Por que as novas tarifas de Trump são uma prova de fogo para Lula
Medidas ameaçam exportações brasileiras, colocam siderúrgicas em alerta e testam a capacidade do governo de negociar com os Estados Unidos

Pode-se dizer muita coisa sobre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, menos que ele tenha cometido um estelionato eleitoral, vencendo o pleito com promessas que nunca pretendeu cumprir. Empossado há menos de um mês, o republicano segue à risca o que defendeu na campanha para “fazer a América grande de novo”, como brecar a entrada de imigrantes ilegais e deportar os que já vivem no país. Era, portanto, uma questão de tempo para que decidisse corrigir o que considera injusto na relação comercial com outros países. Após anunciar, no início do mês, uma taxa de 25% sobre todas as importações do Canadá e do México — adiadas posteriormente por trinta dias —, ele revogou, na segunda-feira 10, o regime de cotas de importação de produtos siderúrgicos. Em troca, instituiu uma tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio que outras nações, Brasil incluído, vendem aos Estados Unidos. A medida, que entrará em vigor em 12 de março, pretende proteger a sucateada indústria siderúrgica local, cujos trabalhadores compõem uma fatia importante de seu eleitorado. Trata-se de um setor que encolheu nos últimos vinte anos, enquanto a China se tornou a maior produtora mundial de aço. Não à toa, Trump deixou claro que seu alvo principal é a potência asiática. Para ele, exportadores como o Brasil e outros países seriam apenas intermediários que estariam triangulando a venda de aço chinês ao mercado americano. É uma espécie de terraplanismo siderúrgico, mas, independentemente do que justificou a medida, a sombra do porrete tarifário já se projetou.

No caso do Brasil, o primeiro passo é reconhecer o óbvio: não somos páreo em um confronto direto com os Estados Unidos. Enquanto somos apenas o nono maior produtor mundial de aço, com 33 milhões de toneladas no ano passado, os americanos estão em quinto lugar, com 79 milhões de toneladas. A produção por lá, contudo, é insuficiente para suprir a demanda. Por isso, os Estados Unidos são também os maiores importadores de produtos siderúrgicos do mundo. Em 2024, o país comprou 26 milhões de toneladas de seus parceiros. O Brasil detém uma posição privilegiada nesse tabuleiro, por ser o segundo maior fornecedor desses materiais para a terra de Trump. No ano passado, as siderúrgicas brasileiras despacharam para clientes americanos 4,1 milhões de toneladas de aço, obtendo uma receita de 5,7 bilhões de dólares. O dado mostra, ainda, o tamanho da disparidade de armas entre os dois países. Enquanto os Estados Unidos ficam com 48% das exportações de aço brasileiro, respondemos por menos de 16% do suprimento que eles necessitam. Os produtores de alumínio também veem os americanos como um mercado estratégico. As vendas para lá somaram 267 milhões de dólares em 2024, correspondentes a 17% do total exportado pelo setor. Ou seja, a dependência brasileira do mercado americano confere a Trump uma vantagem inquestionável.
A maior parte de nossas exportações para os Estados Unidos é formada por produtos semiacabados, como placas que são laminadas e finalizadas por empresas americanas. “É difícil encontrar mercados que compensem a provável queda das exportações em função da nova tarifa”, diz Germano Mendes de Paula, especialista no setor siderúrgico e professor da Universidade Federal de Uberlândia. “Para piorar, o setor mundial de placas está estagnado.” No ano passado, a produção global caiu quase 1%.
Se a foto panorâmica é preocupante, o retrato dos impactos da sobretaxa sobre as siderúrgicas revela nuances. A mais protegida contra a ofensiva trumpista é a Gerdau, que conta com usinas na América do Norte. No acumulado de 2024 até setembro, 39% de sua receita líquida de 50 bilhões de reais vieram daquelas operações. Em um relatório, o banco Itaú BBA calcula que seu Ebitda, um indicador de geração de caixa apreciado pelos investidores, cresceria até 12%, caso a sobretaxa elevasse os preços do aço no mercado americano em apenas 5%. O otimismo é compartilhado pela própria empresa. “A tendência é positiva para nós”, afirma uma fonte da Gerdau que pediu para não ser identificada. “Não exportamos para os Estados Unidos, nós produzimos lá.”

Outras companhias, contudo, não contam com a mesma vantagem. Os analistas de mercado apontam a ArcelorMittal como uma das mais prejudicadas, pois exporta 75% da produção para os Estados Unidos. No caso das companhias com ações listadas na bolsa brasileira, o impacto deve ser pequeno, segundo um relatório do BTG Pactual que avaliou a situação. O banco afirma que menos de 5% da receita da CBA, a maior produtora de alumínio do Brasil, provêm do mercado americano. Já a Usiminas mantém apenas exportações esporádicas para os conterrâneos de Trump, concentrando as vendas externas na Argentina. Com 15% da receita atrelada de alguma forma aos Estados Unidos, a CSN lhes envia por ano 250 000 toneladas. Não chega a ser um problema, segundo o BTG, que afirma que a siderúrgica poderá redirecionar “facilmente” esse volume para outros países.

