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Os sinais positivos e os alertas que as empresas mostram sobre a economia brasileira

O primeiro semestre das companhias foi marcado por aumento de vendas e lucros, mas os juros altos elevam dívidas e pressionam o caixa

Por Márcio Juliboni, Felipe Erlich Atualizado em 30 ago 2024, 08h24 - Publicado em 30 ago 2024, 06h00

Quem olha alguns dos resultados vistosos do primeiro semestre divulgados pelas empresas de capital aberto até meados de agosto tem a sensação de que o setor privado brasileiro já superou o pior momento da crise econômica causada pela pandemia de covid-19. Afinal, como mostra um levantamento com 300 empresas listadas na bolsa, feito com exclusividade pela consultoria Elos Ayta para VEJA NEGÓCIOS, a elite do capitalismo nacional acumulou 1,4 trilhão de reais em vendas no primeiro semestre. A cifra é 5% maior que a do mesmo período do ano passado. O lucro operacional, que indica quanto dinheiro uma companhia obtém diretamente com sua atividade, excluindo-se aplicações financeiras e outras fontes paralelas de receita, avançou ainda mais, a uma taxa de 12%, chegando a 180 bilhões de reais. Os números impressionam, mas não contam toda a história. Outras linhas dos balanços revelam um retrato bem mais preocupante — e realista — das empresas. Como termômetro da economia real, sua situação também espelha as dificuldades do Brasil neste momento. “As companhias brasileiras estão cada vez mais endividadas”, afirma Einar Rivero, diretor da Elos Ayta. Uma evidência é que a dívida total das empresas pesquisadas cresceu 31% entre junho de 2022 e junho de 2024, passando de 1,3 trilhão de reais para 1,8 trilhão.

A origem dos problemas remonta à pandemia de covid-19, quando bancos centrais por todo o planeta reduziram drasticamente as taxas de juros, a fim de reanimar a economia fechada pelo isolamento social. No Brasil, a taxa básica Selic recuou de 4,5% ao ano, em dezembro de 2019, para apenas 2% em agosto do ano seguinte — seu menor nível histórico. Ao mesmo tempo, o auxílio emergencial bancado pelo governo Jair Bolsonaro injetou mais de 350 bilhões de reais na economia em 2020 e 2021, beneficiando 68 milhões de famílias.

Para as empresas, tomar dinheiro emprestado naquele momento era uma questão de sobrevivência. A necessidade era ainda maior para os negócios de menor porte, que contam sobretudo com o crédito bancário, ao contrário de grandes grupos que podem acessar outras fontes de capital, como a emissão de ações e debêntures. Isso levou a um aumento do peso das dívidas financeiras de 2019 a 2021, que passaram de 50% para 58% do montante total, que inclui obrigações como pagamento de fornecedores, prestadores de serviços e outros. Mas o que era socorro se transformou em dor de cabeça quando a economia reabriu. O desarranjo das cadeias produtivas globais pressionou a inflação pelo lado da oferta, enquanto os consumidores voltavam às compras com força total. O resultado inevitável foi a explosão da inflação. O índice de preços ao consumidor subiu de 4% para 10% no período. No início, o cenário beneficiou o setor privado. “Foi um momento favorável para as empresas recomporem margens de lucro”, diz Carlos Rocca, coordenador do Cefeb, centro de estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que acompanha a saúde financeira do setor privado. “O ano de 2021 foi o melhor para as empresas abertas desde 2010.”

Renner: a varejista busca investir sem depender de bancos
Renner: a varejista busca investir sem depender de bancos (Alexandre Battibugli/.)

A conjuntura mudou quando o Banco Central elevou a Selic de 2% para 13,75% de março de 2021 a agosto do ano seguinte. Embora seu objetivo legítimo fosse conter o surto inflacionário, a escalada dos juros encareceu repentinamente os custos dos empréstimos que os empreendedores haviam contraído um ou dois anos antes. A taxa média anual do crédito bancário, fonte da maioria das companhias, subiu de 13,8%, no meio da pandemia, para 22,5% em 2022. Mesmo opções disponíveis para grandes empresas, com juros mais baixos, ficaram mais caras. Um exemplo são as debêntures, cuja taxa anual passou de 6,6% para 13,2% no mesmo período.

