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‘Os entregadores não querem a CLT’, diz presidente do Ifood

Diego Barreto, novo CEO da companhia garante que a maior dos profissionais cadastrados no app está satisfeita com o modelo atual de trabalho

Atualizado em 5 set 2024, 12h47 - Publicado em 30 ago 2024, 06h00

Ser promovido ao cargo de presidente do iFood foi um processo natural para o mineiro Diego Barreto, 43 anos. Afinal, por mais de meia década ele ocupou a vice-­presidência de finanças da empresa, vinculada à holding de tecnologia Prosus, pertencente ao grupo sul-africano Naspers. Seu antecessor, Fabrício Bloisi, é desde julho o CEO da Naspers e da Prosus. Segundo o balanço da controladora, o iFood teve lucro operacional de 96 milhões de dólares no ano fechado em março. À frente do iFood, Barreto tem vários desafios, já que a companhia coleciona polêmicas por seu modelo de negócio. A principal questão recente foi a ideia de regulamentação da situação trabalhista dos entregadores, pauta encampada pelo Ministério do Trabalho. Nesta conversa exclusiva com VEJA NEGÓCIOS, feita por videoconferência, Barreto, que evita vestir terno e adota a informalidade típica dos executivos dos novos tempos, fala sobre a relação com os colaboradores, revela como a inteligência artificial tem melhorado as entregas e se posiciona sobre a proposta de formalização dos profissionais que prestam serviços aos apps.

Após reuniões com o governo, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, chegou a afirmar que o iFood não estava disposto a negociar. A crítica procede? Ainda que a discussão seja dura e difícil, existe um respeito mútuo. Sempre nos sentamos à mesa para conversar com o governo. Não temos uma relação ruim com o ministro, tanto que há consenso em torno de 90% da pauta. A questão da previdência, porém, é mais complicada. Concordamos que os entregadores, como todos os trabalhadores, têm direito à aposentadoria, mas discordamos da forma. Do jeito que foi proposto, o iFood deveria pagar uma alíquota sobre o valor de todas as entregas realizadas. Isso não faz nenhum sentido, principalmente porque apenas 5% da nossa base cadastrada ganha acima do valor mínimo que daria direito a receber a previdência.

Por que tão poucos? A maioria não tem o iFood como fonte de renda principal, mas como um complemento de renda. Muitos pensam: “Poxa, neste mês faltou grana para pagar a conta de luz. Vou trabalhar no aplicativo por algumas semanas e pronto”. Às vezes nem voltam porque têm outros empregos. Quase 70% mantêm esse tipo de relação com a plataforma. Por isso, eles não querem contribuir para a previdência a partir do que ganham com a gente, mas sim de seus outros trabalhos.

E qual seria uma solução viável para essa questão? Não cabe a mim apresentar uma proposta específica, mas penso que o Brasil já resolveu problemas semelhantes, como no caso das empregadas domésticas. Se uma pessoa trabalha três dias na sua casa e um dia na minha, não faz sentido a gente contribuir igualmente se as relações são totalmente diferentes. É plenamente possível considerarmos um modelo progressivo: quem trabalha menos e ganha menos contribui pouco, quem trabalha mais e ganha mais faz pagamentos maiores.

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A proposta do governo está alinhada com os anseios dos entregadores? Grande parte dos entregadores não concorda com a regulação. Fazemos pesquisas frequentes que encomendamos a institutos renomados e a resposta para essa questão é sempre a mesma: “Não queremos carteira assinada”. Isso explica por que não vemos entregadores cobrando a aprovação do projeto pelo Congresso Nacional. Não existe essa comoção em torno do tema. Inclusive, quando acontece algum tipo de manifestação ou paralisação, a quantidade de entregadores presentes é muito baixa. Queremos garantir os direitos, mas é impossível registrar todo mundo em carteira.

“Valorizamos o entregador. Três ou quatro não pensam assim, mas temos 350 000 cadastrados”

Mas as queixas quanto ao valor da remuneração são frequentes. Pagar 6,50 reais por entrega não é muito pouco? Esse é o valor mínimo, mas nenhum trabalhador recebe isso. Na prática, acaba sendo muito mais, porque depende de fatores como turno, dia da semana e quilometragem. O efetivo pago costuma ser consideravelmente maior do que a hora de trabalho contida no salário mínimo, algo em torno de 23 reais. A cabeça do brasileiro é condicionada a pensar no salário por mês. Se você perguntar para um americano quanto ele ganha mensalmente, ele não vai entender, porque lá é muito mais comum esse tipo de remuneração por hora.

