Em setembro, o Google deu um dos passos mais importantes de sua trajetória no mercado brasileiro. A empresa californiana iniciou as reformas do prédio número 1 do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), localizado na Cidade Universitária, em São Paulo. Trata-se de um projeto ambicioso. A ideia é que o edifício da década de 1940 abrigue o Centro de Engenharia da empresa na América Latina, reunindo centenas de profissionais que se dedicarão a desenvolver novas tecnologias. Segundo Bernardo Barlach, gerente de Parcerias e Relacionamento para Acessibilidade do Google na América Latina, a iniciativa está inserida em um plano de 1 bilhão de dólares em investimentos que a companhia pretende fazer na região da América Latina. A escolha do IPT para receber o programa do Google tem bons motivos. Fundado em 1899, o instituto consolidou-se em sua trajetória centenária como uma das referências em inovação no Brasil. Agora, ao realizar parcerias com grandes empresas de tecnologia, reforça o DNA inovador.
Essa vocação ganhou mais impulso desde 2019, quando o instituto criou o programa IPT Open, que busca mais aproximação com o ambiente corporativo. “O IPT Open consagra a oportunidade de ter no mesmo espaço físico os centros de inovação das empresas, grandes corporações, startups nascentes e startups de base tecnológica, que, de alguma forma, precisam interagir com um ecossistema de inovação”, diz Natália Cerize, diretora de estratégia e relações institucionais do IPT e responsável pelo IPT Open.
A chegada do Google é um exemplo da relevância do programa, que abriga atualmente catorze empresas, além de 200 startups incubadas. Com essas iniciativas, o IPT consegue gerar receitas adicionais, tornando-se menos dependente dos recursos desembolsados pelo governo de São Paulo. Em 2023, o orçamento do IPT foi de aproximadamente 300 milhões de reais, dos quais 38% vieram do governo paulista. Os outros 62% foram gerados por serviços tecnológicos e projetos de pesquisa e desenvolvimento contratados por empresas públicas e privadas.
Foi nesse ambiente pulsante que nasceu a Abluo, a primeira startup brasileira de nanotecnologia com foco em saúde humana, animal e meio ambiente. Pertencente ao Grupo Cecil, fabricante de produtos de cobre e participante do IPT Open, a startup deve sua origem à iniciativa. “O IPT é um catalisador de tecnologia”, define a cientista da Abluo, Ludmilla de Moura, emprestando da química o termo para explicar os efeitos da combinação de acesso a infraestrutura com uma equipe multidisciplinar qualificada. A mais recente adesão ao IPT Open é da empresa de transporte ferroviário CPTM, primeira companhia pública a instalar um centro de inovação no instituto.
A inovação, de fato, é o que move o IPT. Atualmente, o instituto mantém 2 000 pesquisas em andamento em um espaço de 150 000 metros quadrados de laboratórios. Suas oito divisões de negócios miram projetos em áreas como energias renováveis, transição para o hidrogênio de baixo carbono, inteligência artificial, internet das coisas para a indústria 4.0, materiais avançados, biotecnologia e nanotecnologia, entre outras frentes de negócios. O instituto também conta com uma divisão voltada para a regulamentação de tecnologias, além de uma unidade de ensino com cursos e mestrados profissionalizantes para empresas. “Não existe nada que o brasileiro faça que não tenha um dedinho do IPT”, brinca o presidente Anderson Correia.
Desde o início do ano no IPT e há pouco mais de dois meses no cargo, Correia é ex-reitor do Instituto Tecnológico Aeronáutico (ITA). Ele cita a estreita ligação do IPT com o segmento aeronáutico. “O IPT chegou a produzir aviões próprios e também apoiou empresas como a Companhia Aeronáutica Paulista, que fabricou o Paulistinha”, diz, referindo-se ao apelido do monomotor CAP-4, considerado o mais bem-sucedido avião fabricado no Brasil pela antiga fabricante de aeronaves.
Engenheiro civil, Correia se inspira na gestão do também engenheiro Adriano Marchini, superintendente do IPT de 1939 a 1954, período de ebulição da divisão de aeronáutica do instituto. Ao mesmo tempo em que as tecnologias do IPT ganhavam os ares, Marchini comandava a expansão por terra. Durante a sua gestão, o instituto — que havia se separado em 1934 da Escola Politécnica da USP — deixou o bairro do Bom Retiro, na capital paulista, e começou, em 1937, o processo de mudança para a Cidade Universitária. “Foi Marchini que fez o plano de expansão do IPT”, diz.
Além da sede na Cidade Universitária, o IPT mantém atualmente unidades em Franca e São José dos Campos, no interior de São Paulo. Em 2022, ultrapassou as divisas paulistas e chegou a Manaus. “Um sonho que tenho, de longo prazo, é abrir mais unidades”, afirma Correia. Além da expansão, ele diz querer deixar um legado de consolidação do IPT, incluindo o fortalecimento das bases regionais, com a abertura de um concurso público, o que não ocorre há dez anos. A sua referência é a versão alemã do IPT, o Instituto Fraunhofer. Enquanto reitor do ITA, Correia assinou acordos internacionais que levaram à construção de centros internacionais dentro do instituto aeronáutico, um deles ligado ao Fraunhofer. A ideia é fazer o mesmo com o IPT. A inovação, de fato, não pode parar.
Publicado em VEJA, outubro de 2024, edição VEJA Negócios nº 7