Os desafios de um Brasil mais velho e mais pobre
Processo de envelhecimento acelerado impõe uma série de barreiras que o país deve enfrentar caso queira continuar crescendo e ampliando a renda da população
Em 2011, nos Estados Unidos, o número de idosos, somados às crianças, começou a crescer mais rapidamente do que a porção dos trabalhadores. Como consequência, a participação desse grupo no total da população passou a aumentar depois de quarenta anos em queda. Essa inversão entre os grupos dos “dependentes” e dos “produtivos” marca o fim do chamado bônus demográfico, o período em que a população jovem e adulta atinge o seu auge, enquanto menos crianças nascem, mais sobrevivem e o número de idosos ainda é pequeno. É um processo que, cedo ou tarde, ocorre em todos os países e dá a eles a oportunidade de gerar e distribuir riqueza, já que a cada ano chegam mais pessoas na economia aptas a trabalhar e pagar impostos. O fim dessa fase de fartura, por outro lado, traz uma série de desafios, conforme aquele batalhão de trabalhadores envelhece e a população produtiva encolhe, ou seja, passam a existir mais pessoas para cada trabalhador sustentar.
Embora, em termos de riqueza, ainda estejamos décadas atrás dos Estados Unidos — a renda média brasileira atual é equivalente à americana dos anos de 1980 —, essa janela de oportunidade também já se fechou para o Brasil. O bônus demográfico brasileiro acabou em 2018, apenas sete anos depois que o dos Estados Unidos. “Muitos países de renda média estão envelhecendo mais depressa que os de renda alta e serão mais velhos que eles em um futuro próximo”, diz o economista do Banco Mundial Gustavo Demarco, líder do grupo de soluções globais de pensões da entidade. “Por isso, é urgente que esses países acelerem o investimento produtivo e apostem em capital humano para que consigam ficar ricos antes de envelhecer. O inverso tem consequências bastante negativas, como menor produtividade e, portanto, menos crescimento.”
Os idosos, considerados aqueles com 65 anos ou mais, representavam 4% dos brasileiros em 1980 e, hoje em dia, já são 10%. Enquanto isso, a taxa de fecundidade, que conta o número de nascimentos por mulher, declinou de 4 para 1,6 no período, a mesma média dos Estados Unidos e do Reino Unido. Os dados indicam, portanto, que o processo de envelhecimento por aqui está cada vez mais veloz. Pela mais recente projeção, atualizada em setembro passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população brasileira deverá começar a diminuir em 2041, seis anos mais cedo que o esperado anteriormente.
A reformulação etária impõe inúmeros desafios, a começar pelo crescimento econômico, que perde um de seus grandes motores. “O bônus demográfico vira ônus, e fica ainda mais difícil sair da armadilha da renda média”, diz Silvia Matos, uma das coordenadoras do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ela calcula que o impulso de crescimento que o país teve ao longo do século XX pelo aumento do número dos jovens começará a ficar negativo nos próximos anos. Ou seja, a mudança populacional contribuirá para que a expansão do PIB caia. “A única forma de crescer será aumentando a produtividade e ampliando a participação dessas pessoas no mercado”, diz a economista.
Ampliar investimentos em educação é premente. Abrir todas as portas para a inovação, a tecnologia e a automação, também. Buscar formas de reter os que desistem de trabalhar, como muitas mulheres e os chamados “nem-nem”, o grupo dos jovens que nem estudam e nem trabalham, é outra maneira de ampliar o número de pessoas em atividade mesmo que a população esteja diminuindo. “É um potencial de trabalho que temos e desperdiçamos”, afirma Matos. Mais empregos de meio período e uma melhor estrutura de atenção tanto às crianças quanto aos mais velhos, dois grupos que acabam ficando aos cuidados das mulheres, são algumas das formas de atacar o problema.
Os graves desequilíbrios orçamentários do país e a Previdência deficitária são desafios que deveriam ser enfrentados agora. “O Japão tem proporcionalmente três vezes mais idosos que o Brasil, mas gastamos o mesmo que eles com aposentadorias”, diz o economista Marcos Lisboa, ex-presidente do Insper e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda. “Com mais idosos e menos gente trabalhando, ou a carga tributária terá que aumentar severamente ou a máquina pública vai ter que ser mais eficiente.”
Os gastos com a Previdência já tomam quase a metade do orçamento federal e deixam cada vez menos recursos disponíveis para outras áreas. Em alguns estados e municípios, a situação é ainda pior. É por isso que cresce o coro dos que alertam que será inevitável fazer uma segunda revisão da Previdência em breve, ampliando o que faltou na reforma feita em 2019. “O número de pessoas saindo da força de trabalho cresce a um ritmo de 4% a 5% ao ano, enquanto a velocidade daquelas que estão entrando é de 1% a 2%”, diz Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP. “É um sistema que não se sustenta.”
Entre as tarefas por concluir, os especialistas citam igualar as idades de aposentadoria de homens e mulheres, hoje de 65 e 62 anos, e ampliá-las gradativamente para mais perto dos 67 e até dos 70, como está ocorrendo na maioria dos países ricos. Também será necessário revisitar temas espinhosos que ficaram de fora da primeira rodada, como é o caso do sistema dos militares e os benefícios à baixa renda que são altamente deficitários, como as aposentadorias rurais e o Benefício de Prestação Continuada.
Fabio Giambiagi, pesquisador associado da FGV especializado em previdência, alerta para a necessidade de repensar os orçamentos da saúde e da educação, que hoje têm regras próprias de aumento e crescem mais do que todo o resto, também canibalizando os parcos recursos disponíveis. “O número de novos alunos vai encolher, então é possível aumentar os gastos de educação per capita mesmo mantendo a verba constante, enquanto a demanda por saúde vai explodir”, diz Giambiagi. “Mantê-los em ritmos iguais é irracional para os gastos públicos e um atentado à demografia.”
Ao contrário de outras variáveis, a evolução das populações é gradual, constante e previsível. Quer dizer, ninguém poderá argumentar depois que não sabia que o país iria envelhecer. “Sabemos da transição demográfica há vinte anos, mas, no Brasil, temos o hábito de esperar o problema se agravar para tomar providências”, diz Marcos Lisboa. Desta vez, se não revertida, a letargia poderá nos condenar não só a um futuro de baixo crescimento, mas ao de um país de velhos pobres.
Publicado em VEJA, outubro de 2024, edição VEJA Negócios nº 7