Por que o Brasil não pode depender da OMC para lidar com o tarifaço de Trump
Eventual vitória do Brasil na OMC contra as tarifas de Trump dificilmente teria efeito prático

Em entrevista à Rádio Clube do Pará nesta sexta-feira 14, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil pode recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os Estados Unidos, caso o presidente Donald Trump leve adiante os planos de aplicar tarifas recíprocas sobre as importações e de 25% sobre o aço e o alumínio que abastecem os americanos. Grande arena dos embates internacionais nos anos 1990 e 2000, a OMC é bombardeada por Trump desde seu primeiro mandato. Por isso, é improvável que tenha condições de ajudar o Brasil a frear a ofensiva protecionista do republicano.
“A OMC é um dos organismos internacionais que o trumpismo tem dinamitado”, explica o economista Euzébio de Sousa, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp). Fiel ao movimento MAGA (Make America Great Again), Trump encarna uma guinada dos Estados Unidos, cada vez mais preocupados com assuntos internos, como o crescimento econômico, a inflação e a imigração ilegal. Nesse cenário, a palavra de ordem “America First” (América em primeiro lugar) indica como os americanos enxergam o tabuleiro internacional agora: como um campo minado de nações dispostas a prejudicá-los por quaisquer meios, inclusive o comercial.
Desde 2001, a China é um país-membro da OMC. A animosidade dos americanos com a organização cresceu ao longo dos anos, à medida que a guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo desembocava cada vez mais em decisões favoráveis da OMC aos chineses. Em 2020, durante o primeiro mandato de Trump, a OMC declarou que as sobretaxas impostas pelo republicano a cerca de 230 bilhões de dólares em importações chinesas eram ilegais e violavam as regras do direito comercial internacional.
Enquanto Pequim aplaudia a decisão, Trump decidiu sufocar a OMC. Sua estratégia foi bloquear a nomeação de juízes para a entidade. Com isso, o órgão de apelação, a instância máxima de resolução de conflitos da OMC, tornou-se incapaz de julgar os casos e emitir decisões vinculantes. Na prática, isso significou a paralisia da organização.
OMC apoia China e irrita Trump
O apoio da OMC às queixas da China serviu ainda para alimentar as teorias conspiratórias dos apoiadores do republicano. “Trump construiu uma retórica contra os organismos internacionais”, diz Sousa, da Fespsp. A hostilidade é expressa pela retirada dos Estados Unidos de entidades como a Organização Mundial da Saúde, o Acordo de Paris e o Conselho dos Direitos Humanos da ONU.
“A crise na OMC sugere que o Brasil considere novas plataformas de resolução de disputas, como acordos regionais ou arbitragem direta”, recomenda Alexandre Coelho, professor de relações internacionais da Fespsp. “Com o enfraquecimento da instituição e a paralisação do seu órgão de apelação, processos na OMC terão efeitos políticos e simbólicos apenas”, acrescenta Coelho.
Assim, mesmo que Lula leve a guerra tarifária para a organização e vença Trump, será uma vitória apenas moral, com nenhum efeito prático. A melhor solução, nesse momento, é manter o sangue-frio e os canais abertos com Washington. “A diplomacia brasileira deve continuar apostando no pragmatismo e no diálogo bilateral”, diz Coelho. Transformar a questão das tarifas recíprocas e da taxa de 25% sobre o aço e o alumínio em uma rinha de galos para satisfazer as bases eleitorais de Lula só prejudicará o lado mais fraco – o próprio Brasil.