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Redução de isenções fiscais não corrige distorções da reforma tributária

Diante dos ataques ao projeto, o governo pretende diminuir benefício a setores como o químico e o de bebidas — uma medida acertada, mas incompleta

Por Victor Irajá, Larissa Quintino Atualizado em 4 jun 2024, 13h28 - Publicado em 9 jul 2021, 06h00

Militar francês que ascendeu a imperador, Napoleão Bonaparte (1769-1821) iniciou sua derrocada ao sucumbir, junto a seus mais de 500 000 homens, ao inverno russo em uma tentativa de invadir o país. Após o malogro tentou justificar o fracasso em uma frase: “O erro está nos meios, bem mais do que nos princípios”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem adotado raciocínio semelhante após virar alvo de críticas por causa da desastrada proposta de reforma tributária apresentada no fim de junho. Ele defende que o plano está certo, ainda que a calibragem das medidas precise ser refinada. As mudanças receberam severa desaprovação de economistas, investidores, empresários e tributaristas. Em especial, porque, em conjunto, elas trarão aumento de tributação, para um governo que já cobra em excesso da sociedade e entrega pouco em termos de serviços públicos, além de demonstrar que está mais preocupado em encontrar meios de financiar ações eleitoreiras com vistas a 2022 do que pavimentar um sistema tributário justo e eficiente.

Criticado até mesmo por segmentos que de maneira geral aprovavam sua gestão, Guedes procurou se justificar na semana passada. “Está todo mundo contra, o pau está comendo, a maior reclamação: liberal traiu os liberais. Sou liberal, mas sou democrata. Eu não vou aumentar imposto”, disse em apresentação na quarta-feira 7. “Se a gente sentir que houve aumento da arrecadação, não porque o PIB subiu, mas na reforma, porque eu tributei o dividendo, tenho de devolver para o assalariado e para a empresa”, reconheceu. Em paralelo, as áreas técnicas do ministério passaram a estudar formas de conseguir reduzir mais o imposto de renda das empresas, como compensação por manter a cobrança dos dividendos em 20%, um dos pontos mais polêmicos da proposta, justamente por recriar um tributo extinto há 25 anos. Em conjunto com o atual IRPJ, a medida incorrerá na bitributação de negócios dos mais variados portes. Na proposta, ressuscita-se o velho imposto e reduz-se 5 pontos porcentuais do IRPJ, aliviando a mordida nas empresas. Na ponta do lápis, isso tem pouco efeito prático ante ao baque da cobrança sobre lucros e dividendos.

Com a gritaria generalizada, Guedes batalha agora por uma diminuição maior do IRPJ, de 7,5 a até 15 pontos porcentuais e tentar equilibrar a situação. Para conseguir isso sem afetar os ganhos de arrecadação planejados com a reforma, pretende avançar em outra área: as isenções fiscais dadas pelo governo a diversos setores econômicos. É um caminho correto, uma vez que tais isenções criam distorções por toda a economia, privilegiando segmentos em detrimento de outros. Com isso, setores como o químico e o de bebidas passam a ter seus subsídios na linha de tiro. Apenas os dois, de acordo com o ministro, garantiriam um respiro de 20 bilhões de reais para as contas do governo, e podem ser uma forma de se aproximar de um desejado corte de 40 bilhões de reais.

A eliminação desse tipo de benefício fiscal tem potencial para financiar um corte amplo de impostos, mas Guedes e sua equipe demonstram que não têm interesse em abrir mão do tributo de 20% sobre lucros e dividendos. Acreditam que a cobrança tornará mais justo o sistema tributário brasileiro — além de garantir 60 bilhões de reais anuais ao governo. “Existe um fantasma de que tributar dividendos vai ser o fim do mundo. Não vai. Estados Unidos, Alemanha e França tributam”, argumenta Isaías Coelho, assessor especial do ministro para assuntos tributários. É uma opinião polêmica. Primeiramente, porque não são apenas os grandes investidores e ocupantes do topo da pirâmide que utilizam esses mecanismos como forma de remuneração. Pequenos comerciantes e mesmo prestadores de serviços usam cada vez mais os dividendos, uma vez que muitas das reformas governamentais dos últimos anos, como a trabalhista e a que flexibilizou a terceirização, incentivaram regimes de trabalho alternativos à CLT. O fato é que, com a taxação de dividendos, encontrou-se uma forma de garantir mais recursos a uma gestão que está nas cordas em termos de popularidade e anda cada vez mais afoita para realizar gastos e conceder benefícios sociais de cunho eleitoreiro.

Até a aprovação da reforma ainda há um longo caminho. Na quarta-feira 7, uma carta de 120 entidades empresariais foi encaminhada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), pedindo mudanças no texto e prioridade para a reforma administrativa, que promete tornar o Estado mais eficiente, em detrimento da tributária. “A indústria de transformação no Brasil é a que mais paga imposto, até 50%, se juntar tudo, e há muitas distorções. A estratégia adotada pelo governo atrapalha e penaliza quem gera emprego”, critica Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, a associação das montadoras, que não é signatária da carta. Depois de uma semana de críticas e de receber o documento, Lira disse que não votará o texto da reforma antes que “esteja maduro e discutido por todas as bancadas”. A notícia foi um sopro de vento gelado nos planos do governo de aprovar logo sua proposta, como as rajadas que detiveram Napoleão na Rússia.

Publicado em VEJA de 14 de julho de 2021, edição nº 2746

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