Salim Mattar: ‘Para se reeleger, político não adota medidas impopulares’
Ex-secretário de privatizações critica segundo mandato e considera aproximação com o Centrão uma necessidade; venda dos Correios acontecerá "em breve"
Um animal privado. É assim que o ex-secretário de desestatização, Salim Mattar, se apresenta. Escolhido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como dono da agenda de privatizações, o ex-presidente da Localiza pediu demissão do governo em agosto, graças às dificuldades de se engendrar as vendas de empresas. No começo do governo, o presidente Jair Bolsonaro e Guedes chegaram a conclamar a privatização de “uma estatal por dia”, o que se mostrou muito mais difícil do que o desejado pela equipe econômica. A gestão de Bolsonaro ainda não conseguiu vender sequer uma empresa por completo, ou desmantelar aquelas que não precisam nem de autorização do Congresso Nacional, mas o ex-secretário garante que a privatização dos Correios acontecerá “em breve”, depois dos movimentos em torno da modelagem da concessão finalmente avançarem. Em entrevista a VEJA, Mattar diz que não há entraves significativos por parte do Legislativo em torno das privatizações e atribui a censura do presidente em torno das privatizações de Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Petrobras como um “tino político” por parte de Bolsonaro. Para ele, a reeleição é um mal que desmotiva o chefe do Executivo a adotar medidas impopulares com potencial ganho econômico e atribui aos “34 anos de social-democracia” os grandes males do país.
Qual a sua participação na privatização dos Correios e a agenda pode, finalmente, caminhar? O ministro Fábio Faria é uma jovem liderança em ascensão e a favor da agenda de privatizações. O ministro tem o desafio de privatizar os Correios e a Telebras, e a coisa está caminhando. Depois da recriação do Ministério das Comunicações, verifica-se que já tem até a legislação em andamento. O ministro acelerou esse processo, o que significa que teremos a privatização dos Correios em breve. Não posso precisar quando, mas está garantido que estamos no caminho certo. Quando estava lá, não estávamos no estágio técnico das possíveis judicializações em torno de princípio da universalização, que se discute agora. Esse projeto de lei apresentado foi desenhado depois da minha saída. Hoje, não poderia opinar, porque a modelagem não é do meu conhecimento.
A determinação de que os Correios estejam em todos os municípios pode motivar resistência para a venda? Isso como entrave é uma mentira da esquerda, dos que não querem a privatização. A Caixa Econômica Federal está em mais municípios do que os Correios, assim como as loterias. As pessoas que são contra as privatizações e a esquerda implementam estas falácias. Quem vai entregar carta na Amazônia?, perguntam eles. Falácia, principalmente dos sindicatos e funcionários.
Mas o que mudou desde que saiu do governo? Na ocasião, o senhor apontou divergências entre a classe política e a equipe econômica em torno da agenda. Em relação aos Correios, não. Desde o primeiro momento esta empresa estava com a privatização prevista, está no PPI [Programa de Parcerias Incentivadas]. Não há divergência em relação aos Correios. Não há resistência do Congresso Nacional em relação à privatização dos Correios. Existem, o que é natural, alguns segmentos, partidos mais à esquerda, alguns deputados com relação com sindicatos. Existe alguma minoria contrária, o que é natural em uma democracia como a nossa. A grande maioria é favorável à privatização dos Correios.
Quando o senhor saiu do governo, comentou da dificuldade política de dar vazão à agenda. Como avalia a aproximação do governo com os partidos do Centrão? Quando o candidato Jair Bolsonaro fazia seus discursos de campanha, ele sempre dizia: “Não vai haver toma lá, dá cá”. Depois de 18 meses de governo, não passava nenhum projeto do governo. A democracia brasileira, de alguma forma, foi assim constituída ao longo destes 34 anos de social-democracia no governo. Sempre houve uma grande participação dos partidos nos ministérios e estatais. Sem ser assim, o presidente não passava projetos. É muito difícil para que o presidente governe sem ter maioria na Câmara. Foi necessário buscar apoio e Bolsonaro, sabiamente, vendo que precisaria deste apoio, buscou alguns partidos do Centrão com o objetivo de apoiar a gestão e passar projetos. O governo tenta constituir maioria para facilitar esse processo.
