretações. “A primeira coisa que deveria ser alterado é promover um número ímpar de membros ou quem sabe algum mecanismo que evite esse tipo de conflito”, afirma Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal.
O modelo de número ímpar é adotado em Pernambuco desde 1978 para os tributos de sua competência. Além da simples solução matemática, o estado estabeleceu que os julgamentos são realizados por servidores concursados, abdicando da “representação” do fisco e do contribuinte, preservando a instância administrativa no processo tributário. “O que fizeram no Carf é um arranjo. E se a decisão, em caso de empate pró-União, estiver errada?”, questiona Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal. Nesse caso, serão excluídas multas e o fisco não representará o contribuinte ao Ministério Público por crime tributário. “Então virou um negócio”, lamenta.
Em uma carta ao Ministério da Fazenda, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contesta as regras atuais e sugere a volta do voto de qualidade. De acordo com a OCDE, o modelo atual de funcionamento do Carf não tem paralelo no mundo. Em 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro, uma lei eliminou o voto de qualidade e passou a favorecer os contribuintes em julgamentos no Carf. A medida contribuiu para reduzir a arrecadação de impostos. Quando a decisão é tomada contra a administração tributária, ela pode ser recorrida “se torna definitiva, apesar de o resultado ter sido alcançado devido a um empate nos votos”, escreve a OCDE. “Isso parece inadequado, pois se a decisão é resultado de um empate, isso indica que há algumas questões jurídicas desafiadores que merecem ser esclarecidas e resolvidas por um processo judicial independente”.
A organização então conclui que “uma reconsideração da abordagem estabelecida em 2020 seria justificada e, a menos que um modelo melhor e mais eficaz seja desenvolvido, pode ser apropriado retornar à prática anterior”. “Na sistemática anterior, caberia ao presidente do CARF – representante da administração tributária, o voto decisivo para manter o tributo reclamado e as penalidades aplicadas pela RFB em um processo equilibrado”, afirma a OCDE.
A negociação para dar vazão à apreciação da medida não foi simples na Câmara. “O texto aprovado foi o texto possível e vai nos ajudar a seguir em frente com o País. A democracia pressupõe diálogos e construções de consensos mínimos”, comemora timidamente um secretário da equipe econômica do ministro Fernando Haddad.