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Ser verde dá retorno, diz Ricardo Mussa, presidente da Raízen

Executivo defende o etanol como chave da descarbonização no Brasil. Empresa busca ampliar os usos do combustível

Atualizado em 6 set 2024, 11h39 - Publicado em 26 jul 2024, 06h00

O Engenheiro de produção Ricardo Mussa conduz há quatro anos a Raízen, empresa criada em 2011 pelo grupo brasileiro Cosan e pela britânica Shell para atuar na distribuição de combustíveis e na produção de açúcar e etanol. Uma líder no setor, a Raízen faturou 220 bilhões de reais líquidos e lucrou 614 milhões no último ano. Sua estratégia é explorar os diversos usos da cana e aproveitar a agenda de descarbonização e transição energética, que prevê a substituição de combustíveis fósseis por fontes de energia renovável. “O coração da descarbonização está aí”, afirma. No escritório da Raízen em São Paulo — colorido de roxo, cor que representa a idade madura para a colheita da cana —, Mussa recebeu VEJA e falou da relevância da biomassa e de outros planos da companhia, como a expansão da rede de lojas de conveniência Oxxo, operada com o grupo mexicano Femsa, a exploração do etanol industrial e o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Confira a seguir os principais trechos da conversa.

Qual a relevância da cana-de-açúcar no processo de descarbonização? O coração da descarbonização está aí, na cana-de-açúcar. Vamos comparar com outras culturas, como a soja. Cada hectare de soja rende 3,5 toneladas de biomassa. No caso do milho, são 11 toneladas. Cada hectare de cana são 90 a 93 toneladas de biomassa. Ou seja, a cana é a planta mais eficiente na conversão de energia solar em biomassa, que é obtida do bagaço. Você esmaga a cana e retira o caldo, mas ele representa apenas um terço da energia da planta. Esse caldo é transformado em açúcar e etanol, um processo que já existe há 100 anos.

Se o processo já é conhecido, o que tem de inovador no uso da cana? A novidade para a transição energética está no bagaço, que é queimado e colocado numa caldeira. Isso produz vapor, que serve para rodar a própria usina, e bioetanol, ou etanol de segunda geração. Ou seja, é possível aumentar a produção de etanol sem precisar de um pé de cana a mais, transformando um resíduo em energia. O etanol já tem uma pegada de carbono muito menor que a da gasolina. O etanol de segunda geração, como vem do resíduo, tem pegada ainda menor e não compete com o alimento, porque é feito do bagaço.

O etanol tem vantagens frente a combustíveis fósseis, mas, em relação à energia elétrica, há vantagens? Sim. O etanol não precisa de bateria porque ele já é, em si mesmo, a bateria. Um carro elétrico da Tesla tem uma bateria cujo peso pode chegar a 600 quilos. A mesma energia que há nesse material há em 27 quilos de etanol. Por isso, dizemos que o etanol tem mais densidade energética que a bateria. Além disso, é mais fácil de ser transportado a longas distâncias. O Brasil já tem a vantagem de ser um produtor de energia solar, cujo armazenamento é caro, porque baterias são produtos caros. Por meio do etanol de segunda geração, é possível movimentar essa energia e de forma mais barata.

No segmento de energia, existem subsídios para os setores eólico e solar. No caso da descarbonização por etanol, há algo nesse sentido? Não. Estamos produzindo etanol de segunda geração em escala industrial sem subsídio nem investimento de banco de fomento. A produção de etanol de segunda geração já está comercializada para os próximos dez a quinze anos. O meu cliente já pagou pelo produto, a demanda já existe. E não estamos exportando apenas o produto, estamos exportando essa tecnologia, ou seja, como produzir etanol de segunda geração — e, inclusive, cobrando royalties por isso, porque patenteamos essa solução.

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“Para um investidor estrangeiro, eu tenho mais dificuldade em ‘vender’ o Brasil do que a Raízen”

Quem são esses clientes que já pagaram pelo produto de vocês? Quais são os mercados? Hoje, há mais demanda do que conseguimos atender. Por isso, precisamos seguir na construção das plantas e no aumento da produção. A Europa é um grande mercado para nós porque tem regras mais avançadas de descarbonização. O segundo grande mercado são os Estados Unidos, basicamente a Califórnia. O terceiro grande mercado é o Japão. São locais com padrões mais avançados de redução de emissões. Já os clientes são as grandes companhias de petróleo e as indústrias químicas.

Então, o etanol serve não apenas para a descarbonização de combustíveis. Exato. Hoje, mais de 60% da nossa produção é o que chamamos de etanol industrial, mesmo o de primeira geração. Ele é usado no plástico, na indústria farmacêutica, na indústria de tintas e químicos, na indústria de bebidas. São vários setores da economia em descarbonização, com o etanol tanto de primeira como de segunda geração no centro. No Brasil, o carro flex, que consome gasolina ou etanol, já é uma realidade há muitos anos e é um mercado cativo que também cresce, mas o que mais cresce para nós são os mercados de etanol industrial.

