O cenário econômico brasileiro, marcado pela paralisia de investimentos e de contratações, afeta também a inclusão de pessoas com síndrome de Down e deficiência intelectual no mercado de trabalho, segundo especialistas.
No ano passado, somente 9 pessoas com síndrome de Down foram incluídas no mercado de trabalho pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae de São Paulo). Em 2017, foram 11 e, em 2016, aconteceram 27 contratações. Segundo o supervisor do serviço de inclusão profissional da Apae de São Paulo, Flavio Gonzalez, essa retração está associada à dificuldade econômica do mercado e à falta de fiscalização por parte do governo. “Sem a fiscalização, a lei fica no papel”, afirma.
Na quinta-feira, 21, foi celebrado o Dia Internacional da Síndrome de Down, data que serve de estímulo para incluir as pessoas no mercado de trabalho e exaltar a capacidade de serem produtivos, independentes e ativos socialmente.
Segundo o psicólogo, pessoas com síndrome de Down sofrem com um estigma sobre sua autonomia e capacidade cognitiva. “Como a oferta de vagas diminui com o mercado fraco, a disponibilidade de pessoas com deficiência cresce. Assim, a empresa acaba dando preferência àquelas com deficiência física, consideradas mais qualificadas”, diz Gonzalez.
Para driblar essa situação, pessoas com síndrome de Down optam por empreender e criar o seu próprio negócio. É o caso de Gabriel Bernardes de Lima, 23, que criou a marca de brigadeiros artesanais Downlícia, em São Paulo. É com o fruto de sua empresa que ele paga as contas de casa, desde que sua mãe perdeu o emprego.
A mãe de Gabriel, Marta Aparecida Rodrigues Bernardes, conta que a família precisa praticar a inclusão dentro da própria casa para que os downs se desenvolvam. “Precisamos dar estrutura emocional para que ele confie em si mesmo cada vez mais”, diz Marta.
O maior erro das famílias que têm uma criança com síndrome de Down é super protegê-la, de acordo com a psicóloga e especialista em inclusão e deficiências, Parizete Freire. “A família é quem estimulará o crescimento e amadurecimento para que ela se torne um adulto autônomo”, afirma.
Para estimular o desenvolvimento, Marta filmava o filho cozinhando, seu afazer favorito, e postava na internet. Os vídeos fizeram sucesso e, com o desemprego da mãe, surgiu a ideia de vender brigadeiros. Começaram pelo bairro em que moravam, e logo passaram a usar a internet. Hoje, Gabriel, sua mãe e irmã vendem os brigadeiros de bike em empresas.
O interesse de Gabriel pela gastronomia é compartilhado por Jéssica Pereira da Silva, uma empreendedora de 27 anos, com síndrome de Down que é dona de seu próprio negócio, o Bellatucci Café, em São Paulo.
Como sempre gostou de cozinhar, Jéssica fez cursos de gastronomia, onde surgiu a ideia de abrir um negócio. Priscila Della Bella e Douglas Batetucci, sua irmã e cunhado, abraçaram o plano. Com as economias da poupança da empreendedora e com o dinheiro que a irmã iria dar de entrada num apartamento, resolveram abrir um café.
A reforma do estabelecimento foi feita pela família, a decoração e o estilo “casinha de boneca” foi escolhido por Jéssica e realizado pelo cunhado. “Ela participou de tudo. O café é dela, não é nosso”, disse a irmã da empreendedora.
Hoje, as finanças do Bellatucci estão no azul, mas ainda com margem pequena. A família tem planos de fazer novos investimentos.
Para a boa evolução profissional dos downs, não basta incluir, é preciso adequar a jornada de trabalho e ter consciência de que ela é parte do desenvolvimento das pessoas, de acordo com Priscila.
Jéssica trabalha de segunda a sexta, até às 14h, quando vai para as aulas do primeiro ano do ensino médio. Ela anota pedidos e elabora os pratos na cozinha, enquanto designa tarefas diferentes e pede ajuda a seus funcionários. Outros quatro jovens com deficiência intelectual trabalham no café.
Cliente assídua do Bellatucci, a advogada Priscila Maggioli, 45, diz que é atraída pelo pão de queijo e pelos pratos de almoço do dia. “São deliciosos e têm um bom preço.”