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O que significa ter militares à frente da autoridade de proteção de dados?

Bolsonaro nomeou três militares para a diretoria da recém-criada e poderosa Autoridade Nacional de Proteção de Dados; setores temem pela "privacidade"

Por Josette Goulart 18 out 2020, 05h00

Poderia ser só mais uma nomeação de militares para cargos no governo federal. Algo que já virou lugar comum na administração Bolsonaro. O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) já fez as contas e constatou que em apenas um ano o governo Bolsonaro dobrou o número de militares em cargos civis. Eram mais de 6.100 em julho. Mas a indicação de três militares para a recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados deixou diversos setores da economia em alerta. O motivo é simples: a primeira diretoria da ANPD terá superpoderes para traçar o o destino da regulamentação da proteção de dados dos indivíduos no Brasil, sobre a fiscalização do uso destes dados e sobre a interpretação da lei. Dos cinco integrantes do conselho diretor, três são militares e formam maioria em qualquer votação. E os três ficarão de quatro a seis anos nos cargos.

Mas por que haveria preocupação com o fato de serem militares? Porque a vocação dos militares é a segurança como defesa de soberania e não exatamente a proteção dos dados como forma de garantir a privacidade dos indivíduos, que é o espírito da Lei Geral de Proteção de Dados. Waldemar Ortunho, que terá um mandato de seis anos, passou 40 anos no Ministério da Defesa. Arthur Sabbat, mandato de cinco anos, é chefe de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). O outro militar é o engenheiro de computação Joacil Rael, formado no Instituto Militar de Engenheira (IME).

A nova diretoria terá poderes para regulamentar cerca de 50 pontos da LGPD distribuídos em 18 artigos. Poderão estabelecer diretrizes sobre a portabilidade de dados, transferência internacional, armazenamento na nuvem, cobrança de multas e até atuar como agente harmonizador das leis, seja com leis de transparência, seja com lei de fake news. Outro ponto de atenção é a forte conexão dos militares com o Planalto. A ANPD deveria ser uma agência autônoma. No entanto, o decreto que a criou coloca até mesmo a possibilidade de a agência usar juridicamente a Advocacia Geral da União, outro órgão ligado ao presidente da República. Isso pode ter reflexos na imagem internacional. A depender de como o Brasil regulamente sua lei, isso implicará os negócios globalmente. De acordo com estudo feito pela Associação Data Privacy de Pesquisas, que elencou os 20 países economicamente mais avançados, apenas na China e na Rússia há militares no seu órgão de proteção de dados. E o Brasil é o único que nomeou três de uma vez só. 

A crítica em relação a nomeação de tantos militares também chega sob o aspecto de que a ANPD deverá ser um órgão de fiscalização sobre uso de dados não só pelo setor privado, mas também por qualquer agente do setor público. Isso significa que a ANPD terá poderes sobre a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), por exemplo, ou sobre o INSS, que é criticado por deixar vazar dados para bancos que oferecem crédito consignado. Ou mesmo em relação ao Ministério da Justiça, que recentemente foi repreendido pelo Supremo Tribunal Federal por ter elaborado uma lista de de pessoas que seriam antifas. Uma agência independente, como a que foi idealizada para a ANPD, garantiria que não houvesse abusos por parte do governo ao usar os dados dos cidadãos.

A advogada Patrícia Peck, especialista em direito digital do PG Advogados, levanta outra questão sobre as nomeações que é a concentração de pessoas ligadas ao setor de telecomunicações. O presidente, por exemplo, coronel Waldemar Ortunho é desde 2019 presidente da Telebrás. Miriam Wimmer, nomeada para um mandato de dois anos, é diretora do serviço de telecomunicações do Ministério das Comunicações. “Setores importantes que lidam com dados relevantes dos indivíduos como os de saúde, financeiro e educação não estão representados na diretoria”, diz Peck.

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A LGPD transmite para os indivíduos o poder sobre seus dados e isso trará reflexos revolucionários em diferentes setores. Um deles é o bancário com o open banking ou o Pix, em que os consumidores passam a poder levar suas informações para a instituição que quiserem. As empresas também serão obrigadas a informar o que fazem com os dados que coletam e explicar com que finalidade vão usá-los. Se coletarem dados desnecessários para a prestação de serviços ou repassarem dados a terceiros sem autorização ficarão à mercê de multas. O advogado Adriano Mendes, do escritório Assis e Mendes Advogados, explica que pontos importantes da lei precisam ser regulamentados como, por exemplo, que pequenas e médias empresas serão obrigadas a ter a figura do DPO (Data Protector Officer – chefe de proteção de dados), função criada pela lei, que na metáfora de Mendes seria a do farmacêutico responsável. A lei obriga as empresas a tratar com cuidado os dados de seus clientes. A ideia que está por trás da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, segundo Mendes, é a de que ela se torne um órgão tão importante como é hoje o Conselho Administrativo da Defesa da Concorrência (Cade).

Dos cinco nomeados, a única representante do setor privado é a advogada Nairane Farias Rabelo Leitão. Segundo O Antagonista, ela é sócia de Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, secretário-geral do Senado ligado a Renan Calheiros. Todos os indicados por Bolsonaro terão de passar por uma sabatina no Senado, prevista para acontecer no dia 19. A ANPD já está atrasada e deveria ter sido criada antes da lei entrar em vigor. O governo Bolsonaro tentou jogar com a barriga a entrada em vigor da lei por meio de uma medida provisória, mas uma manobra do Senado fez com que a LGPD passasse a valer ainda em setembro.

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