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Portaria do governo dificulta comprovação de trabalho escravo

A portaria define quatro situações que configuram trabalho escravo e que devem ser observadas pelos fiscais na inspeção de propriedades

Por Da redação
Atualizado em 16 out 2017, 15h36 - Publicado em 16 out 2017, 13h56

O Ministério do Trabalho publicou no Diário Oficial da União (DOU) a portaria 1.129/2017, que regulamenta a concessão de seguro-desemprego a pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão no país. Esse benefício já é concedido desde 2003.

A portaria define quatro situações que configuram regime de trabalho forçado ou análogo ao de escravo e que devem ser observadas pelos fiscais na inspeção de propriedades e documentadas para comprovar as condições de trabalho das vítimas.

As exigências valem para o enquadramento dos casos no crime e permitir a inclusão dos empregadores na chamada “lista suja do trabalho escravo”. Os empregadores incluídos nessa lista terão assegurados o exercício do contraditório e de ampla defesa.

A portaria também altera a norma que criou o cadastro de empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão, a ‘lista suja’.

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Na prática, a portaria dificulta a punição de flagrantes situações degradantes. Diz a definição de condição análoga à de escravo: “A submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho”. A portaria ainda define trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante.

A portaria foi publicada uma semana depois da exoneração do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho, André Esposito Roston. A exoneração dele foi repudiada por entidades, como Comissão Pastoral da Terra, Ministério Público do Trabalho, Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, entre outras.

“A fiscalização é a base do sistema de combate a esse crime. E, sem uma fiscalização confiável, não há como produzir informação para subsidiar as ações da sociedade civil e do setor empresarial. […] Estamos convictos de que a exoneração compromete a erradicação dessa violação aos direitos humanos e revela a inexistência de vontade política e o descompromisso do atual governo com o enfrentamento do problema”, diz a nota de repúdio.

As entidades mencionam informações dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, de que Roston foi dispensado porque desagradou ao governo ao informar a falta de recursos para o combate ao trabalho escravo em audiência pública realizada no Senado Federal.

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O Ministério do Trabalho negou que a exoneração de Roston vá prejudicar as ações de combate ao trabalho escravo. Sobre a portaria, a pasta informa que “o combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos princípios da dignidade da pessoa humana”.

“Reitera-se, ainda, que o Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores à condição análoga a de escravo é um valioso instrumento de coerção estatal, e deve coexistir com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”, afirma a nota.

O vice-coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, do Ministério Público do Trabalho, Maurício Ferreira Brito , disse que o governo usa uma portaria para modificar o conceito de trabalho análogo ao de escravo previsto no artigo nº 149 do Código Penal, “fazendo-se substituir pelo legislador ordinário”.

“O Ministério Público do Trabalho não ficará inerte diante de mais uma ilegalidade e está reunido, junto com outras entidades, públicas e privadas, para a adoção das medidas judiciais e extrajudiciais na sua esfera de atuação”, afirmou ele.

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Comprovação

Para que o auto de infração seja emitido, a portaria exige uma série de comprovantes, como existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; impedimento de deslocamento do trabalhador; servidão por dívida; e existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador.

Segundo a portaria, ao final do processo administrativo, se comprovada a procedência do auto de infração ou do conjunto de autos, a determinação da inscrição do empregador na “lista suja” será do ministro do Trabalho.

Batalha judicial

A publicação da ‘lista suja’ foi alvo de uma batalha judicial e de uma denúncia contra o Brasil na ONU. A lista foi publicada neste ano com atraso.

A publicação da lista havia sido suspensa em 2014 por liminar concedida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski para a Associação Brasileira de Incorporadora Imobiliárias. Em 2016, uma decisão liberou a publicação da lista.

Mesmo assim, a divulgação do nome das empresas que submetem seus funcionários a condições análogas à escravidão continuou paralisada. Um dos argumentos utilizados pelo governo para brecar a divulgação era a de que as empresas não teriam direito de se defender e isso poderia prejudicá-las.

Neste ano, após três sentenças judiciais que determinavam o fim do sigilo do cadastro, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) aceitou pedido apresentado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para suspender a divulgação dos nomes de empresas e pessoas físicas flagradas nas operações de combate ao trabalho forçado. A decisão do presidente do TST, Ives Gandra Martins, foi derrubada por outro ministro da Corte.

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A lista deste ano trazia a relação de 68 empregadores flagrados por fiscais do trabalho submetendo seus empregados a situação análoga à escravidão. A maior parte das irregularidades foi registrada em fazendas, 45 no total.

De 2011 até o fim do ano passado, 503 trabalhadores estavam em situação de trabalho degradante.

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