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Nessa agenda de transição energética, um importante plano é o combustível sustentável de aviação (SAF). Como funciona? O mercado de aviação responde por 3% das emissões globais e é um setor muito difícil de descarbonizar. O segmento de aviação, principalmente executiva, tem metas de descarbonização muito claras de curto prazo. Na Europa, até 2027, já há mandato de substituição do combustível de jato (JET) pelo SAF. É possível fazer o SAF a partir de óleo vegetal e de etanol. O problema do óleo vegetal é que não tem disponibilidade suficiente, precisaria de uma quantidade enorme. O etanol, porém, tem volume, então consigo firmar contratos de longo prazo, já que o abastecimento está garantido. Exportamos o nosso etanol, por exemplo, para a Geórgia, nos Estados Unidos, para a produção do JET.

Além da aviação, há empregabilidade do etanol como combustível para outro ramo? Sim, outra demanda é o bunker oil, o combustível de navios. É outro setor difícil de descarbonizar. Como fazer um navio elétrico, que atravesse oceanos sem precisar reabastecer? A solução passa por motores flex, como os que a empresa finlandesa Wärtsilä está desenvolvendo, em que você pode usar o etanol com outros combustíveis. A vantagem é enorme porque a infraestrutura para navegação já está lá. O Brasil tem tudo para dar certo nessa frente, o governo só não pode atrapalhar.

Como assim? Quando converso com um investidor estrangeiro, eu tenho mais dificuldade em “vender” o Brasil do que em “vender” a Raízen. Ele entende o meu plano de negócio, com números e produtos. Mas tenho que gastar uma parte do tempo explicando que a cana-de-açúcar está longe da Amazônia, por exemplo, porque, ao pensar em Brasil, também se pensa em desmatamento. Também é preciso ter segurança jurídica, com regras que serão seguidas, com menos interferência e menos surpresas em tomadas de decisão e discussões que envolvam o governo. O investidor estrangeiro não tem dúvida do potencial do Brasil, mas tem receio do risco.

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Há um processo de evolução das antigas usinas de processamento de cana dentro da Raízen. Ele valerá para todas as usinas? Antigamente, chamávamos de usina de cana-de-açúcar, hoje chamamos de bioparque de energia. É uma mudança relevante porque, no passado, só se fazia açúcar na usina. Agora, fazemos açúcar, etanol, eletricidade, etanol de segunda geração, biogás, biometano. Todas as nossas unidades estão no caminho de se tornarem bioparques de energia, dotados de equipamentos com redução de emissão de gases. E os clientes pagam um prêmio por isso. Sustentabilidade também tem retorno associado, é um bom negócio.

“Investimos 13 bilhões de reais em 2023. Nos próximos anos, teremos um aumento da geração de caixa”

A Raízen opera no Brasil, em parceria com a Femsa, a marca de lojas de conveniência Oxxo, que já existe no México. Há planos de expansão? Temos mais de 8 000 postos de combustíveis dos nossos revendedores, entre Brasil, Argentina e Paraguai, mas temos em torno de 2 000 lojas de conveniência. Por isso, montamos com a Femsa uma sociedade que se chama Grupo NÓS. A marca Select está nos postos de combustíveis e a Oxxo é a marca de rua, com preços competitivos e perto do consumidor. O potencial é enorme, mas não temos uma meta estabelecida. Testamos o modelo em São Paulo e em Campinas. Agora, estamos na Baixada Santista. A Oxxo tem mais de 500 lojas, e a Select, mais de 1 700, considerando Brasil, Argentina e Paraguai. É um projeto ambicioso, mas ainda está no começo, tem apenas três anos.

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Na safra 2023-24, a Raízen produziu 3,1 bilhões de litros de etanol e 5,8 milhões de toneladas de açúcar. O que esperar daqui para frente? Talvez tenhamos uma pequena queda na próxima safra porque o clima na safra anterior foi muito bom, mas não vai mudar a nossa produção de forma substancial. Eu diria que teremos uma safra parecida com a anterior. Mas teremos muita expansão com as entregas. Estamos em uma fase de colheita do que a gente plantou. Ao longo dos últimos três anos, fizemos muitos investimentos. Só no ano passado foram 13 bilhões de reais. Agora, o que o investidor verá é um aumento da geração de caixa nos anos seguintes. Isso não quer dizer que vamos parar os investimentos; vamos continuar na construção das plantas. Mas este é um ano de mais entrega e acredito que será assim nos próximos três anos.

Qual a expectativa em termos de novas plantas industriais? O primeiro foco da companhia é sempre a melhoria da produtividade agrícola. Somos uma das maiores empresas agrícolas do mundo, então sempre cuidamos bem da biomassa, porque ela é a nossa essência. Estamos nos nossos melhores anos de recuperação do canavial. O segundo foco é a expansão dessas novas frentes, como o etanol de segunda geração. Neste ano, já tivemos a inauguração da planta de Guariba (SP). Na segunda metade do ano, teremos mais duas plantas. Estamos num bom caminho.

Publicado em VEJA, julho de 2024, edição VEJA Negócios nº 4

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