Por que a inflação de julho surpreendeu e o que isso significa para o rumo da Selic
Inflação menor que a prevista leva economistas a revisar projeções e discutir quando o Banco Central poderá iniciar o ciclo de cortes de juros

O IPCA de julho, de 0,26%, veio abaixo das projeções de boa parte do mercado e reforçou o cenário de moderação da inflação no curto prazo, puxado principalmente pela deflação de alimentos e pela desaceleração nos bens industriais. Economistas consultados por VEJA destacam que o resultado melhora o humor das expectativas, mas as apostas em cortes estão divididas.
“O resultado de julho foi uma surpresa positiva. Para o curto prazo, o dado de hoje terá pouca influência, mas dá mais tranquilidade para o Copom nas próximas reuniões”, diz André Valério, economista sênior do Inter. Ele atribui a surpresa à redução nos preços de alimentos, vestuário e a uma pressão menor do que o esperado no grupo Habitação. Para agosto, prevê possibilidade de deflação, influenciada pelo bônus de Itaipu, o que deve manter a tendência de desaceleração da inflação. “O início do ciclo de cortes, porém, ainda depende de uma sinalização mais clara de que a política monetária restritiva esteja impactando a atividade real. Mantemos a visão de que o Copom inicie o ciclo de cortes em dezembro, com um corte inicial de 50 pontos-base”, afirma.
Leonardo Costa, economista do ASA, cuja projeção era de 0,37%, também vê o resultado como uma surpresa relevante para baixo. Ele destaca a deflação mais ampla no grupo alimentação no domicílio, com continuidade nas coletas para agosto, e a inflação de bens industrializados surpreendendo para baixo, provavelmente pelo efeito da valorização cambial em 2025. “Por outro lado, os serviços seguem em patamar elevado, com desaceleração mais modesta na média móvel de três meses, que ficou em 6,1% em julho”, pontua.
Para Gustavo Sung, economista da Suno Research, o dado veio qualitativamente melhor que o esperado, com desaceleração em itens monitorados de perto pelo Banco Central, como bens industriais, serviços intensivos em mão de obra e a média dos núcleos, além da queda no índice de difusão. Mesmo assim, ele projeta corte de juros apenas em 2026. “Embora os dados recentes indiquem moderação e tragam algum alívio, a convergência da inflação para a meta ainda demanda prudência e firmeza do Banco Central”, diz.
Na avaliação de Natalie Victal, da SulAmérica Investimentos, “o dado confirma um cenário favorável para a inflação corrente, ainda que com o atenuante do nível elevado nos serviços. De todo modo, o resultado contribui para sustentar o clima mais positivo nas expectativas”.
Daniel Teles, sócio da Valor Investimentos, vê no resultado um possível reflexo do tarifaço na deflação dos alimentos. “Uma queda de 0,27% nos preços dos alimentos pode ser reflexo do tarifaço, com empresas que não estão conseguindo exportar”, avalia. Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio, concorda: “Como os alimentos ficam mais caros para exportar para os Estados Unidos, muitos contratos foram adiados ou até cancelados, o que pode pressionar os preços para baixo”.
Patrícia Krause, economista-chefe para a América Latina da Coface, reforça que, apesar da melhora na margem das expectativas, o cenário de juros elevados permanece. “A taxa Selic deve seguir em 15% por algum tempo, com início do ciclo de cortes provavelmente no primeiro trimestre do ano que vem”, diz.
Humberto Aillon, especialista da FIPECAFI, acredita que há sinais de queda da inflação nos próximos meses, o que deve beneficiar outros indicadores econômicos. “Para continuar nessa trajetória, o ideal é que itens de maior peso, como a conta de luz, mantenham estabilidade, sem novos aumentos pela Aneel”, afirma.
João Soares, sócio-fundador da Rio Negro Investimentos, observa que as taxas futuras de juros já refletem queda acentuada. “Isso mostra que o mercado aposta no início do corte da Selic em algum momento próximo”, diz.