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Por que o McDonald’s entrou na onda dos sanduíches de planta

Rede reforça o crescente interesse dos consumidores em ter menos carne no cardápio

Por Paula Pacheco
Atualizado em 4 jun 2024, 14h24 - Publicado em 20 nov 2020, 06h00

Nos últimos 65 anos, o McDo­nald’s construiu a sua reputação e se tornou a maior rede de lanchonetes do mundo com uma dobradinha infalível: hambúrguer com fritas. Os suculentos sanduíches de carne bovina, associados às batatas crocantes, transcenderam o universo da gastronomia e viraram um símbolo universal do capitalismo. Em qualquer lugar — até nas cercanias da Praça Vermelha, em Moscou — os arcos dourados da empresa são uma marca reconhecida e, para os fãs desse tipo de comida, altamente desejada. Nenhuma tradição, porém, é capaz de resistir ao passar do tempo. Há alguns dias, Ian Borden, presidente internacional do McDo­nald’s, revelou que a rede se prepara para lançar, com tecnologia própria, o McPlant, sanduíche feito de vegetais, sem proteína animal.

Desenvolvidos a partir de plantas, os alimentos plant-based representam uma revolução. A indústria tem investido na substituição da proteína animal para atender à demanda especialmente dos mais jovens, que buscam ingredientes considerados mais saudáveis e sustentáveis. Trata-se de um negócio multibilionário. Segundo pesquisa do banco Barclays, o mercado global baseado em plantas pode chegar a 140 bilhões de dólares em 2029, o triplo do montante atual. É isso, obviamente, que motiva as grandes redes de fast-food. Segundo Borden, do McDonald’s, o projeto poderá “se estender para uma linha completa de produtos, incluindo hambúrgueres, substitutos de frango e sanduíches para o café da manhã”.

No Brasil, a primeira grande rede de fast-food a apostar no hambúrguer plant-based foi o Burger King, com o lançamento do Rebel em setembro do ano passado. Até agora, o sanduíche vendeu 2 milhões de unidades — o equivalente a quase 200 por hora — e já responde por 10% das vendas de lanches. Ariel Grunkraut, vice-presidente de vendas e marketing do Burger King, diz que as pesquisas já vinham apontando para o desejo do brasileiro de consumir menos carne. “Atualmente, dezenas de marcas estão querendo aproveitar um mercado que a gente desbravou”, pontua.

Uma das grifes mais tradicionais em proteína animal, a Wessel, acaba de se render ao novo segmento. Conhecida pelos cortes premium de carne bovina, a empresa familiar desenvolveu a linha Meta Foods, com um hambúrguer feito de vegetais e temperos naturais. Os exemplos se sucedem. A foodtech Fazenda Futuro foi uma das pioneiras no plant-based ao chegar às geladeiras dos supermercados com uma linha de produtos sem proteína animal, em maio de 2019. Exporta para México, Uruguai, Colômbia, Holanda, África do Sul, Austrália e Emirados Árabes Unidos. A partir de janeiro, desembarca na Inglaterra, Alemanha e Itália. Em fevereiro, o objetivo é começar a vender nos Estados Unidos.

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NOVA ESTRATÉGIA - Ian Borden, do McDonald’s: linha completa sem animais – (//Divulgação)
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De fato, o mercado todo dedicado a essa novidade passa por uma forte expansão. Marcas tradicionais como Seara, da JBS, e Marfrig se preparam desde o ano passado para lançar substitutos para as carnes. Mesmo assim, continuam poderosas no segmento que as transformaram em gigantes globais. Marcos Leta, sócio da Fazenda Futura, vê nisso uma vantagem para o seu negócio, que já surgiu “verde”. Ele acredita que o fato de a empresa não ter nascido como uma companhia de frigoríficos, mas com o propósito de ser uma alternativa à indústria de proteína animal, fará com que as vendas cresçam num ritmo superior ao das rivais. “Elas, afinal, continuam matando bois”, afirma.

Alheia à polêmica de quem já nasceu verde ou é recém-convertida, a Seara está prestes a completar um ano no mercado de plant-based. Antenada com a nova demanda, a linha chamada Incrível oferece quibe sem carne e bacalhoada sem bacalhau. José Cirilo, diretor de marketing da empresa, diz que o grande impulso veio dos millennials (nascidos entre os anos 80 e meados dos anos 90) e que as vendas superam o que havia sido projetado em nove vezes. Desempenhos assim explicam por que ninguém quer ficar de fora do segmento.

Existem, obviamente, inúmeros desafios pela frente. Um deles diz respeito ao preço. Os produtos que imitam carne são entre 40% e 60% mais caros, o que só deve mudar à medida que o consumo se popularizar. Outra frente de trabalho é o desenvolvimento de tecnologias que permitam o preparo de plantas capazes de reproduzir de forma integral o sabor e a aparência das carnes. Também é preciso ficar atento às calorias. Os sanduíches de carne vegetal não necessariamente engordam menos, embora o Rebel, do Burger King, tenha alegados 20% menos calorias.

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Para especialistas, os plant-based trazem ressalvas. A principal é que são alimentos ultraprocessados. Portanto, não devem ser tratados como saudáveis. “Apesar de serem vegetais, ainda são alimentos industrializados”, diz Thais Sarian, nutricionista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo. Erika Yuri, sua colega do Hospital Sírio-Libanês, reforça o alerta: “Estudos mostram que o consumo habitual de processados e ultraprocessados tem relação com obesidade, câncer, depressão, hipertensão, doenças cardiovasculares e diabetes”. A dica da especialista a quem quer aderir à onda do plant-based é avaliar muito bem a formulação dos produtos. “Procure saber do que o alimento é feito para fazer a melhor escolha.”

De todo modo, a ampla e crescente oferta de carnes vegetais embute alternativas para aqueles que pretendem diminuir ou simplesmente cortar a proteína animal, seja porque estão em busca de uma alimentação mais equilibrada, seja por atenção especial com a proteção dos animais. Por enquanto, está distante o dia em que os bois poderão viver tranquilamente, sem ter de saciar a fome humana. Mas o primeiro passo — ou a primeira mordida — já foi dado.

Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714

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