O teste da tarifa do aço vai também colocar à prova a capacidade de negociação do governo brasileiro diante do estilo agressivo de Trump. Seguindo a liturgia diplomática, que recomenda medir cada palavra, parte do primeiro escalão tem pregado parcimônia para lidar com a situação. “O caminho é dialogar”, pregou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. A postura é compartilhada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que lembrou o básico. “A decisão não é contra o Brasil”, afirmou a jornalistas na terça-feira 11. “É para todo mundo.” A reação comedida é o que o setor siderúrgico espera para manter abertos os canais de negociação com Washington. Faltou, contudo, combinar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fiel à sua incontinência verbal, Lula meteu os pés pelas mãos quando, poucos dias depois de o presidente americano anunciar a sobretaxa de 25% a todos os produtos canadenses e mexicanos, afirmou em entrevista a rádios mineiras que estava preparado para retaliar, se o país fosse alvo de algo parecido. “Se Trump aumentar a taxação do Brasil, nós vamos taxar eles também”, disse. A bravata, evidentemente, pegou mal. “O melhor para o Brasil é não polemizar com Trump”, afirma Eduardo Mello, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas.
Trombar com a Casa Branca, de fato, é a pior decisão que Lula tomaria. Exemplos não faltam. No fim de janeiro, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, impôs uma tarifa sobre os produtos americanos. Era uma retaliação à decisão de Trump de taxar as importações colombianas em 25%, após o país se recusar a receber um avião com imigrantes ilegais deportados. Para completar a patriotada, Petro anunciou que os artigos americanos seriam substituídos por similares nacionais. No dia seguinte, a Colômbia capitulou, concordou em receber os voos e prometeu adotar políticas mais rígidas de imigração. Com a presidente Claudia Sheinbaum, que tem se mostrado habilidosa, o México também já aceitou controlar mais as fronteiras para se acomodar a Trump.

Tentar pagar os americanos na mesma moeda seria um erro por diversas razões. As sobretaxas encareceriam os importados, pressionando ainda mais a inflação, que já aponta para mais um ano acima do teto da meta de 4,5%. Trump também ordenou, na quinta-feira 13, a criação das tarifas recíprocas, que visam equiparar as taxas que os Estados Unidos cobram sobre as importações àquelas que suas exportações pagam a outros países. Ele citou o caso do etanol brasileiro, que paga 2,5% para entrar no mercado americano, enquanto o etanol de milho é taxado em 18% por nós. Isso mostra que, se a referência forem as taxas que o Brasil aplica às mercadorias de fora, o prejuízo será nosso. Há décadas, o país recorre ao caminho fácil do protecionismo para estimular a indústria nacional, em vez de criar as condições para que as empresas invistam em produtividade, tecnologia e inovação, fortalecendo-se para disputar ombro a ombro com as rivais estrangeiras. “Em matéria de tarifa, o Brasil não tem moral para reclamar”, diz Samuel Pessôa, economista da Fundação Getulio Vargas.

O grande trunfo do Brasil para virar o jogo é a própria pressão das empresas americanas, que temem um aumento dos custos de produção em meio aos tarifaços de Trump. “Uma tarifa de 25% é muito alta para commodities metálicas”, diz Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior. “Como os Estados Unidos não são autossuficientes em aço, será muito difícil implementar essa taxa na prática.” O que ocorreu em 2018 dá uma pista do que pode azedar o humor do empresariado americano. Naquela ocasião, Trump, então em seu primeiro mandato, impôs também 25% de tarifa sobre o aço importado. É verdade que a medida trouxe benefícios para as cambaleantes siderúrgicas americanas, como o aumento de 19% do preço do produto, a melhora dos lucros e a criação de 8 700 empregos no setor. Em compensação, as companhias americanas que consomem aço desembolsaram 5,6 bilhões de dólares a mais pelo material. Entre o aumento de lucros e o de custos, o centro de estudos Peterson Institute calcula que cada emprego criado pela sobretaxa custou aos consumidores americanos 380 000 dólares. Não foi por acaso que, tempos depois, Trump converteu a sobretaxa em um sistema de cotas de importação. “O erro fundamental da doutrina de Trump é ignorar que os Estados Unidos são ricos justamente porque são grandes importadores”, diz o embaixador José Alfredo Graça Lima, que representou o Brasil na Organização Mundial do Comércio.
Esperar até que os eleitores de Trump sintam o impacto das medidas na forma de mais inflação pode ser a postura mais sábia neste momento. Na diplomacia, assim como no pôquer, os melhores jogadores são os que jogam com as cartas do adversário, não com as suas próprias. A guerra do aço vai exigir nervos de aço daqui para frente.
Publicado em VEJA de 14 de fevereiro de 2025, edição nº 2931