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‘Que passe a crise e fique a colaboração’, diz CEO da Ambev

Vencidos os desafios da pandemia, será a hora de virar a chave para criarmos mais negócios com impacto positivo na sociedade

Por Jean Jereissati Neto*
Atualizado em 4 jun 2024, 14h56 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

Ninguém está preparado para enfrentar uma crise como a da Covid-19. Mais que isso: é difícil reagir. Mesmo para as grandes empresas, que têm planejamento, métodos e recursos financeiros. Todos esses elementos são fundamentais, mas não suficientes. O que faz diferença nesses momentos é a vontade de ajudar e saber o que deve ser feito. E essas duas coisas não são triviais quando se está sob pressão, diante do desconhecido. Em fevereiro, eu me reuni com um comitê interno da AB InBev para auxiliar a nossa operação da China a encarar o problema por lá. Fui convidado para participar do grupo porque passei quatro anos no país, na função de diretor-geral da companhia na região, até 2018. Na época, não tínhamos ideia de que a situação se tornaria um desafio sem precedentes para toda a humanidade. Também não prevíamos quanto aprenderíamos com a experiência de lá e quanto isso seria valioso em um futuro breve aqui no Brasil.

Alguns dos primeiros setores a se movimentar nesta crise foram os de entretenimento e educação. A Amazon liberou livros, e instituições como Senai, FGV e Harvard disponibilizaram cursos on-line gratuitos. Outra iniciativa coube ao Airbnb, que ofereceu hospedagem sem custo ou subsidiada a 100 000 profissionais de saúde em regiões carentes de assistência médica. Nos últimos dias, foi a vez de o Itaú Unibanco anunciar a doação de 1 bilhão de reais para financiar ações de combate à Covid-19. Bons exemplos de empresas que aproveitaram suas competências para contribuir coletivamente.

Durante aquela reunião inicial com a operação chinesa, entendi que uma crise gerada por uma pandemia passa por seis etapas. A primeira é a negação. Tendemos a pensar que o problema não nos afetará. Nessa fase, as instituições e as marcas têm o papel crucial de ajudar a conscientizar as pessoas. A segunda etapa é a compreensão de que o problema vai chegar até nós e é preciso prevenir-se. Nesse caso, isso significa estabelecer protocolos de convivência para o momento e tentar garantir a higiene de todos e o isolamento de quem pode ser isolado. A terceira é uma corrida para a preparação da infraestrutura hospitalar.

“Setores da economia já estão em coma induzido. É preciso evitar que isso evolua para morte cerebral”

Aprendemos com o caso da China que durante essas três primeiras fases tínhamos de agir decisivamente. O mais importante era a coragem de arriscar, com rapidez e sem arrependimentos. A velocidade na resposta, nessa hora, importa mais do que a perfeição do projeto. A ideia de fabricar álcool em gel foi levantada na primeira reunião global para discutir o tema, no começo de março. “Nós já produzimos álcool. Será que é possível transformá-lo em gel?” Nossas operações de todos os países saíram com a missão de tentar tirar o plano do papel. Nove dias depois, conseguimos viabilizar a produção em nossa cervejaria em Piraí, no Rio de Janeiro. Foi nossa contribuição para a segunda etapa, a prevenção.

Logo depois, caiu a ficha da terceira fase: as dificuldades em nosso sistema de saúde. Temos um parceiro, a Brasil ao Cubo, que é uma construtech especializada em construções modulares. Nós nos perguntamos se seria viável erguer um hospital em vinte dias, assim como foi feito na China. A resposta: “Sim”. A siderúrgica Gerdau também se interessou e entramos juntos nessa operação. Na sequência, procuramos um especialista. O Hospital Israelita Albert Einstein cedeu a mão de obra e a prefeitura de São Paulo, o espaço ao lado de outro hospital público. Passado o momento crítico, será um legado para o município. Nesta semana, começamos a produzir 3 milhões de máscaras de proteção facial, feitas com PET das nossas embalagens, para doar aos profissionais de saúde de todo o país.

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A quarta etapa, na qual estamos entrando agora, é a mais dura. Atingiremos o pico da doença no país. Além de promovermos todos os cuidados com a saúde, devemos encontrar uma maneira de manter economicamente vivos pequenos comerciantes, pessoas autônomas e os nossos parceiros no negócio, que somam mais de 1 milhão de famílias. Alguns setores da economia já estão passando por coma induzido. É preciso ter recursos para que a situação não evolua para morte cerebral. Nesse contexto, cabe aos poderes Executivo e Legislativo e entidades de classe um papel importante de suporte e, até agora, estão demonstrando que o cumprirão.

Em meio à crise, as empresas necessitam lutar pela sobrevivência. Na Ambev, já tomamos algumas decisões difíceis para garantir nossa prioridade: 100% dos empregos de nossa equipe, com 100% de seus salários nos próximos três meses. Abrimos mão de todos os treinamentos presenciais, viagens domésticas e internacionais, consultorias… No campo do marketing, não é o momento de as marcas falarem sobre suas pautas. É hora de as empresas se dedicarem a resolver os problemas da sociedade.

Em seguida, na quinta etapa, antecipo que teremos um movimento mais profundo de gratidão coletiva e respeito pelos profissionais da saúde, que estão na frente de batalha pelo salvamento de vidas. Por fim, a sexta fase será a esperança na retomada. A volta ao trabalho. O reencontro entre avós e netos. Passado tudo isso, quem sabe será a virada de chave para criarmos cada vez mais negócios com impacto positivo. Quem sabe surja daí uma nova realidade empresarial, que poderá ativar todo o potencial econômico de nosso país. Uma realidade em que as empresas serão, acima de tudo, colaborativas. Uma mudança profunda.

Só conseguimos agir rápido porque já vivíamos uma transformação na Ambev havia algum tempo. Amadurecemos muito nos últimos anos. Temos a consciência de que fazemos parte de um ecossistema maior, desde o agricultor que planta a cevada, passando pelos nossos funcionários e pelo dono do bar, até os nossos 100 milhões de consumidores no país. Mais do que integrar esse ecossistema, entendemos que é nosso papel, como uma companhia brasileira que se tornou global, abrir as portas, trabalhar juntos. Por isso, nesta crise, estamos inteiros na luta para ser parte da solução.

Quando converso com meu time, vejo a nova geração com um desejo profundo de salvar o mundo. Entendo tal aspiração, mas hoje sei que o que a gente consegue fazer é melhorá-lo. E neste momento isso passa por manter os pés no chão, reconhecer nossa humanidade e que estamos todos cheios de incertezas, lutando pela sobrevivência de indivíduos e organizações. Temos uma urgência inédita de que empresas, marcas e pessoas estejam unidas. Vivemos em um mundo que está cada vez mais conectado e também mais dividido do que nunca. Como sempre diz meu amigo Edu Lyra, da ONG Gerando Falcões, entidade que dá suporte a famílias de baixa renda, o mundo precisa de menos muros e de mais pontes.

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Desejo que a gente chegue ao outro lado dessa ponte o mais rápido possível. De fato, unidos por um mundo melhor.

* Jean Jereissati Neto, administrador de empresas, ocupa o cargo de CEO da Ambev desde janeiro de 2020

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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