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Recorde histórico do ouro reflete a tensão do mercado com o dólar

Moeda americana está na berlinda devido aos acontecimentos econômicos, políticos e sanitários dos Estados Unidos

Por Luisa Purchio Atualizado em 27 jul 2020, 14h23 - Publicado em 27 jul 2020, 14h02
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  • Tradicionalmente considerado o porto seguro dos investidores, a cotação do ouro sobe conforme a gravidade das crises financeiras. Como os impactos do novo coronavírus na economia estão entre os mais fortes da história, não é de se surpreender que o valor do ouro esteja atingindo patamares históricos. A cotação do metal disparou, ultrapassou até mesmo o nível de 2011 e se aproximou dos 2 mil dólares a onça troy (31,1035 gramas) nos índices futuros. No final da manhã dessa segunda-feira, operava em alta de 2,05%, a 1.964,60 dólares a onça troy. A expectativa dos especialistas é que ela suba ainda mais. “As pessoas estão com receio do poder de compra do dinheiro, então estão comprando mais ativos físicos, como ouro, casa e ações de empresas”, diz Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos.

    É impossível falar de ouro sem falar de dólar. Até o dólar se tornar a principal moeda do mundo, o ouro era o principal valor de transação, acompanhando a libra esterlina da potente Inglaterra, antes da Primeira Guerra Mundial. Com o fortalecimento da economia dos Estados Unidos no pós-guerra, o dólar substituiu o ouro e hoje é responsável por 80% de todas as transações mundiais. Por isso é natural e histórico que os investidores se refugiem no ouro quando a economia e a moeda americana não vão bem.

    A atual alta do ouro está diretamente relacionada ao derretimento do dólar que decorre do aumento do déficit fiscal dos Estados Unidos. Para diminuir os níveis de desemprego e manter a renda das pessoas e as empresas de pé, o Federal Reserve já injetou trilhões de dólares na economia, o que desvaloriza a moeda. O déficit fiscal americano já está em 2,74 trilhões de dólares, 267% maior que o mesmo período do ano anterior. Apesar disso, na semana passada os dados dos pedidos de auxílio desemprego vieram aquém do esperado e o mercado espera que mais injeções sejam colocadas pelo banco central americano na economia. Em discussão no Congresso americano estão dois pacotes de auxílio: os republicanos defendem uma injeção de 1 trilhão de dólares e os democratas desejam 3,5 trilhões de dólares. Independentemente da proposta que for aprovada, qualquer uma delas contribuirá para mais desvalorização da moeda.

    Como consequência da massiva impressão de moedas, o dólar atingiu o menor nível em relação ao euro desde setembro de 2018. Enquanto o euro estava custando 1,12 dólares no final de 2019, hoje ele vale 1,17 dólares. O DXY, índice que mede a força do dólar em relação a uma cesta de moedas, estava em -0,98% no início da tarde de hoje. Além de ter conseguido controlar melhor a pandemia, a Europa possui uma situação fiscal mais confortável que a americana, o que contribui com a valorização da sua moeda. “O dólar pode ter seu pior julho em dez anos e isso está se acelerando à medida que o euro assume seu papel de porto seguro”, diz Edward Moya, analista de mercado financeiro da OANDA. Outro ativo que vem se destacando diante das incertezas do dólar é o Bitcoin, cujo valor ultrapassou os 10 mil dólares. “O fim do dólar é 100% responsável pelo aumento das criptomoedas e o Fed pode emitir outro sinal de que mais acomodação está aqui e por mais tempo. Se a derrota do dólar continuar, o Bitcon deverá subir para o nível de 12 mil dólares”, diz Moya, da OANDA.

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    Para Cantreva, da Portofino, a lenta porém gradual recuperação da economia mundial é outro motivo que afasta os investidores do dólar e os aproxima de ativos. “O medo começa a diminuir conforme a economia cresce e as pessoas vão para outros ativos. Quem acha que o poder de compra da moeda vai cair, corre para o ouro”, diz ele. Essa semana o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), do Federal Reserve, se reúne e na quarta-feira 29 anunciará a tendência de sua política fiscal. É dado como certo que a política fiscal americana continuará seguindo pelo mesmo caminho, ou seja: mais derretimento do dólar. Atualmente em taxas de juros próximas a zero, os juros longos para dez anos estão em 0,59% ao ano. Quando comparado com a inflação, esse número preocupa: de junho do ano passado a junho desse ano, a inflação americana ficou em 0,6%. Ou seja, se a inflação aumentar, ela pode superar os juros longos do país e negativar a moeda americana. Por isso não é coincidência que o ouro tenha atingido o seu recorde histórico na semana que antecede a reunião do Fomc. Quanto mais a situação fiscal dos Estados Unidos se deteriora, mais valor o metal ganha.

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