‘O saneamento privado melhora a vida de todos’, diz Radamés Casseb, presidente da Aegea
Para o executivo, os ganhos de eficiência das empresas privadas permitirão baratear as tarifas de água e esgoto para a população carente

A operadora de serviços de saneamento Aegea venceu dezesseis dos 26 leilões que disputou desde 2019. Multiplicando de 11,2 milhões para mais de 39 milhões o total de pessoas que atende. Com isso, tornou-se a maior empresa privada do setor, presente em quase 900 cidades de quinze estados. Como comparação, a Sabesp, privatizada há um ano, abastece 370 municípios paulistas, que somam 28 milhões de clientes. A arrancada, porém, elevou as dívidas da Aegea a ponto de preocupar a agência de classificação de risco S&P. Agora, com a taxa Selic em 15% — encarecendo o custo de capital — e focada em preparar Belém, cujo contrato foi conquistado neste ano, para a COP30, a empresa vai moderar o apetite para novos leilões. “Seremos mais seletivos”, disse Radamés Casseb, seu presidente, a VEJA Negócios. Leia os principais trechos da entrevista.
Como está o apetite da Aegea para disputar novas concessões de saneamento? Vivemos um momento desafiador quanto ao custo de capital. Em 2021, quando pagamos 15 bilhões de reais pelos lotes 1 e 4 da Cedae no Rio de Janeiro, a taxa Selic era de 2,75%. Agora, está em 15% e ficará em dois dígitos por muito tempo. Essas oscilações são previstas em nosso modelo de risco, mas impõem mais rigor na alocação de capital. Diria que, para os próximos leilões, estaremos mobilizados para estudar tudo, porque é uma chance de aprendermos mais sobre o setor, mas seremos mais seletivos ao decidir de quais vamos participar.
A Sabesp foi privatizada há um ano. Quanto uma concorrente desse porte pesa na decisão da Aegea de disputar novos leilões? O Brasil sai ganhando com a privatização da Sabesp. Sem dúvida, nasceu um grande competidor que une duas competências. A Sabesp sempre foi a concessionária pública mais eficiente do país e enfrentou grandes desafios em São Paulo, como a última estiagem. Além disso, trouxe um novo entrante para o setor de saneamento, uma empresa de energia que tem um histórico irretocável de busca por eficiência e que vai atuar em parceria com o governo paulista.
Mas a Aegea vai facilitar a vida da Sabesp nos leilões? A universalização dos serviços de água e esgoto não é um desafio para apenas uma empresa. Quanto mais companhias competentes estiverem a bordo, mais rapidamente o setor se desenvolverá. O saneamento ganha. O país ganha.
A cobrança de imposto de renda sobre as debêntures incentivadas, a principal fonte de recursos do setor, também atrapalha? Assim como a reforma tributária, o fim da isenção das debêntures levará a um novo ponto de equilíbrio entre o risco e o retorno de cada papel. Os investidores também ficarão mais seletivos. Esse fato, aliado a toda a conjuntura atual, manterá o custo de capital alto por ainda mais tempo.
A Aegea sempre é cotada para realizar um IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês), quando o cenário melhorar. Como estão os planos? Apesar de termos acionistas dispostos a capitalizar a empresa, caso necessário, não vamos abrir mão dessa nova fonte de capital que é o mercado de ações. A companhia segue se preparando para quando a próxima janela de IPOs se abrir. Somos apenas passageiros nessa situação e o que nos cabe é esperar.
“Ganhamos um grande competidor com a privatização da Sabesp, e isso é bom para o Brasil”
Em junho, a S&P rebaixou a perspectiva da nota de risco da empresa para negativo, devido ao aumento da dívida. Como o senhor avalia essa decisão? Nos últimos anos, a percepção de risco aumentou de maneira global, atrelada à piora da conjuntura, à elevação do custo de capital. A Aegea vive um processo de redução do endividamento, quando se compara a dívida com a geração de caixa. Boa parte dos nossos financiamentos já tem uma duração média acima de sete anos, o que nos deixa muito confortáveis.
Como convencer quem se opõe à privatização do saneamento de que isso é bom para todos? Esse debate é saudável para o amadurecimento do setor. No passado, os políticos não davam atenção ao saneamento, porque diziam que isso não dava votos. Ninguém via as obras, porque ficam enterradas, não havia grandes inaugurações. Mas as novas gerações de gestores públicos inovaram ao ver que o setor é importante para a saúde e abriram espaço para as empresas privadas. Anos depois, essa decisão transformou a vida das pessoas e das cidades, com ganhos na saúde, na produtividade e na geração de empregos. A maioria dos gestores que passaram o saneamento para o setor privado se reelege com ampla maioria de votos. A preocupação com o impacto social é legítima e ajuda os modeladores de políticas públicas, como o BNDES e as agências reguladoras, a incorporar essas questões nos programas de concessão de água e esgoto. Vemos a preocupação dos governantes de fortalecer os órgãos de fiscalização. Hoje, assinar um contrato de privatização não é o fim da história nem para a empresa vencedora, nem para o poder público. É apenas o começo.
