Operações da PF lançam luz sobre conexões entre o PCC e o mercado financeiro
A tendência daqui para frente é que as fintechs entrem de vez na mira das forças de segurança

Presente em 28 países e com cerca de 40 000 membros, o Primeiro Comando da Capital (PCC) tornou-se uma das mais poderosas organizações criminosas do mundo, sendo equiparada por especialistas em segurança pública à máfia italiana, dada a sofisticação de suas operações. Seu faturamento anual é estimado em 1 bilhão de dólares pelo Ministério Público de São Paulo. Para lavar essa montanha de dinheiro sujo gerado por tráfico de drogas, roubo e outras atividades ilegais, o PCC estendeu seus tentáculos sobre os mais diversos ramos da economia. Operações policiais já desmontaram esquemas envolvendo empresas de ônibus, igrejas, produtoras de shows e contratos públicos com prefeituras. Três operações deflagradas pela PF na quinta 28 deixaram evidente que os tentáculos de negócios da facção são ainda maiores.
A primeira delas, batizada de Tank, concentrou-se nas atividades do PCC no Paraná. As outras duas operações — Carbono Oculto e Quasar — promovem uma investigação mais ampla no país. No centro de todas está uma rede de 1 000 postos de combustível espalhada por dez estados e usada pelos criminosos como lavanderia. A força-tarefa à frente das investigações estima que o esquema movimentou 52 bilhões de reais de 2020 a 2024. A forte presença da facção na cadeia de produção e distribuição de combustíveis não é novidade. Há anos, as autoridades sabem que o grupo lucra com a importação ilegal de nafta, a sonegação de impostos, a venda de combustível adulterado e fraudes nas bombas. O que as operações desta semana acrescentam à trama é a verticalização do esquema, que conta agora com quatro usinas produtoras de etanol controladas pelo PCC, além de duas usinas parceiras.

As operações também lançam luz sobre as conexões entre o crime organizado e o mercado financeiro. Onze instituições, entre empresas de pagamento, gestoras e corretoras, foram alvo de mandados de busca e apreensão. Segundo as investigações, os postos de combustível injetavam o dinheiro do PCC no sistema financeiro por meio de fintechs que operam maquininhas de pagamento, como a BK Bank, uma das empresas visitadas pela PF na quinta-feira. Em nota à imprensa, a instituição se disse surpresa com a operação, declarou que atua dentro da legalidade e se pôs à disposição das autoridades.
Duas brechas na legislação facilitam a vida da facção. A primeira é a chamada “conta-bolsão”, por meio da qual uma fintech pode abrir uma conta em um banco tradicional, depositando e movimentando os recursos de seus clientes sem a obrigação de informar a origem do dinheiro. As fintechs também não são obrigadas a declarar as operações dos clientes à Receita Federal. Para fechar tais brechas, o Fisco emitiu uma portaria em setembro do ano passado que entrou em vigor em janeiro. Alvo de uma violenta campanha, que teve o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) como seu maior expoente, afirmando que a medida daria margem para taxar as operações via Pix, a portaria foi suspensa poucos dias depois.

A tendência daqui para frente é que as fintechs entrem de vez na mira das forças de segurança. Segundo as investigações, uma vez inserido no sistema financeiro por uma empresa do tipo, o dinheiro do PCC era aplicado em pelo menos quarenta fundos de investimento que somam um patrimônio de 30 bilhões de reais. Segundo a Receita Federal, a maioria dos fundos possui apenas um cotista e é fechada, isto é, suas cotas não são negociadas no mercado. Para apagar os rastros dos criminosos, boa parte dos cotistas são outros fundos fechados, compondo um emaranhado de empresas de participações. Entre as instituições investigadas pela PF estão o Banco Genial e a Reag Investimentos, uma das maiores gestoras independentes do país, cujos negócios vão da arena do Grêmio ao patrocínio do Cine Belas Artes, em São Paulo.
Na entrevista coletiva sobre as operações, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, aproveitou para cobrar a aprovação pelo Congresso da PEC da Segurança, projeto que enfrenta resistência da oposição ao propor maior integração entre as forças policiais e de inteligência. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lembrou a importância dos instrumentos de fiscalização da Receita. Faz sentido. É consenso entre especialistas que combater o crime organizado pela asfixia financeira é muito mais eficaz do que mandar policiais subirem morros para trocar tiros com traficantes. As ações recentes representam um grande acerto das autoridades nessa direção.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959