A aproximação tem a ver com sua saída, porque havia resistência por parte de alguns políticos ao seu trabalho? Eu já estava amadurecendo a ideia de sair havia algum tempo. Eu sou um animal privado e ponderei entre o esforço despendido e os resultados obtidos. Chegou a um ponto que tínhamos 14 estatais no pipeline para privatização e eu, então, senti que não poderíamos fazer mais do que aquilo em 2021 e pensei que fosse oportuna minha saída do governo, porque não despenderia tanta energia sem obter os resultados desejados. Não houve nada de Centrão, ou pressão. Enquanto estive na secretaria tive apoio do presidente e do ministro Paulo Guedes, visto a falta de nomeações políticas durante o meu período à frente das desestatizações.
Como vê essa situação entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho e que vertente de política econômica vê vencedora neste imbróglio? Na minha leitura, essa rivalidade não existe mais. Aconteceu no início da pandemia, mas já está acertado. Os ministros parecem estar concordantes em não furar o teto de gastos. Isso é muito mais fumaça do que qualquer outra coisa. Não estou mais no governo, mas acredito que não exista mais essa rivalidade. O que sei é que existe uma vontade do ministro Guedes de, efetivamente, dar vazão a uma política fiscal eficiente para gerar credibilidade dos investidores no Brasil e para que as agências de rating possam perceber que estamos no caminho certo. Por outro lado, o ministro Marinho é um realizador e deseja fazer obras. Ele precisa de dinheiro, é natural. As discussões sobre onde alocar os parcos recursos e conversas são da política. Existe mais uma discussão democrática do que desavença entre eles.
Existe uma discussão quanto ao financiamento do Renda Brasil. Uma alternativa apresentada foi usar recursos das privatizações e da reforma administrativa para pagar o projeto. É viável? A gente aprende em Economia que governar é alocar recursos. Podemos fazer uma radiografia de um governo a partir de onde ele injeta dinheiro. O Brasil tem uma desigualdade enorme, que é fruto dos 34 anos de governos sociais-democratas. Nós temos 11 milhões de analfabetos e de quem é a culpa? Do Bolsonaro, que tem menos de dois anos de governo? Ou dos 34 anos da social-democracia no governo? O país, de certa forma, gerou muita desigualdade e o governo precisa fazer alguma coisa porque descobriu, durante a pandemia de Covid-19, que existem 60 milhões de brasileiros necessitando de ajuda. Existem 30 milhões de brasileiros com carteira assinada, mas 12 milhões de servidores públicos. Essa correlação é correta? Os pagadores de impostos trabalhando para arcar com o custo do funcionalismo?
E qual a solução? Uma reforma administrativa. Deveríamos, como país em desenvolvimento, gastar menos que a Inglaterra ou os Estados Unidos com os servidores públicos, mas gastamos mais. Isso é má alocação de recursos. São 320 bilhões de reais gastos a mais com o funcionalismo do que em países desenvolvidos. Estes recursos poderiam ser utilizados para o programa. Os governos que antecederam o de Bolsonaro alocaram indevidamente os recursos em algo nocivo para o cidadão.
A lei que determina que o dinheiro oriundo das privatizações seja usado para abater dívidas. É lei, claro, e pode ser mudada no Congresso Nacional. Faz sentido mudar a lei e aplicar esse dinheiro para cuidar dos mais necessitados. O governo pratica um crime ao ser empresário. O governo é banqueiro, tem companhias. A Constituição diz que o Estado só pode deter empresas de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo. Desde quando banco envolve segurança nacional ou interesse coletivo? A mesma indagação faço em relação a deter empresas de petróleo ou transportadoras, como os Correios. A Constituição está sendo violada, pelos governos anteriores e por este governo, enquanto detiver empresas. Essas companhias valem 1 trilhão de reais. Se pudéssemos vender, reduziríamos a dívida pública do país, que está monstruosa. A pandemia fez com que os gastos ultrapassassem 90% do PIB. É muito melhor cuidar do ambiente fiscal, gerar crescimento e credibilidade. Pode construir casas, conceder crédito nas periferias, arcar com o Renda Brasil.
O presidente Bolsonaro já disse que não quer vender Caixa, Banco do Brasil ou Petrobras. Como vê essa limitação por parte do presidente? Pelo ministro Guedes, se privatizaria tudo, assim como na minha concepção. O presidente tem um tino político, um senso da política. Precisa de apoio no Congresso de alguns partidos. Muitas vezes ele não pode fazer o que deseja, mas o que seus aliados desejam, como foi nos últimos anos no Brasil. Na verdade, está além do presidente Bolsonaro a tomada de decisões a respeito das privatizações. Depende de um grupo que, hoje, o apoia.
