Os aeroportos sofrem com a falta de passageiros
Os endereços brasileiros negociam com o governo novas condições para manter as operações em meio à crise que também afeta seus parceiros internacionais
Um setor que pode ser considerado exemplar em seguir à risca as regras de distanciamento social é o de aeroportos. Não exatamente por desejo de seus gestores, mas devido à queda drástica do número de passageiros para um nível que dificilmente será revertido em curto prazo. Uma amostra da desolação que afeta o segmento foi explicitada no fim de agosto no estudo de viabilidade para uma rodada de licitações de aeroportos prevista para o início de 2021. O objetivo da operação é transferir para a iniciativa privada 22 aeroportos, divididos em três blocos, ancorados pelos de Manaus, Goiânia e Curitiba. Os estudos que servem de guia para potenciais concessionários projetam um cenário em que tais unidades vão perder 70% de seu fluxo em 2020 e só voltarão aos patamares do ano passado em 2024. As análises levaram em conta, fundamentalmente, o efeito econômico da queda de passageiros, mas não consideram um novo comportamento entre viajantes de negócios, com mais reuniões sendo feitas por videoconferência e com uma diminuição das viagens a trabalho.
Os aeroportos já concedidos à iniciativa privada formam um retrato desolador do baque do coronavírus sobre a aviação civil brasileira. Nove recorreram ao chamado reequilíbrio econômico financeiro da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) por causa da pandemia. Isso significa que desejam pagar preços menores de outorga ou fazer investimentos mais modestos do que os previstos em contrato. Entre os que optaram pela renegociação estão alguns dos terminais mais importantes do país, como os de Guarulhos, Brasília, Confins e Rio-Galeão. Todos foram vendidos com ágios elevados na década passada, quando ventos otimistas embalavam o setor. No grupo, há ainda aqueles que chegaram à pandemia já quebrados, como o Aeroporto de Viracopos, em Campinas. Sem perspectivas de manter o negócio, seus administradores fecharam em julho um acordo com o governo para devolver o terminal, que deve passar por nova licitação.
O caso do aeroporto paulista é típico dos equívocos que marcaram os processos de concessão, embalados pela euforia desmedida com a expansão econômica do país. Desde que o novo terminal foi inaugurado, há quatro anos, o complexo não atingiu a meta prevista de movimento. As instalações foram projetadas para receber 25 milhões de passageiros por ano, mas nunca receberam nem 10 milhões. Com a pandemia, esse número não deve passar dos 3 milhões. Suas donas, as empreiteiras Triunfo e UTC, alvos da Lava-Jato, tentam minimizar os prejuízos depois de devolver o ativo à União. A concessionária entrou em recuperação judicial há dois anos e agora procura empurrar 3 bilhões de reais em dívidas para o próximo responsável pela operação. Além disso, pretende reaver parte dos recursos que investiu por meio de um processo de arbitragem com a Anac, previsto na lei de relicitação. Fontes próximas à concessionária dizem que ainda há esperança entre os sócios de que consigam até mesmo manter o aeroporto, agora em situação mais confortável, caso a nova licitação não seja bem-sucedida. Para ajudar nesses processos, a operadora contratou consultores com bom trânsito em Brasília, como o advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro, e Adalberto Vasconcelos, próximo do atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
O secretário nacional de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, relativiza o impacto de reveses como o de Viracopos. “As devoluções são amigáveis, como manda a lei”, lembrando que o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, nos arredores de Natal, também foi devolvido. O otimismo do secretário é maior, no entanto, com a nova rodada de licitações. Para Glanzmann, não vai faltar investidor interessado. Nas projeções do governo, o comércio eletrônico aquecido pode salvar a receita das operações de carga. Tal raciocínio, porém, pode não se confirmar na prática. A maioria dos aeroportos brasileiros sobrevive mesmo do fluxo de passageiros. A movimentação de cargas, segundo os operadores, não é tão significativa e cresceu pouco na pandemia.
Ao contrário do que ocorreu no passado, a nova rodada de concessões deve ter um número limitado de operadores globais, que podem até se interessar pelos aeroportos brasileiros, mas, no momento, enfrentam problemas com a Covid-19 em seu país de origem. Alguns não descartam participar, desde que na forma de pequenas fatias, em parceria com fundos de investimentos. Renato Sucupira, da BF Capital, especialista em avaliar aeroportos, diz que as operadoras estão preocupadas em não conseguir fazer uma avaliação correta da situação operacional, afetada pela pandemia. Assim como acontece com as companhias aéreas, o setor de aeroportos deve ainda enfrentar tempos de dureza pela frente.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704