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Open banking nos deixará brigar com os grandes bancos, diz CEO do Nubank

David Vélez, o fundador do maior banco digital no país acredita que a abertura dos dados bancários irá facilitar o crédito e aumentar a concorrência

Por Felipe Mendes Atualizado em 6 Maio 2020, 17h09 - Publicado em 6 Maio 2020, 16h21

Navegar em mar revolto não é das tarefas mais fáceis. Mas o empresário colombiano David Vélez, CEO e fundador do Nubank, tem se saído bem. Principal nome à frente do banco digital que tem revolucionado o mercado bancário brasileiro e incomodado as grandes instituições, ele acredita que a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) está forçando uma mudança nas relações profissionais e de comportamento por parte dos consumidores. Além disso, ele reconhece que a regulamentação do open banking — o Sistema Financeiro Aberto —, por parte do Banco Central, era a última etapa para que os bancos digitais pudessem concorrer em pé de igualdade pelo cliente. “O open banking vai facilitar o acesso ao crédito, a portabilidade de conta e dados, além de baixar as barreiras competitivas. Vai ser muito bom para o consumidor”, diz. Com o novo sistema, que será implementado até outubro de 2021 no país, o cidadão terá mais controle sobre seus dados, o que o ajudará no momento da obtenção de crédito ou de um financiamento, por exemplo.

O Nubank conseguiu chegar ao ponto de equilíbrio financeiro em 2017, depois de superar o desafio de crescer em meio ao caos que tomou o Brasil entre 2014 e 2016. Agora, depois de um suspiro, a empresa encontra novamente um cenário desafiador. Como o senhor analisa este momento? Nossa vida no Brasil pode ser descrita em crises. Desde quando começamos em 2013, temos crescido num ambiente hostil tanto regulatório como no cenário macroeconômico. Mas esses desafios fizeram com que conseguíssemos implementar o nosso DNA e nos adaptássemos muito rapidamente a essas circunstâncias. Agora, passamos por um outro momento difícil, mas estamos muito fortes nessa crise. Estamos navegando bem e iremos sair dela muito fortalecidos, nos alavancando em tendências que já havíamos identificado, como a digitalização do sistema financeiro bancário. Esse negócio de passar uma hora na fila de agencia bancária virou coisa do passado da indústria bancária. Mesmo as fatias demográficas que estavam resistindo mais a aderir essa transformação, como os idosos, já mudaram o comportamento. Desde que começou a crise, o número de clientes do Nubank com mais de 60 anos já cresceu mais de 8%. Era uma área demográfica que ainda não tínhamos penetrado muito. Mas com a crise, essas pessoas não podem ir a agências bancárias, e elas passaram a utilizar os bancos digitais pela primeira vez. Estamos nos beneficiando dessa mudança comportamental. O mundo bancário pós-pandemia será muito mais digital e essa mudança nos ajuda.

Existe um receio de que a pandemia seja crucial para a falência de startups e fintechs que ainda não atingiram o ponto de equilíbrio operacional. Infelizmente, a crise vai ser difícil para muitos deles. Algumas dessas empresas são mais capitalizadas que outras. Cada startup tem seu próprio universo. Agora, se as fintechs conseguirem aguentar e atravessar essa crise, o mundo que existirá depois vai ser muito mais aberto aos produtos que elas oferecem em relação ao que era antes. É importante tentar aguentar agora e ser mais agressivo na retomada. Eu acho que essa filosofia de crescimento a todo vapor, sem olhar rentabilidade no modelo de negócio, talvez funcione só nos Estados Unidos ou na Europa, onde, acredita-se, existe capital infinito. No Brasil, o capital sempre foi muito escasso. Não dá para pensar em crescer sem ser rentável ou ter um modelo de negócios bem estruturado. Essa opção nunca existiu. No nosso caso, sempre achamos que gerar caixa é importante e rentabilidade é importante. E olhamos para isso desde o começo da empresa.

Como o senhor avalia o impacto da pandemia para o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deste ano? Estamos trabalhando com uma figura de contração econômica em torno de 5% para este ano. É uma tragédia. Eu acho que vamos precisar reconstruir esse país depois de sair dessa crise. E isso vai requerer muito trabalho de todos, seja do setor privado, dos empreendedores, além de um papel ativo do governo para sustentar essa grande massa de desemprego que aumentará substancialmente. Será preciso investir para gerar novos empregos e fomentar todas as cadeias da economia brasileira.

Diversos setores da economia têm reclamado da dificuldade de acesso a crédito neste momento. Como o senhor vê isso? A Febraban anunciou recentemente que já repassou mais de 200 bilhões de reais em novos empréstimos, o que já é muito. Ou seja, os bancos estão, sim, emprestando. Mas, o que eu tenho sentido é que muito desse valor está sendo destinado às maiores empresas. Os pequenos e microempreendedores estão com maiores dificuldades para acessar o crédito. Além disso, eles também têm juros maiores, pois o grau de risco é maior. E esse é o grande problema. Emprestar dinheiro no meio de uma crise cria um risco enorme. Nós temos conversado com o governo e com o BNDES para que haja algum tipo de compartilhamento do risco por parte do Estado.  Isso é importante sobretudo para que os bancos e as fintechs continuem liberando crédito. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo está assumindo a maior parte do risco de crédito. Acho que falta um mecanismo assim para conseguir levar créditos a juros mais baixos para micro e pequenos empreendedores.