Americanas: a fraude bilionária na empresa fechou o mercado de crédito em 2023
Americanas: a fraude bilionária na empresa fechou o mercado de crédito em 2023 (Mauricio Santana/Getty Images)

A manutenção da Selic ao redor dos atuais 10%, devido à preocupação do Banco Central com a situação fiscal do governo, alivia, mas não resolve. Mesmo que instrumentos mais sofisticados de crédito se baseiem em taxas longas de juros, e não na Selic, a pressão é inevitável. Os gastos financeiros das companhias listadas pela Elos Ayta somaram 100 bilhões de reais no primeiro semestre — um salto de 54% sobre o mesmo período de 2022. “Os juros altos asfixiam nossos negócios e paralisam investimentos”, diz Pablo Cesário, presidente da Abrasca, associação que representa as companhias abertas no Brasil. Ao inibir o consumo, esse remédio também impede que as vendas cresçam. O resultado é uma pressão preocupante sobre o caixa — o dinheiro usado, de fato, pelos empreendedores para manter sua atividade.

As consequências são claras. “O nível de caixa historicamente baixo justifica o acentuado número de recuperações judiciais, inadimplência e renegociação de dívidas”, afirma Ricardo Jacomassi, sócio da TCP Partners, consultoria especializada em reestruturações corporativas. Segundo o birô de dados Serasa Experian, há quase 7 milhões de companhias inadimplentes, cujas dívidas atrasadas somam mais de 146 bilhões de reais. As falências cresceram 31% desde 2022, e as recuperações judiciais, 65%. A renegociação de dívidas está por toda parte. A Casas Bahia, uma das maiores varejistas do país, é um exemplo. Em recuperação extrajudicial desde abril, a empresa reformou uma dívida de 4 bilhões de reais, alongando prazos e reduzindo taxas, mas não pode relaxar. “A gestão do endividamento nunca termina, porque sempre há o que melhorar”, diz Elcio Ito, seu diretor financeiro. Já a Lojas Renner viu seu caixa cair de 2,3 bilhões de reais, em dezembro do ano passado, para 1,8 bilhão em junho. Apesar disso, a ordem é passar longe da porta do banco. “Temos um caixa robusto, muito maior que nossa dívida, o que é um diferencial no varejo brasileiro”, diz Daniel Santos, diretor financeiro da Renner. “A nossa geração de caixa operacional nos permite financiar investimentos sem necessidade de captar novas dívidas. Não há queima de caixa.”

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Os bancos são o estuário onde desemboca toda a demanda por renegociação de vencimentos. Os grandes clientes corporativos lideram o movimento, devido a seu poder de barganha, que envolve a possibilidade de obter dinheiro por outros meios. “Com o mercado de capitais crescendo, é cada vez mais difícil para os bancos aumentar a carteira de crédito”, diz Guilherme Maranhão, diretor da Anbima, associação que representa o mercado de capitais. Isso não significa que as instituições financeiras estejam capitulando. Desde que a varejista Americanas e a Light, de energia, pediram recuperação judicial no ano passado, com dívidas somadas de mais de 50 bilhões de reais, os bancos estão mais cautelosos. Segundo a Fipe, de novembro de 2022 a janeiro de 2023, o dinheiro emprestado pelo setor financeiro correspondeu a 1,99% do produto interno bruto. Em abril do ano passado, no pior momento da crise causada pelas duas empresas, os bancos inverteram o sinal — o volume de recursos que receberam pelo pagamento de dívidas foi maior que o valor que emprestaram. “Diante de casos como o da Americanas, ocorre uma retração imediata do crédito para entender que riscos os bancos estão correndo”, afirma Fernando Freiberger, diretor-executivo do Bradesco para o segmento corporativo.

Bradesco: os bancos estão exigindo mais garantias para rolar dívidas
Bradesco: os bancos estão exigindo mais garantias para rolar dívidas (Marcelo Estevão/Ato Press/Agência O Globo/.)

Os cofres voltaram a se abrir, mas os bancos estão mais rigorosos. “Oferecer garantias em troca de crédito é muito mais saudável para as finanças das empresas e é bem-visto pelos bancos”, diz Paulo Saba, diretor de tesouraria do Daycoval, um dos bancos mais tradicionais na concessão de crédito corporativo. A oferta de garantias é um desafio, sobretudo, para pequenos e médios empreendedores. Nesse caso, resta o caminho tradicional de alongar dívidas ou tentar reduzir os juros. A capacidade de a economia brasileira voltar a crescer com vigor depende do sucesso dessas renegociações.

Publicado em VEJA, agosto de 2024, edição VEJA Negócios nº 5

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