Poder em xeque: como o cerco judicial à Meta pode transformar as redes
Caso tem potencial para redefinir limites legais para gigantes da tecnologia

Na segunda-feira 14, Mark Zuckerberg, o presidente do grupo Meta e um dos homens mais poderosos do mundo, testemunhou no que talvez seja o julgamento mais importante da história de seu império digital. A Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês) acusa o conglomerado de monopólio no segmento de redes sociais, e quer forçar a Meta, dona do Facebook, a se desfazer das redes Instagram e WhatsApp — cujas compras, paradoxalmente, foram autorizadas pela FTC há mais de uma década. A mudança de postura da autarquia federal americana é notável. “Eles decidiram que a competição era difícil demais e seria mais fácil comprar seus rivais do que competir com eles”, disse um advogado da FTC. De fato, em 2008 Zuckerberg escreveu um e-mail interno dizendo que é melhor comprar concorrentes do que competir, o que só reforça o seu modus operandi. A compra do Instagram, que movimentou 1 bilhão de dólares, foi chancelada pelos reguladores em 2012. Já o WhatsApp acabou sendo adquirido pela Meta em 2014, por 19 bilhões de dólares. Por mais que seu resultado seja incerto, o julgamento pode redefinir o futuro do gigante tecnológico e provocar impacto profundo em todo o mercado digital, estabelecendo novos limites às big techs.
A Meta argumenta que comprou os aplicativos de compartilhamento de fotos e troca de mensagens para desenvolvê-los em paralelo ao Facebook, o que demandou investimentos nas plataformas por parte do grupo. A defesa também pontua que há empresas não ligadas à Meta que atuam no segmento de redes sociais e, portanto, competem com ela. Alguns dos principais exemplos são YouTube, TikTok e LinkedIn. Chama atenção, no entanto, que três das cinco maiores redes sociais do mundo pertencem ao mesmo conglomerado. Juntos, Facebook, Instagram e WhatsApp mantinham cerca de 7 bilhões de usuários ativos em fevereiro deste ano, enquanto o YouTube, segundo maior representante do setor, registrava 2,5 bilhões de usuários. Ao ser questionada por VEJA, a empresa enviou um posicionamento oficial no qual chama a ação judicial da FTC de “frágil” e diz que ela “ignora a realidade” da concorrência no setor.

Para Ivar Hartmann, mestre em direito pela Universidade Harvard e professor do Insper, o histórico americano é negativo no combate a práticas anticoncorrenciais de redes sociais, mas recentes decisões judiciais apontam para uma mudança significativa. “A impressão é de que esse julgamento integra uma virada na atuação da Justiça americana diante das big techs”, afirma Hartmann. Ele cita ainda outro caso emblemático que reflete a nova postura dos tribunais. Em agosto do ano passado, a Justiça dos Estados Unidos reconheceu que o Google detém o monopólio de buscas na internet. A empresa e o Departamento de Justiça americano discutem atualmente quais serão as consequências práticas da decisão. Embora ainda não haja clareza sobre as implicações futuras, a postura crítica em relação ao domínio de mercado seria impensável há alguns anos.
A ofensiva da FTC poderá provocar estragos nas finanças da Meta. Uma eventual venda forçada do Instagram reduziria drasticamente o faturamento do grupo, já que a rede responde por quase metade de suas receitas publicitárias, segundo a consultoria americana eMarketer. Em 2024, os anúncios no Instagram somaram aproximadamente 32 bilhões de dólares, valor que cresce consistentemente ano após ano. A gravidade da situação levou Mark Zuckerberg a recorrer ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No mês passado, segundo reportagem do jornal americano The Wall Street Journal, Zuckerberg reuniu-se com Trump na Casa Branca para pedir ajuda. O encontro exemplifica a recente aproximação entre o empresário e o governo republicano: depois da eleição presidencial de novembro, os dois jantaram juntos na mansão do presidente na Flórida, e, meses depois, Zuckerberg doou 1 milhão de dólares para os preparativos da posse de Trump.
A dificuldade em promover competição no ramo das redes sociais tem um paralelo histórico evidente. “Devido ao grau de dependência da sociedade em relação às big techs, o desafio hoje é ainda maior do que na época dos grandes barões industriais, como Rockefeller, cujo domínio motivou as primeiras leis antitruste”, afirma Patricia Peck, especialista em direito digital e fundadora do escritório Peck Advogados. Durante boa parte do século XX, os Estados Unidos foram reconhecidos por estimular uma economia de mercado equilibrada e por combater a concentração de poder econômico. Agora, segundo Peck, a ascensão de um novo setor igualmente poderoso demanda esforços regulatórios semelhantes aos aplicados no passado. A FTC parece ter acordado para o caso, que toca no ponto crucial da fórmula da prosperidade econômica americana: a concorrência.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940