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Qual seria a solução, então? Seguir o mercado financeiro americano? Seria um caminho. Nos Estados Unidos, os bancos estão emprestando dinheiro para os micro empreendedores e pequenas empresas, mas o governo está levando 100% o risco de crédito. Dessa forma, sabemos que esse dinheiro vai chegar ao juro dado pelo governo até esse microempreendedor final. Outras opções seriam, por exemplo, fazer acordos com o BNDES ou algum banco público, para que ele leve a maior parte do risco de crédito, compartilhando esse risco com a fintech. Hoje, as fintechs estão muito bem posicionadas para ajudar a levar recursos seja para consumidores ou pequenas empresas em todo o território brasileiro. Quase 210.000 pessoas receberam os aportes da Caixa pelo Nubank. Então, as fintechs estão muito bem posicionadas nessa crise, mas o problema é que elas não têm a capacidade de tomar 100% desse risco. E aí que compartilhar esse risco com o governo, talvez por meio do BNDES, ajudaria a fazer com que as fintechs consigam liberar mais empréstimos e a juros menores para esse microempreendedor.

Quais são os riscos para a inadimplência neste momento? O Nubank alterou, de alguma forma, os parâmetros para análise de risco por conta da pandemia? A inadimplência tem crescido, conforme o desemprego tem aumentado. Com certeza, é um fator preocupante e que tende a se intensificar. Por um lado, este momento de pandemia é uma grande oportunidade para reforçar a nossa marca e nosso relacionamento com os clientes. Por isso, nós estamos lançando um programa de refinanciamento a juros baixíssimos. Há algumas semanas, nós lançamos novos programas de parcelamentos a menos de 2% ao mês, o que é um desconto de mais de 80% em relação à taxa de juros que cobrávamos antes da crise. Lançamos um fundo de 20 milhões de reais, que se chama “Pessoas Primeiro”, em que nós fizemos parcerias com o hospital Sírio Libanês, para dar telemedicina a nossos clientes; fizemos parcerias com alguns aplicativos de meditação, de estresse etc. Ou seja, estamos tentando ajudar o nosso cliente de diversas formas. Por outro lado, tem o aumento em termos de risco geral. E nós temos entendido que temos de ter um pouco mais de cuidado para avaliar a possibilidade de empréstimos novos.

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Como a portabilidade bancária tem influenciado no crescimento recente do Nubank? As medidas do Banco Central para facilitar a portabilidade tem impactado positivamente o nosso negócio. Já temos vários clientes que estão recebendo seus salários pelo Nubank a cada mês, e o número só cresce. Mas ainda é difícil. Existem vários pontos de fricção nesse processo. Os grandes bancos não adoram esse produto específico, então isso acaba nos atrapalhando. Ainda não é tão fácil como poderia ser. A portabilidade de crédito é ainda mais complicada do que a de salário. É difícil um cliente levar seu empréstimo de um banco para o outro. Então, nós estamos trabalhando com o Banco Central para facilitar esse processo. Muitas das medidas do Banco Central vão nessa direção de baixar essas barreiras competitivas.

Como, por exemplo, a regulamentação do open banking? Sim. O open banking vem nessa direção, de facilitar o acesso ao crédito, baixar as barreiras de concorrência e facilitar a portabilidade de tudo, de conta, de crédito, de dados… Entendemos que toda essa linha de open banking vai facilitar bastante, não só porque todas as barreiras vão embora e vai ficar mais fácil para o consumidor escolher o meu produto, mas também porque hoje os bancos têm uma grande vantagem em termos de dados. Eles têm bancos de dados internos, algo que as fintechs não têm, o que nos deixa em desvantagem. Parte disso explica porque a taxa de juros não cai tanto como deveria. Na mesma linha do open banking, a Lei do Cadastro Positivo, que foi uma regulamentação que passou no ano passado, também irá ajudar. Agora, o consumidor vai conseguir migrar todos seus dados e mostrar que seu comportamento em relação ao risco é bom, de que ele é um bom pagador etc. Isso vai fazer com que ele consiga acesso a empréstimos com taxa de juros mais baixas. Lembrando sempre que é o consumidor que vai decidir se vai querer compartilhar essa informação ou não. Mas, em linhas gerais, isso vai ajudar a baixar o juro dele e é o que nós queremos. Hoje, a nossa taxa de juro já é até 40% mais baixa em relação aos outros bancos.

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Como o Nubank tem se adaptado à pandemia? A estrutura de home office veio para ficar? A estrutura de trabalho remoto funcionou melhor do que imaginávamos. Como muitas pessoas não tinham cadeira ou monitores adequados, enviamos mais de 1.000 cadeiras ergonométricas e 400 monitores para auxiliar os funcionários, além de flexibilizar a jornada para aqueles que têm filhos. Acredito que, com essa pandemia, o jeito como as empresas vão existir e a forma de trabalho vão se transformar significativamente. A primeira mudança é que a crise forçou as empresas a experimentarem o home office, algo que muitas tinham receio. Não acredito que o pós-crise será 100% remoto, ainda vão existir escritórios, mas o espaço físico se tornará cada vez mais opcional e não algo mandatório. Além disso, a crise pode mostrar que o trabalho remoto pode fazer com que as empresas invistam em profissionais diversificados, espalhados por várias regiões no mundo. Nós, por exemplo, temos um desenvolvedor alemão e um designer na Itália. Meu mercado de talento é global. Isso também pode ser uma grande mudança para as empresas.

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