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‘Regras do cheque especial e do cartão vão mudar’, diz presidente do BC

Roberto Campos Neto também quer acelerar a votação do projeto de autonomia da instituição e diz que a tecnologia aumentará a competição entre os bancos

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 15h28 - Publicado em 11 out 2019, 06h00

Na ampla sala de reuniões do edifício-sede do Banco Central, em Brasília, os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) definem a cada 45 dias a taxa básica de juros, a chamada Selic. Ela vem caindo sucessivamente e no último encontro, realizado em setembro, o indicador foi fixado em 5,5%, o menor da história. Para Roberto Campos Neto, que está no comando do BC desde fevereiro, os benefícios dessa política vão chegar mais rápido ao bolso dos consumidores com o aumento da competição entre as instituições financeiras e a popularização de novas tecnologias no setor. “Alguns já são perceptíveis, como a queda dos juros de financiamentos imobiliários”, afirma o presidente do BC, que é neto do ex-ministro Roberto Campos. O economista de 50 anos deixou para trás uma longa carreira no setor privado para, segundo ele, ajudar o governo a implementar a agenda liberal. Nessa linha, Campos Neto conta que vem conversando com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a fim de tentar colocar em breve na pauta do Congresso o projeto de autonomia do BC. Confira a seguir os melhores trechos da entrevista.

Apesar da queda da Selic, os juros do cheque especial e do cartão de crédito continuam subindo. Qual a explicação para isso? Esse é um tema muito importante. Se pegarmos os juros de crédito imobiliário, veremos que já há banco oferecendo abaixo de 7,5%. Acho que hoje o Brasil tem um crédito imobiliário bastante competitivo. Os juros de capital de giro, de financiamento de veículos e de consignado também vêm caindo consistentemente. O mesmo não acontece com o cheque especial e o rotativo do cartão. Eles não só não têm caído como, na ponta, têm subido. Precisamos reinventar esses produtos. O que acontece na prática com o cheque especial é que, quando um cidadão tem um limite alto e não o usa, isso tem um custo para o banco. Então, na verdade, hoje quem utiliza o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito está pagando por quem não usa. Precisamos consertar isso. Algumas propostas para corrigir essa distorção estão sendo estudadas e serão anunciadas em breve.

Segundo muitos especialistas, a pouca competição dentro do setor financeiro dificulta a queda dos juros de mercado. O senhor concorda com isso? Vemos que na parte de meios de pagamento, em que houve mais digitalização e mais avanço em tecnologia, verifica-se um efeito de preço bastante grande, com desconto para o lojista. Lancei a ideia do home equity (crédito com imóvel de garantia), um produto em que no primeiro momento as pessoas nem prestaram muita atenção. Eu tinha uma ideia de que o produto conseguiria reduzir a taxa de juros para o consumidor, que hoje é de 150%, para 15%. Já existe um banco oferecendo a 13%. Uma dessas plataformas oferece a 12%. Isso é a competição.

“É importante ter autonomia no Banco Central para tomar uma decisão que seja independente do ciclo político. Haverá um ganho de credibilidade quando isso acontecer”

Como o BC pode atuar para incentivar uma competitividade maior entre os bancos? O BC está atuando. Para incentivar a competição, é preciso entender onde estão as barreiras. Vários fatores garantiam aos bancos a fidelidade dos clientes. O mundo digital inovador está mudando tudo, e essa competição já está acontecendo. Basta ler o noticiário. Num dia aparece uma nova plataforma que oferece créditos imobiliários. No outro, uma que faz pagamentos instantâneos. E, logo depois, mais uma que está fazendo algo relacionado ao cooperativismo. Acho que os próximos três a quatro anos vão andar mais rápido que os últimos dez. Temos de acompanhar esse movimento. Estimulando essas tecnologias, teremos um sistema mais competitivo no futuro.

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Como funciona o sistema de segurança para evitar que vazem informações a respeito das decisões sobre a taxa de juros? São várias medidas. Temos uma janela de silêncio em que nenhum diretor nem ninguém fala com nenhum agente de mercado. Temos uma reunião nesta sala onde estamos agora, que é vasculhada para ver se existe escuta. O sinal de wi-fi é cortado no andar inteiro. Os celulares são deixados do lado de fora. Ninguém sai desta sala até que seja tomada uma decisão. Então, entendo que temos critérios de segurança adequados. Inclusive, quando vejo como se faz em outros países, nossos critérios são iguais ou até mais restritivos. O sistema hoje tem uma integridade boa.

Até que ponto as investigações da Operação Lava-Jato relacionadas ao setor financeiro podem afetar o bom funcionamento do sistema? Não temos observado nenhum impacto. Também não tenho informação de nenhuma investigação que tenha algo concreto. Estou acompanhando as notícias. É sempre importante mencionar que o sistema financeiro brasileiro é muito sólido, supercapitalizado e lucrativo, ou seja, acumula capital de um ano para o outro. No que diz respeito à integridade financeira, temos absoluta certeza de que o sistema hoje é bastante sólido.

