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Os planos do BNDES para resgatar empresas prejudicadas pela crise

O governo coloca o banco na linha de frente dos programas de socorro a setores essenciais e sob maior risco

Por Felipe Mendes Atualizado em 4 jun 2024, 14h26 - Publicado em 29 Maio 2020, 06h00

A contínua pressão por investimentos públicos e privados e sucessivas medidas de socorro a setores e empresas abalroados pela pandemia do novo coronavírus tem levado governos de todos os continentes a rever seus conceitos de economia, principalmente aqueles que se sustentam nos princípios do liberalismo. No Brasil, onde a Covid-19 já contaminou mais de 400 000 pessoas, não será diferente. Um dos pilares da reestruturação econômica proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), presidido por Gustavo Montezano, já alterou sua cartilha — mais uma vez. Se em 2019, no início da administração Bolsonaro, se decidiu que o BNDES liquidaria sua carteira de participações em grandes empresas, hoje está mais do que claro que as determinações emanadas de Brasília mudaram de direção. O banco de fomento ganhou protagonismo na missão de socorrer setores essenciais e sob maior risco, como o aéreo, o elétrico e o varejista. É um reflexo de que novos desígnios norteiam a instituição sediada na Avenida República do Chile, no Rio de Janeiro. Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, cuja gravação foi divulgada por decisão do ministro Celso de Mello, do STF, Guedes foi taxativo sobre qual deve ser a posição do governo diante da situação. “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”, disse.

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No Brasil, o uso de recursos públicos para fomentar ou resgatar a economia é uma velha fórmula que em raríssimas exceções se mostrou eficaz. De maneira geral, começa com um flerte com o populismo, que parece irresistível em um primeiro momento, mas acaba se transformando em prejuízo inevitável aos cofres do país. E o que não falta são exemplos, alguns históricos, entre eles o da companhia de navegação Lloyd, estatizada em 1937 pelo presidente Getúlio Vargas com o objetivo de fazer frente às empresas de navegação dos vizinhos latino-americanos. Tratou-se de um equívoco que durou sessenta anos, até a companhia ser extinta pelo plano de desestatização do governo de Fernando Henrique Cardoso. De tão ineficiente, não houve sequer interessados em comprá-la. Criado nos anos 50, o BNDES foi amplamente utilizado pela ditadura militar para desenvolver políticas de substituição de importações à base de polpudos financiamentos a empresas brasileiras, estimular o setor siderúrgico e impulsionar obras de infraestrutura. Nas gestões petistas, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff apostaram na formação de colossos nacionais em setores estratégicos, como JBS e Odebrecht, para aumentar a capilaridade das companhias brasileiras no mundo. Em comum, todos esses projetos levaram ao uso indiscriminado dos recursos públicos, aumento do endividamento, perda do equilíbrio fiscal e muita corrupção.

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RIGOR - Joaquim Levy: “Se houver disciplina, é possível o uso do BNDES” (Paulo Lopes/Futura Press)
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Com o término da administração do PT, o BNDES entrou em nova fase, passou por um processo de enxugamento e ganhou transparência. No fim de 2019, o banco de fomento amealhou 2 bilhões de reais com a venda de sua participação de 34% no frigorífico Marfrig, empresa que recebera cerca de 1 bilhão de reais em capital do BNDES entre 2007 e 2009 e que usou outros 2,5 bilhões de reais em títulos de dívida conversíveis em ações emitidas para financiar a compra da americana Keystone Foods, em 2010. Atualmente, o valor total de ativos da carteira do BNDESPar na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, é de 61,4 bilhões de reais, montante que vem se diluindo paulatinamente não só pela venda de participações como pela desvalorização dos papéis que compõem a carteira. Nada indicava uma alteração de posicionamento do banco até que, como disse o economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946), “quando a realidade muda, as convicções também mudam”.

O vídeo da reunião ministerial realizada em 22 de abril mostra Gustavo Montezano pondo o BNDES na linha de frente do combate à crise, caso Bolsonaro julgasse necessário. “Estamos a serviço para o que o senhor achar adequado e razoável, tanto no fornecimento de informações como também nesse planejamento de coordenação”, disse ao presidente. “Temos um modus operandi, uma estrutura plug and play, que já está pronta para rodar esse tipo de mapeamento e estruturação de projeto”, completou, referindo-se ao programa de infraestrutura Pró-Brasil, apresentado pelo ministro da Casa Civil, o general Walter Braga Netto. Foi então que Guedes afirmou ser favorável a assumir participação de empresas de setores estratégicos para auxiliar na retomada e se desfazer dos papéis no futuro, assim que se valorizarem. Menos de um mês depois do encontro no Palácio do Planalto, Montezano confirmou a investidores, em 15 de maio, que as três principais companhias aéreas do país — Azul, Gol e Latam — aderiram ao pacote de socorro de cerca de 6 bilhões de reais. O banco custearia dois terços dessa ajuda. O BNDES também negocia um pacote de apoio à fabricante de aeronaves Embraer que pode chegar a 600 milhões de dólares (3,2 bilhões de reais) e visa a cobrir as perdas decorrentes do cancelamento do processo de fusão com a Boeing. Caso a operação se concretize, o BNDES fornecerá 50% dos recursos. O banco deve participar ainda do grupo de instituições que emprestará mais de 15 bilhões de reais a distribuidoras de energia elétrica. Ainda não há definição sobre o tamanho de sua participação, mas ela não deverá ser menor que 20%. Em todos os casos, o modelo de empréstimo será por meio da compra de debêntures conversíveis em ações. Assim, o BNDES teria direito a adquirir participação nas companhias em vez de se tornar credor de suas dívidas. Tal peculiaridade deixou a instituição de fora do socorro à indústria automobilística, pois as montadoras estrangeiras não têm capital aberto no Brasil. Se comprasse esses papéis, o banco teria dificuldade de se desfazer desses ativos.

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MUDANÇA DE PLANOS - Linha da Embraer: a empresa pediu socorro ao banco após ver a fusão com a Boeing naufragar (Germano Lüders/VEJA.com)
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Alguns economistas, como Joaquim Levy, ex-presidente do BNDES no início do governo Bolsonaro, até concordam que os recursos em caixa da instituição podem ser utilizados para mitigar os efeitos da crise. “Se os planos forem bem desenhados, se houver disciplina neste governo e nos próximos, não há problemas em usar o banco para esse fim”, diz Levy. Mas não são poucos os que torcem o nariz para essa mudança de rumo. Um dos motivos é que o BNDES não é mais a única opção do governo para salvar a economia. Após a aprovação da PEC do Orçamento de Guerra, criou-se o instrumento que permite que o Banco Central absorva em seus balanços títulos de grandes companhias. Contudo, o maior medo dos economistas está no futuro da condução da instituição, mais precisamente a partir de 2023. Ainda há confiança no pensamento liberal de Guedes, mas o histórico de mau uso dos recursos não pode ser apagado. “Não estranharia se ao fim da crise o governo se tornasse acionista de empresas de diversos setores”, afirma Sérgio Lazzarini, professor do Insper. “O BNDES vinha numa trajetória consistente de redução dos desembolsos. Só que sua governança é frágil e está sujeita a mudanças políticas”, diz. No Brasil, país com crônico pendor populista, nunca é bom contar com a sorte.

Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689

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