O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou, na semana passada, um centro de inovação em tecnologia da Huawei, em Xangai. A visita incluiu um encontro com executivos da companhia e contato com iniciativas da marca. No encontro, a certeza de que a empresa chinesa pretende aprofundar as relações com o Brasil. Nos últimos 10 anos, foram investidos 250 milhões de reais em pesquisa e inovação no país; só em 2022, foram 1,6 bilhão de reais em impostos recolhidos. A Huawei quer mais. Atilio Rulli, vice-presidente de relações públicas da Huawei na América Latina e Caribe, afirmou a VEJA que o plano da gigante asiática é auxiliar o país para o aprofundamento do que chama de “nação digital”. “Queremos construir um país conectado para a nova economia digital”, diz.
Na China, o encontro com a delegação presidencial foi dividido em dois momentos. No primeiro, a entourage foi apresentada às iniciativas da Huawei que já estão em curso no Brasil. “Eles tiveram contato com o que de mais moderno oferecemos em banda larga móvel e 5G”, conta o executivo. Uma dessas parcerias é com o governo do Amazonas, na promoção de conectividade para 20 pequenas comunidades ribeirinhas. “Isso é inclusão digital e também social”, afirma. Outro destaque que encantou a primeira-dama, Janja Lula da Silva, que participou da visita, foi a parceria com o governo da Bahia na promoção de internet 5G para 1 000 escolas estaduais. “Queríamos mostrar que estamos trabalhando com alguns estados e demostrar capacidade de replicar isso para as outras regiões do país”, prossegue.
Em um segundo momento, os executivos da companhia apresentaram soluções B2B – entre empresas – focadas no 5G. “A aplicação pode ser feita nos setores de saúde, educação, mineração, logística…” destaca Rulli. Na área de mineração chinesa, por exemplo, grandes caminhões, tratores e escavadeiras já são autônomos. Devido à baixa latência do 5G, ou seja, curto tempo de resposta entre um comando e a execução da ação, eles podem ser controlados à distância por uma espécie de joystick. Na área de logística, a mesma coisa: a carga e descarga de grandes contêineres pode ser realizada remotamente.
O Brasil ainda engatinha no uso da tecnologia, que chegou ao país apenas em julho de 2022. Brasília foi a primeira a ativar o 5G. Gradualmente, todas as capitais liberaram o sinal. Cerca de 50 milhões de pessoas já têm acesso a rede. “O leilão criou várias obrigações para as empresas de telecomunicações, mas o ideal é ampliar pensando no Brasil como um todo: são 30 milhões de pessoas não-conectadas”, lamenta Rulli.
Entre as obrigações assumidas pelas empresas vencedoras estão: levar cobertura 5G a todas as capitais e cidades com mais de 30 mil habitantes; garantir internet 4G nas rodovias federais e localidades ainda sem conexão; implantar rede de fibra óptica em locais com pouca ou nenhuma infraestrutura de conectividade; implantar o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS) e o projeto da rede privativa de comunicação da Administração Pública Federal; custear a migração da TV parabólica para TV via satélite; investir em projetos de conectividade em escolas.
Em 2021, as faixas de radiofrequência tornadas disponíveis no leilão de 5G, promovido pelo Ministério das Comunicações e pela Agência Nacional de Telecomunicações, foram arrematadas com ofertas que somaram 47,2 bilhões de reais. Desse valor, mais de 39,8 bilhões de reais serão revertidos em investimentos para ampliar a infraestrutura de conectividade no Brasil.
China
O modelo que a Huawei quer fazer pegar no Brasil, claro, vem da China. A segunda maior economia do mundo é exemplo no que diz respeito à digitalização dos serviços públicos. “Para se ter uma ideia, toda nova rodovia ou ferrovia do país deve ser construída com fibra ótica em toda sua extensão”, conta Rulli. Faz sentido: esse tipo de obra em infraestrutura passa, geralmente, por áreas rurais. “Você está levando conectividade para essa gente.” Segundo a Huawei, são três camadas de investimento para que uma nação possa ser considerada “digital”: conectividade, processamento/armazenamento e aplicações. Uma não depende, necessariamente, da outra. “O Brasil está indo muito bem em aplicações”, diz Rulli, ao lembrar dos usos do novo portal do governo (e-gov), Imposto de Renda e Conecte Sus. O Brasil foi reconhecido pelo Banco Mundial como o segundo país do mundo com a mais alta maturidade em governo digital. Em 2021, o país era 7º no ranking.
Apesar dos bons resultados, o país segue em posição intermediária daquilo que é possível ser feito com a tecnologia. “Países que estão implementando ou aprimorando o conceito de nação digital criam um plano de governo”, disse. Segundo ele, o mais importante é uma figura de gestor, acima das diferenças ministeriais, que tenha uma visão única para o tema. Em alguns países, esses papel é desempenhando por um ministro exclusivo; em outros, é o vice-presidente ou primeiro-ministro que fica à frente do tema.
Das 37 pastas ministeriais atuais, apenas 10 possuem secretaria de governo digital. Uma dessas cadeiras, inclusive, é ocupada por Ana Estela Haddad, mulher do ministro da Fazenda Fernando Haddad, no Ministério da Saúde. “Há áreas do governo que querem expandir data center, outras querem investir em cloud…”, lamenta a falta de coordenação o executivo da Huawei.
Acordos
O presidente Lula voltou da viagem no último domingo, 16, com 50 bilhões de reais engatilhados em investimentos. Para além da dinheirama, foram assinados 15 acordos de cooperação entre os dois países e 20 acordos comerciais, mas nenhum passou pela Huawei. Pelo menos, ainda, não. “Os ministérios da comunicação dos dois países firmaram acordos de transferência de tecnologia, melhorias de uso…”, conta Rulli.
A Huawei possui 207 mil colaboradores pelo mundo, sendo 54% desses alocados em pesquisa e desenvolvimento. Nos últimos 10 anos, a empresa investiu 132 bilhões de dólares na área, em busca da liderança mundial em patentes.