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“Parecerá óbvia quando acontecer”, diz economista Philippe Van Parijs sobre Renda Básica Universal

Referência no tema, o professor da Universidade de Louvain analisa o impacto da IA nos empregos e a necessidade de uma renda mínima para toda a população

Por Anita Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 ago 2025, 17h46

O filósofo e economista político belga Philippe Van Parijs, professor emérito da Universidade de Louvain, é considerado o maior pensador da Renda Básica no mundo. Criador da BIEN, a Rede Mundial da Renda Básica, ele defende há décadas a ideia de um pagamento fixo e incondicional a todos os cidadãos, independentemente de renda, patrimônio ou trabalho. Agora, o avanço da inteligência artificial e a ameaça de extinção de milhões de empregos recolocam a proposta no centro do debate. O tema atrai nomes improváveis: de Sam Altman, Elon Musk e Mark Zuckerberg a libertários de direita e militantes de esquerda. Van Parijs está no Brasil para o 24º Congresso Internacional da Renda Básica, que acontece em Maricá e Niterói (RJ). Em entrevista a VEJA, ele afirma: “A Renda Básica não tira do trabalho, tira do desespero.”

O que é, afinal, a Renda Básica Universal? É uma ideia simples — e justamente por isso poderosa. Trata-se de uma renda paga regularmente a todos os membros da sociedade, de forma incondicional. É individual, não depende da situação da família. É independente da renda ou do patrimônio — você recebe mesmo que tenha outras fontes. E não exige comportamento: não é preciso estar trabalhando, procurando emprego ou estudando. É um direito de todos, simplesmente por existirem.

Por que o tema voltou a ganhar força agora? Porque vivemos um momento de automação acelerada. A inteligência artificial está transformando o mercado de trabalho de forma radical. Muitos empregos vão desaparecer, outros se tornarão mais precários. A insegurança social, sem uma rede de proteção, tende a se tornar insustentável.

Qual é, então, a consequência prática dessa mudança? A Renda Básica cumpre dois papéis ao mesmo tempo. Primeiro, garante justiça social: permite que ninguém seja deixado para trás em meio às transformações. Segundo, oferece estabilidade — não apenas econômica, mas também psicológica. Reduz o medo constante de perder o sustento e dá às pessoas condições de planejar a vida com mais liberdade.

Nos últimos anos, gigantes da tecnologia como Sam Altman, Elon Musk e Mark Zuckerberg passaram a defender a ideia. Como o senhor interpreta esse apoio? Eles estão certos ao prever os impactos da automação. Mas muitas vezes tratam a Renda Básica apenas como compensação para os “inempregáveis” dos novos tempos. É uma leitura equivocada.

Por quê? Porque a proposta não é apenas evitar revoltas sociais ou estimular consumo. É permitir que as pessoas se adaptem, mudem de profissão, estudem ou simplesmente vivam com mais autonomia. Não deve ser um calmante social, mas um direito que sustenta a liberdade real de escolha.

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Essa defesa vinda do Vale do Silício ajuda ou atrapalha o debate? Ajuda a dar visibilidade, mas corre o risco de distorcer a proposta. Não se trata de um presente dos bilionários, mas de um direito conquistado pela sociedade.

A proposta também aparece no discurso de militantes de esquerda e de direita. O que explica essa convergência? Há espaço para ambos. A esquerda que busca distribuir a liberdade de forma mais justa encontra na Renda Básica um instrumento poderoso. E há liberais e libertários que defendem menos burocracia e mais autonomia individual. Nesse sentido, a Renda Básica pode ser a política mais simples e libertadora.

Mas continua mais associada à esquerda, certo? De forma alguma. Nos Estados Unidos, até Donald Trump — ninguém o chamaria de esquerdista — apresentou algo próximo, os chamados baby bonds. Trata-se de fundos criados pelo governo em nome de cada recém-nascido, que rendem até a maioridade e podem ser usados para estudar, abrir um negócio ou comprar uma casa. Revela como a ideia mobiliza campos políticos muito distintos.

O senhor costuma se definir como um “utopista realista”. O que significa isso? Acredito no horizonte da Renda Básica Universal, mas sei que cada país trilhará um caminho diferente. Não é uma utopia ingênua, mas uma utopia realista: desejável, sustentável e alcançável a médio e longo prazo.

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Existe algum caso prático que inspire essa discussão? Sim. Desde 1982, todos os residentes do Alasca recebem anualmente um dividendo pago a partir dos lucros do petróleo. O valor varia de acordo com o rendimento do fundo, mas a característica central se mantém: é um pagamento incondicional, feito a todos, independentemente de renda ou trabalho. É um modelo limitado, mas mostra como a ideia pode funcionar na prática.

E no Brasil, como o senhor avalia a experiência? O Brasil tem uma lei da Renda Básica sancionada em 2004. Eu estava no Palácio do Planalto no dia em que o presidente Lula assinou. Ela previa implementação gradual, começando pelos mais pobres. Na prática, o Bolsa Família foi a tradução desse espírito.

Então o Bolsa Família é uma espécie de Renda Básica? Não. É um programa gigantesco, referência mundial, mas restrito a famílias de baixa renda. A Renda Básica Universal é diferente: é individual e incondicional. Todos recebem, sem exceções, o que elimina estigmas e armadilhas burocráticas.

E o caso de Maricá, com a moeda “mumbuca”? Tecnicamente, não é universal, pois cobre cerca de metade da população com base em critérios de renda. Mas é muito relevante. Primeiro, pelo alcance — 50% é excepcional. Segundo, pelo uso de uma moeda local, que fortalece a economia e o comércio da cidade. É uma experiência que merece atenção internacional.

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A pandemia também reabriu o debate sobre a Renda Básica? Naquele momento, muitos governos precisaram pagar auxílio de emergência em escala inédita. Isso mostrou, de forma concreta, que é possível transferir renda rapidamente, sem burocracia. Não era uma Renda Básica Universal, porque foi temporária e focalizada, mas deu às pessoas uma amostra do que significa ter segurança mínima para atravessar a incerteza. A pandemia funcionou como um “ensaio geral” para políticas mais ambiciosas.

Uma crítica recorrente é de que a Renda Básica desestimula o trabalho. O que dizem os estudos? É um mito. Os dados mostram o contrário. Na Finlândia, um experimento nacional demonstrou que os beneficiários mantiveram ou até ampliaram sua participação no mercado de trabalho e melhoraram a saúde mental.

A OpenAI também investiu em uma pesquisa. O que ela mostrou? Nos Estados Unidos, um projeto apoiado pela organização liderada por Sam Altman pagou mil dólares por mês a mil pessoas durante três anos. O resultado mais impressionante foi a redução nos níveis de estresse. Quando o programa terminou, esse efeito desapareceu, mostrando como a expectativa de estabilidade é essencial.

Outra crítica é de que a Renda Básica seria cara demais. É viável em países em desenvolvimento? Sim. Os recursos existem. Basta observar a concentração de riqueza potencializada pela globalização e pelas novas tecnologias.

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Então o problema é mais político do que econômico? Exato. É uma questão de prioridade e de como estruturamos a tributação e os gastos públicos. Em vez de programas complexos, caros e que excluem pessoas por falhas de cadastro, a Renda Básica é simples, transparente e eficiente.

O senhor acredita que verá uma Renda Básica Universal global ainda em vida? Não. Mas acredito que ela se tornará inevitável. Assim como o voto universal ou o fim da escravidão, parecerá óbvia quando acontecer. O importante é empurrar a história na direção certa, mesmo que não sejamos nós a cruzar a linha de chegada.

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