Como o BC tem atuado no combate às práticas de lavagem de dinheiro? O BC está inserido num esforço do governo de diminuir esse tipo de atividade. Estamos adotando os melhores critérios internacionais possíveis. Tomamos algumas medidas recentemente em relação a saques em espécie e ao pagamento de boletos em espécie. Outro fator importante a mencionar é que, quanto mais transações eletrônicas ocorrem e menos dinheiro se tem em circulação, haverá menos crimes financeiros. Temos um projeto de pagamento instantâneo, que deve ficar pronto no fim de 2020, pelo qual basicamente todo mundo vai poder transferir recursos de uma conta para outra 24 horas por dia e sete dias por semana. Isso vai diminuir a necessidade de fazer transações em espécie.

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O Coaf, que agora se chama Unidade de Inteligência Financeira (UIF), será transferido para o Banco Central. Por que essa mudança gera tanta polêmica? É importante entender que existia um desejo de dar o máximo de autonomia e independência possível ao órgão. Houve um problema criado por uma interpretação de que poderiam estar ocorrendo intervenções na forma de o órgão operar. Independentemente de ser verdade ou não, a ideia foi pensada no sentido de isolar ao máximo o órgão de influência política. Obviamente, não imaginei que teria a repercussão que teve.

“Na verdade, quem hoje está utilizando o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito está pagando por quem não está usando. Estamos estudando propostas para consertar isso”

Nesse cenário, qual a importância de um Banco Central independente? É bastante importante. Os estudos mostram que o Banco Central independente faz com que o país, na média, tenha uma inflação mais baixa e menos volátil. Temos o exemplo do nosso vizinho, que se tivesse tido independência na atuação do Banco Central não estaria na situação em que está. O Banco Central independente é essencial porque o ciclo político e o ciclo monetário são muito diferentes. É importante ter autonomia para tomar uma decisão que seja independente do ciclo político. Haverá um ganho de credibilidade quando isso acontecer. Tenho conversado com o presidente Rodrigo Maia sobre o tema, e o projeto deve ser colocado para votação em breve.

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Qual é a contribuição do Banco Central para a retomada do crescimento econômico? A agenda toda está focada na reinvenção liberal do Estado com capital privado. E todas as medidas estão focadas em inclusão, em baixar o preço e aumentar o número de usuários. Isso tudo, no final das contas, fomenta o crescimento. A forma de o BC contribuir para a redução do desemprego e o crescimento sustentável a longo prazo é sempre o combate à inflação e a estabilidade financeira. Vimos o que aconteceu recentemente com o nosso país vizinho, onde foi também tentada a política de crescimento desesperado de curto prazo, à custa de uma inflação mais alta, e não funcionou. Então, nossa missão aqui é garantir um crescimento sustentável. O desemprego está melhorando. E o crescimento está aparecendo de forma gradual.

Em que medida a desidratação da reforma da Previdência afetará esses planos? Quando começamos a falar sobre a reforma, tínhamos uma expectativa de economia de 600 bilhões, 700 bilhões, no máximo. Acho que a reforma que foi feita é mais poderosa que isso. Se somarmos inclusive o pacote antifraude, é um número bem maior. Mas penso que é importante falar de outras reformas também. Não são só reformas macro. As reformas micro não são muito sexy, embora sejam igualmente importantes. Temos toda uma parte de saneamento que precisamos fazer em infraestrutura, a abertura comercial que está acontecendo, a lei de liberdade econômica, a desburocratização da vida do pequeno empreendedor.

O câmbio atual, com o dólar cotado a 4 reais, não é indicador de que algo não vai bem? De forma geral, o câmbio se desvaloriza quando há uma percepção pior do país. Mas não foi isso que aconteceu agora. Esse movimento de depreciação do câmbio não veio acompanhado de aumento de risco. Ele tem outros motivos técnicos por trás. Um deles é um movimento de pré-pagamentos de empresas. Elas estão vendo que a taxa longa do Brasil está baixa. Então, algumas já estão entendendo que é melhor trocar uma dívida em dólar por uma dívida em real. Esse processo gerou uma pressão no câmbio à vista. É a primeira vez na história recente que vimos esse movimento de pré-­pagamento.

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Quanto o empresariado brasileiro é afinado com essas propostas liberais? Acho que ele não é muito liberal por um vício criado pelo governo. Como o Estado brasileiro sempre foi o grande planejador, o grande incentivador e o grande investidor, todas as empresas privadas, de alguma forma, queriam estar penduradas em uma área do governo. Esse desmame, vamos dizer assim, é um tema que leva tempo. Mas há exemplos ótimos de empresas que se criaram sem o governo. Com os juros baixos, haverá mais gente colocando dinheiro no mundo real. O número de pessoas que investem em bolsa ficou estável em 600 000 durante muitas décadas. Hoje está em 1,3 milhão. Acreditamos na reinvenção do Estado com o setor privado, com dinheiro privado.

O senhor defende a privatização do Banco do Brasil e da Caixa? Posso dizer que defendo um Estado pequeno, o mínimo necessário, e um sistema competitivo. E posso dizer também que acho que é muito importante que o capital estrangeiro seja tratado da mesma forma que o capital local. Se queremos atrair um investimento, temos de passar a mensagem de que estamos tratando os dois de forma semelhante. Do mesmo jeito que acho que banco público e banco privado vão ter uma tendência de ter uma competição natural.

Publicado em VEJA de 16 de outubro de 2019, edição nº 2656

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