Uma das principais resistências à privatização da Eletrobras era de bancadas do Norte e Nordeste. O senhor acredita que a desestatização é viável, a partir destas alianças? Quando eu estava no governo, eu não via resistência das bancadas do Norte e Nordeste, não. O que havia era descontentamento em relação à modelagem. O senador Eduardo Braga (MDB-AM), junto ao ministro Bento [Albuquerque, de Minas e Energia] e a Eletrobras desenharam uma modelagem factível que agradava não só ao governo, mas ao Ministério e ao Congresso Nacional. Estão costurando uma modelagem que agrade aos grupos, o que é normal em uma democracia. Se não fossemos uma democracia, o governo teria mais facilidade, mas nem sempre seria o caminho mais correto. A democracia requer esse tipo de entendimento. Havia resistência de pequenos grupos, mais à esquerda, mas o Congresso é favorável à privatização da Eletrobras.
Uma das críticas à privatização neste momento é de que as empresas estão desvalorizadas por causa da pandemia. O preço de venda hoje é deficitário? Isso é uma falácia. Os Correios têm prejuízo de 11,5 bilhões de reais no fundo de pensão, o Postalis. Existe outro rombo de 3,5 bilhões de reais nos planos de saúde. Se deixar lá por mais cinco anos, esses 15 bilhões de reais virariam 30 bilhões de reais. A verdade: quanto mais rápido vender, melhor para o governo. Essa história de aumentar o valor dos Correios para vender é uma falácia de quem pretende continuar administrando a empresa. É mentira. Quem paga esse prejuízo sou eu e você, então temos que nos livrar o mais rápido possível.
O que tem feito desde que deixou a secretaria? Desde que saí do governo, tomei a decisão de não voltar às empresas. Sou um cidadão que tem a missão de ajudar o país disseminando as ideias liberais e, de alguma forma, contribuir para que tenhamos um Brasil com menos desigualdade. Nunca tivemos no país um governo liberal, nestes 520 anos. Foram de diversas matizes, mas é a primeira vez que chega um presidente com uma agenda conservadora e um ministro da Fazenda liberal, mas sem a maioria no Congresso.
Mas não se pode considerar o governo dos presidentes Fernando Collor de Mello, com a abertura da economia, e de Fernando Henrique Cardoso, que avançou com uma agenda de privatizações, como governos liberais, por exemplo? Não. O governo do Fernando Henrique Cardoso foi o mais social-democrata de todos os nossos governos, que são reconhecidos por aumentar o tamanho do establishment. Aumentar o número de servidores, os salários deles. Um governo liberal reduz o tamanho do Estado. O Collor até tentou reduzir o tamanho do Estado, mas as pessoas que ele demitiu ganharam processos na Justiça. Ou seja: o establishment votou a favor daquelas pessoas, que foram readmitidas. Foi um governo curto e intempestivo, num momento crítico. Mas não podemos dizer que houve esse governo, foi interrompido e turbulento.
As privatizações dos serviços de energia e telecomunicações, nos anos 1990, não podem ser consideradas medidas de diminuição do tamanho do Estado? É verdade, mas as privatizações do Fernando Henrique Cardoso aconteceram porque ele tinha maioria no Congresso. Como o PSDB angariou isso? Com o instituto da reeleição. Isso gerou um problema não só no Brasil, mas na Venezuela, no Equador e na Bolívia. Lá também implementaram um segundo mandato e deu no que deu. Sou pessoalmente contrário à reeleição, porque o político eleito como prefeito, governador ou presidente não toma medidas impopulares porque quer se reeleger. O primeiro objetivo de um político é se eleger. O segundo objetivo de um político é se reeleger. O terceiro é cuidar dos interesses públicos.
Acontece isso, hoje, com o presidente Bolsonaro? O Bolsonaro tem uma característica interessante porque foi um líder eleito, teve um mandato dado por 57 milhões de brasileiros e continua com elevada aceitação. Então, o que acontece quando ele tem popularidade em alta? Ele segue uma tendência a se reeleger. É muito difícil um governante tomar a decisão de dizer que não quer ser reeleito e que fará apenas um mandato, e adotar medidas impopulares para consertar a economia. Quando há a perspectiva de um segundo mandato, já que a lei possibilita, o político age de acordo com a lei e adota um tom mais cuidadoso com as medidas para ser reeleito, já que boa parte da população está aprovando. É natural.