Retomada do comércio mundial é mais rápida que na crise de 2008
Maior disponibilidade de crédito, injeções trilionárias nas economias e rápida recuperação da China estão entre os principais motivos
Sem precedentes na história, a crise econômica causada pela Covid-19 tem uma característica interessante que a difere positivamente da desaceleração mundial que ocorreu em 2008 devido à crise do subprime: o comércio internacional se recupera a todo vapor. Dados do Kiel Institute for the World Economy, enviados a VEJA, mostram que em junho o comércio global de bens estava apenas aproximadamente 9% abaixo ao nível de fevereiro de 2020. Entre fevereiro e abril desse ano, a queda havia sido de 15%. A curva de recuperação é muito mais breve que a que ocorreu durante a crise da quebra do Lehman Brothers, quando o comércio global se recuperou apenas após oito meses do início da queda. “O comércio global parece estar reagindo muito mais fortemente hoje”, disse Gabriel Felbermayr, presidente do Instituto. “Em vez de um percurso da crise em formato de ‘U’, uma recuperação mais rápida indica um percurso em forma de ‘V’: queda acentuada e recuperação rápida”, diz ele.
Outro fator que mostra esse fenômeno é a atividade de navegação medida a partir da capacidade dos navios observados nas regiões de maior circulação de mercadoria do mundo. Na Ásia, na América e na Europa, o trânsito de navios já voltou ao normal e está na faixa esperada para o final do mês de agosto, em um cenário sem crise. Na Ásia, ele não apenas se recuperou, como também superou as expectativas para o mês de julho em volume de comércio. De acordo com a autoridade aduaneira chinesa, em julho de 2020 as exportações em dólar cresceram mais de 7% em relação ao mesmo mês do ano anterior. “A recuperação do comércio mundial está avançando. A situação atual é bem melhor do que a crise de 2009/09”, diz Felbermayr.
Um dos principais motivos dessa recuperação do comércio global se deve à diferença do papel da China na economia mundial em 2020 e em 2008. Há dez anos atrás, os Estados Unidos eram o principal player do mercado global, mas hoje quem detém o maior PIB industrial é a China. Além do crescimento robusto ao longo dos últimos anos, a China foi o país que durante a crise da Covid-19, se recuperou mais rápido do baque que a pandemia causou nas economias. O forte monitoramento da população permitiu que a crise fosse mais controlada, localizada e de menor duração do que nas demais nações do mundo. “Enquanto alguns países perderam mercado porque tiveram de parar de produzir, a China foi muito esperta e continuou fabricando. Ela está oferecendo produtos para o mundo todo e a preços baixos, ao mesmo tempo em que o mundo está comprando muito mais”, diz Paulo Roberto Feldmann, professor de Economia da USP. Exemplo disso são os recordes batidos este ano nas exportações brasileiras de soja, que tem a China como principal mercado consumidor. Alem disso, o governo chinês, que já apoia muito a sua indústria, aumentou os subsídios significativamente durante a crise.
Outro fator essencial para essa aceleração do consumo mundial são as injeções trilionárias nas economias pelos bancos centrais de seu governo. Do Brasil à Europa e aos Estados Unidos, em maior ou menor grau, empresas e pessoas físicas receberam montantes significativos dos governos em forma de auxílio, o que aumentou o consumo da população. Somados os pacotes de ajuda dados pelos governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, do Japão e da zona do euro, o valor é de aproximadamente 3,7 trilhões. No Brasil, por exemplo, o índice de pessoas que vivem na miséria em 2020 atingiu o menor patamar da história graças ao programa de transferência direta de renda.
Além disso, um ponto fundamental que difere a crise do coronavírus da crise do subprime, de maneira drástica, é a oferta de crédito dos bancos, essencial para o comércio internacional. “A crise de 2008 foi financeira. Quando os bancos quebraram, o crédito da economia mundial secou e ninguém sabia de quem emprestava. Quando isso acontece, toda a operação de importação e exportação é impactada, porque ela depende de fluxo financeiro”, diz o economista Roberto Luis Troster.
Os índices PMI divulgados nesta quarta-feira, 23, pela IHS Markit, que medem a atividade de compras no setor da indústria e dos serviços, são mais uma prova dessa tendência: em setembro o PMI industrial subiu para 53,5 nos Estados Unidos, o nível mais alto em 20 meses. Na Alemanha, o país com a economia mais forte da Europa, a mesma tendência é vista nos dados divulgados hoje: o índice em setembro foi de 56,6 em setembro, o maior nos últimos 26 meses. Não à toa, hoje uma das principais preocupações que pairam no radar dos economistas à frente das políticas monetárias dos países é a inflação.