Primeiros 100 dias de Trump têm reeditado queda histórica da bolsa e pressentimento de crise
S&P 500 registra o pior resultado em um início de mandato em 50 anos; bancos americanos apresentam probabilidades de recessão elevadas

Os primeiros 100 dias de Donald Trump, agora em seu segundo mandato, à frente da Casa Branca foram marcados por ameaças e recuos, turbulência e apreensão no campo econômico. O republicado se elegeu com a promessa de levar os Estados Unidos de volta a uma “era de ouro”, ideia que contrasta com o desempenho da bolsa de valores ao longo deste ano. O índice S&P 500, que inclui as maiores companhias de capital aberto dos EUA, acumula queda de cerca de 9% desde que Trump voltou ao poder. É a maior baixa no índice para os primeiros 100 dias de um governo americano desde Gerald Ford, que assumiu o comando da nação em 1974, após a renúncia conturbada de Richard Nixon.
Doze mandatos presidenciais diferentes separam Ford dos tempos atuais — incluindo a primeira passagem de Trump pela Casa Branca, entre 2016 e 2020 –, e em todos eles os primeiros 100 dias foram mais positivos para a bolsa do que o observado em 2025. O derretimento do mercado de renda variável, ainda carecendo de clareza sobre quais decisões tomar, seguiu a instabilidade trazida especialmente pela política comercial do novo governo americano, melhor resumida em uma palavra: tarifaço.
Até o momento, um dos dias mais emblemáticos do segundo mandato de Donald Trump para quem acompanha os mercados globais foi o último dois de abril. Apelidado pelo republicano de Dia da Libertação (Liberation Day, em inglês), a data marcou o anúncio de “tarifas de reciprocidade” contra dezenas de países de diversos cantos do mundo. A presidência comunicou a criação de uma tarifa mínima de 10% sobre importações em geral, que seria somada a alíquotas adicionais baseadas no tamanho do déficit comercial dos EUA com cada país.
O Brasil, deficitário na balança comercial com os EUA, ficou com a taxação mínima, mas países como China e Vietnam, e até aliados históricos dos americanos, como Japão e Europa, não tiveram a mesma sorte, com taxas anunciadas que variavam de 20% a 46% nesses casos. O “Dia da Libertação” causou tumulto nas cadeias de produção globais dada a extensão de seu impacto, mas países específicos, como a China, já eram alvo da retaliação trumpista antes do tarifaço geral.
A primeira ofensiva comercial de Trump contra a China em sua segunda passagem pela Casa Branca ocorreu no dia primeiro de fevereiro, menos de duas semanas após a posse do americano. Na ocasião, taxas de 10% foram fixadas contra parte das exportações do país asiático. O mesmo dia, contudo, chocou mais o mercado por conta de outra retaliação, a imposição de tarifas contra os principais aliados comerciais dos EUA: Canadá e México. Ambas as nações norte-americanas foram ameaçadas com tarifas de 25% na ocasião — mas o período subsequente foi marcado por uma série de idas e vindas por parte do governo Trump, com o adiamento de cobranças contra os vizinhos e escalonamentos e recuos em relação à briga com a China.
A intempestividade de Trump, que misturou o protecionismo radical a um alto grau de imprevisibilidade, é fonte de perdas substanciais para os mercados. As cartadas mais recentes de Trump, ocorridas neste mês de abril, foram isentar eletrônicos importados das tarifas e elevar a taxa cobrada por certos produtos chineses para impressionantes 245% em resposta a retaliação asiática — que fixou uma alíquota de 125% contra produtos americanas no início deste mês.
A guerra comercial travada entre Trump e o resto do mundo, principalmente contra a China, traz preocupações de analistas a respeito da própria economia americana. O encarecimento das importações em decorrência de tarifas deve dar fôlego à inflação no país. O ritmo de elevação dos preços estava próximo de retornar a meta de 2% ao ano quando Trump assumiu a presidência, mas subiu para 2,8% em fevereiro e 2,4% em março. A dificuldade na substituição da importação de produtos que são pouco ou nada fabricados nos EUA também é motivo de preocupação para especialistas.
O banco americano Goldman Sachs elevou a probabilidade de haver uma recessão no país ainda neste ano sucessivas vezes. Em fevereiro, a probabilidade calculada pelo banco estava em 20%, subindo para 35% em março, e para 45% em abril. Já o banco J.P. Morgan, o maior do mundo, está mais pessimista. A última estimativa da instituição, reforçada em meados de abril, é de uma chance de 60% de que haverá uma recessão nos EUA neste ano — de modo que a crise é considerada provável.
As notícias desanimadoras a respeito das políticas de Trump e o futuro da economia já surtem efeito na popularidade do presidente. Um levantamento da CNN/SSRS divulgado nesta semana aponta que 61% dos americanos desaprovam a condução da economia por Trump. Trata-se do maior percentual negativo registrado tanto no primeiro quanto neste segundo mandato do republicano.