É possível conciliar a importância social do setor com a geração de lucros esperada de uma empresa privada? Esse é o trabalho de todos os dias. A resposta nasce de um olhar de longo prazo, que vai além de cada trimestre. Preciso focar nas próximas gerações de clientes. Quero que as famílias mais vulneráveis de cada cidade sejam incluídas no sistema com a menor tarifa possível. Em Manaus, por exemplo, a tarifa social é de 30 reais, mas mesmo isso é muito caro para muita gente. Criamos, então, o programa Tarifa 10, que cobra 10 reais dos clientes mais vulneráveis e atende 50 000 famílias.
Mas como a Aegea gera retorno financeiro com essas medidas? Às vezes, basta ajustar uma meta contratual. Algo que estava previsto para ser cumprido no décimo ano de contrato é adiado em um ano e isso já é suficiente para equilibrar novamente o retorno. O segredo para obter a justiça tarifária sem comprometer o retorno financeiro é manter uma discussão constante com as agências reguladoras para encontrar as soluções mais adequadas para cada camada do tecido social. Isso não vem apenas com tarifas menores. O poder de transformação do saneamento pode ser usado para melhorar o acesso da população vulnerável ao mercado de trabalho. Ao contratar empreiteiros para tocar obras, podemos estabelecer que parte dos empregados seja proveniente da população mais vulnerável, o que ajuda a multiplicar a renda.
O modelo de subsídio cruzado, em que os consumidores de maior renda pagam parte da conta dos mais pobres, é um bom modelo? Hoje ele funciona. O sistema foi pensado para que as áreas mais ricas e industrializadas subsidiassem as tarifas sociais e os investimentos principalmente no interior, onde os serviços não tinham viabilidade econômica. Mas, agora, as novas tecnologias e o foco do setor privado em tornar as operações mais eficientes para gerar caixa aumentaram a viabilidade da prestação de serviços de água em esgoto em várias cidades. Municípios amazônicos e do Nordeste são disputados em leilões e os vencedores pagam bons ágios para conquistar os contratos. Isso era impensável dez anos atrás. O subsídio cruzado ainda será uma alavanca para a transição para um modelo em que os ganhos de eficiência, em conjunto com a geração de outras receitas, como a prestação de serviços ambientais, se transformem em modicidade tarifária.
“O que estamos fazendo em Belém é quase uma acupuntura para prepará-la para a COP30”
A companhia e o governo do Pará estudam antecipar o início da vigência do contrato de concessão da região metropolitana de Belém, previsto para janeiro de 2026, para preparar a cidade para a COP30, em novembro. Como estão as negociações? Já estamos em regime de operação assistida na região, que é um período de transição em parceria com o estado. Nos últimos contratos, nos especializamos em antecipar a assunção dos serviços. No Rio de Janeiro, por exemplo, reduzimos pela metade o prazo para assumir o atendimento a 10 milhões de clientes. A transição seria de seis meses e encurtamos para três. Desde 2014, já atuamos no Pará, nos municípios de Barcarena e Novo Progresso. Mesmo antes de vencer o leilão de Belém, decidimos antecipar a universalização dos serviços nessas cidades de 2033 para o fim de 2025. Queríamos mandar uma mensagem clara para quem participará da COP30, de que é possível para empresas privadas obter viabilidade econômica em concessões de cidades de baixa renda em lugares remotos. Quando surgiu a oportunidade de disputar os serviços de Belém, nos sentimos muito desafiados.
Qual é o plano para garantir o abastecimento de água durante a COP30? Identificamos pontos críticos que serão reforçados com redundância de sistemas, como a instalação de geradores elétricos para evitar que as bombas falhem. Também realizamos algumas intervenções específicas, como a troca de filtros em certas estações elevatórias e de tratamento. É como uma acupuntura na infraestrutura existente para garantir que tenha resistência às intempéries e a outras ocorrências.
Por falar em COP30, quanto os eventos climáticos extremos complicaram a gestão de empresas de saneamento? Sem dúvida, esse é um dos grandes desafios atuais. Precisamos estudar muito para tentar antecipar tais eventos e suas consequências. Em Mato Grosso, os rios reduziam o volume durante quinze dias por ano. Hoje, esse período se estende por até setenta dias, e alguns chegam a secar. Eu preciso buscar água de carro-pipa a 500 quilômetros de distância. Às vezes, a cidade nem percebe, mas há uma verdadeira operação de guerra montada para garantir o serviço. No Amazonas, a vazão do Rio Negro sofre uma forte queda com a estiagem. Tudo ficou muito mais complexo.
Publicado em VEJA, agosto de 2025, edição VEJA Negócios nº 17