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Não são raros os casos de desavenças entre clientes e entregadores que acabam em bate-boca ou até mesmo em agressões. Como a empresa lida com isso? É preciso entender essa questão como um processo de amadurecimento. A empresa tem doze anos de vida, mas o modelo de entregas tal como conhecemos hoje foi criado há apenas cinco anos. Desde 2019 oferecemos seguro de vida aos entregadores e, mais recentemente, criamos uma estrutura jurídica externa para que eles sejam atendidos em caso de violência. É gratuito, basta apertar um botão no aplicativo para falar com um advogado. A valorização do entregador é clara para eles. Pode ter uns três ou quatro que não pensam assim, mas temos 350 000 cadastrados no total. Nossa relação é boa, ainda que existam divergências.

Boa parte desses conflitos gira em torno da necessidade de o entregador subir ou não ao apartamento. Qual é, afinal, a diretriz da empresa? Olhamos pelo ângulo do entregador. Se ele perde muito tempo para subir até o apartamento, deixa de ter a chance de fazer outra entrega e aumentar sua renda. Então, a decisão é dele. É difícil determinar uma regra geral. Prefiro dizer que a obrigação é ir até o ponto de entrega que aparece no aplicativo. O consumidor, estando numa situação de maior poder, deveria ter respeito e empatia.

Existe preconceito contra entregadores? Sim, por serem pessoas mais simples e porque o racismo, infelizmente, ainda é presente no Brasil.

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Os pequenos estabelecimentos reclamam das taxas cobradas pelo iFood. São altas? As taxas são adequadas e proporcionais ao trabalho que realizamos. A experiência do consumidor no aplicativo é infinitamente melhor do que a no próprio canal do restaurante.

E sob o ponto de vista do consumidor, considera que o serviço vem sendo bem prestado? É um modelo de negócios complexo, em que eu não controlo o restaurante, não controlo o entregador, mas consigo fazer com que seja uma boa experiência. No ano passado batemos 50 milhões de consumidores. Buscamos o tempo todo aumentar a qualidade do serviço.

Mas há reclamações sobre demora na entrega, comida que chega fria, pedidos trocados… Estamos usando inteligência artificial para resolver esses problemas. Ela me permite cada vez mais compreender o ciclo de operação de um restaurante e trazer mais soluções para cancelamentos, atrasos na produção etc. Esperamos, cada vez mais, reduzir o tempo de espera.

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O lançamento de uma maquininha de cartão própria também vai nesse sentido? A maquininha tem como essência aumentar as vendas do restaurante no mundo offline. Ela vai entender o perfil do cliente no momento em que passar o cartão, capturando informações importantes, como a frequência com que ele compra pelo app e se costuma ir a restaurantes físicos. É uma ferramenta de fidelização que vai muito além de uma operação de pagamento. Já temos mais de 1 000 dessas maquininhas rodando pelo mercado. Também lançamos o iFood Pago, uma fintech que oferece crédito para pequenos restaurantes e já tem licença do Banco Central para operar.

“Não dá para ser contra coxinha porque fritura faz mal. É uma questão de escolha do consumidor”

Uma das consequências da ampliação dos serviços de delivery é o surgimento das chamadas dark kitchens, estabelecimentos que existem apenas para esse mercado e que nem sempre seguem as regras sanitárias. Há algum controle nesse sentido? Não vejo uma penetração tão grande assim de dark kitchens. A maioria das empresas que conheci que funcionavam assim quebrou. É difícil imaginar um negócio grande com penetração no mercado sem um espaço físico para clientes. Temos ferramentas para desestimular esse modelo. Nossa nova maquininha, por exemplo, é vedada para estabelecimentos que não tiverem salão. Dito isso, a responsabilidade pela fiscalização é do Estado, não nossa.

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Já foram feitas denúncias de assaltos por motoqueiros que utilizam o baú do iFood como disfarce. Existe alguma iniciativa em relação a esse tema? O marginal que hoje se veste de entregador nada mais é do que o cara que se disfarçava de carteiro, quando eu era moleque, e batia à porta das casas para fazer um assalto. Depois, virou o funcionário de manutenção da TV a cabo. A pessoa pode comprar uma bolsa da empresa e fazer uma camisa igual para cometer um delito. É impossível impedir isso.

Frequentemente, o aplicativo oferece promoções de fast food e ultraprocessados. Vocês estudam alguma forma de estimular a alimentação saudável? É uma questão de consciência. Me preocupo em ter ofertas que, em última instância, permitam às pessoas fazer uma escolha e não ser obrigadas a consumir determinado cardápio. Não dá para ser contra as lojas de coxinha porque a fritura faz mal à saúde. Escolher o que comer é uma liberalidade de cada um.

Como lida com um mercado que exige constante inovação? Tudo o que fazemos parte do pressuposto de que tem que nascer como um jet ski, para um dia se transformar num transatlântico. É um processo constante de evolução e teste de hipóteses. Várias sugestões que têm o que chamo de “efeito uau” não são financeiramente boas.

Publicado em VEJA, agosto de 2024, edição VEJA Negócios nº 5

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