Por que a Selic a 2% pode ser insustentável no longo prazo
Pressões inflacionárias com a retomada das atividades econômicas devem elevar a taxa de juros do país no final do ano que vem
O relatório de inflação do Banco Central (BC), divulgado nessa quinta-feira, 24, reafirmou o que os economistas já vinham prevendo desde que a Selic atingiu os patamares mais baixos da história, a 2% ao ano: essa taxa não é sustentável no longo prazo. Após o início da crise do novo coronavírus, quando a Selic começou a cair, o principal motivo dessa insustentabilidade era o alto risco fiscal no país. Agora, no entanto, a inflação se somou à equação. Com a retomada das atividades econômicas, os preços voltaram a subir. Entre junho e agosto, o IPCA teve variação acumulada de 2,44%, muito próximo ao projetado pelo relatório de Inflação divulgado anteriormente pelo Banco Central, em junho. Daqui para frente, porém, com a retomada mais forte, o indicador tende a acelerar, principalmente com a melhora do setor de serviços. que ainda puxa os preços para baixo, e com a continuidade da pressão dos preços nos alimentos. Em setembro, o IPCA já tende a ficar acima da projeção do BC, de 0,4%.
Os cenários do BC mostram que, com a Selic a 2% e o câmbio conforme o boletim Focus ou no mesmo nível atual, a inflação sobe acima da meta em 2022 e ainda mais em 2023, atingindo 4,6%. “As projeções do IPCA extraídas dos modelos do Banco Central reforçam que o nível atual da Selic não é compatível com a manutenção da inflação nas metas a partir de 2022, o que mantém a perspectiva de ajuste nos juros a partir do último trimestre de 2021”, diz Silvio Campos Neto, sócio e economista da Tendências. Na visão da consultoria, a Selic subirá para 3% no final do ano que vem. No relatório divulgado nesta quarta-feira, o BC salienta que o cenário “tem como premissa a continuidade do atual regime fiscal, que mantenha a leitura de estabilidade macroeconômica”, ou seja, a agenda reformista é necessária.
Vale lembrar que o atual boom de investimentos em renda variável, responsável pela alta do Ibovespa acima dos 100 mil pontos em meio à crise, se deve principalmente a baixa taxa de juros da economia. A previsão de que haverá uma gradual retomada da Selic mostra que o ciclo de bonança da renda variável pode diminuir sua intensidade a partir do fim do ano que vem. Essa mudança de tendência na curva da bolsa é um comportamento comum na economia, que é cíclica em sua natureza. Porém, enquanto a pressão sobre os preços não é suficientemente forte e a produção industrial, bem como o emprego, não se recuperam totalmente do baque da Covid-19, a Selic em patamares baixos se mantém inalterada, conforme veio sendo divulgado pelo Copom em seus mais recentes comunicados.
Outro ponto importante apontado no relatório divulgado é a revisão do PIB do Brasil para 2020, que cresceu de -6,4% para -5% devido às melhores perspectivas para o terceiro trimestre do ano, principalmente na indústria de transformação. Na Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF), por exemplo, houve alta de 28,8% entre maio e julho, indicando recuperação das perdas de 27% entre março e abril. Além disso, para 2021, a estimativa do BC de crescimento do país é de 3,9%, mas permanece “ainda com elevado grau de incerteza”. No radar dessas dúvidas, estão as novas ondas de infecção que atingem países em todo o mundo e impactam as economias. Enquanto avançam as pesquisas para a vacina contra a Covid-19 e a pandemia não se estabiliza, o cenário permanecerá instável.