Segunda metade do governo Bolsonaro se inclina para populismo econômico
Com intuito de agradar eleitorado, presidente acena com medidas que se contrapõem à austeridade fiscal defendida por Paulo Guedes, o que irrita o mercado
O presidente Jair Bolsonaro cumpriu com a palavra. Em meio ao rebuliço causado pelo anúncio de que retiraria o diretor-presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, por causa dos reajustes nos preços dos combustíveis, o chefe de Estado decidiu zerar PIS e Cofins do diesel e do gás de cozinha, como havia dito que faria. A surpresa foi que, como contrapartida a essa isenção, que retirará 3,6 bilhões de reais aos cofres públicos e que visa a atender os caminheiros que reclamam do preço do diesel, o governo irá aumentar os impostos sobre bancos, com efeitos também na indústria química. Para muitos, a escalada ‘populista’ de Bolsonaro, da qual a intervenção na Petrobras é apenas o último e mais espalhafatoso capítulo, pode colocar em xeque o trabalho do ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Não me surpreende que Bolsonaro tenha mostrado a faceta que todos esperavam, só acho que veio antes do esperado”, diz Elena Landau, ex-diretora de Privatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Social, o BNDES. “Ele partiu para a fase intervencionista do governo.”
Há um temor de que Bolsonaro adote uma linha mais expansionista até o fim de seu mandato, colocando em risco a austeridade fiscal empregada por Guedes e sua equipe. Além da intervenção pública na Petrobras, Bolsonaro também já se estranhou com André Brandão, o presidente do Banco do Brasil, e ‘fritou’ o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que ocupou a presidência do BNDES de janeiro a junho de 2019. Em todas as ocasiões, as atitudes do presidente da República causaram uma indigestão no mercado financeiro, e isso está se acentuando agora.
“A percepção de risco se elevou. Hoje, há um temor maior que no ano passado de que possam ocorrer novas medidas intervencionistas ou populistas. Alguns analistas de mercado observam um enfraquecimento das posições do Paulo Guedes dentro do governo. As privatizações, por exemplo, não andaram, e as reformas estão em passos lentos”, analisa Sergio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Operações do Mercado Aberto do Banco Central e atual consultor da Ohmresearch.
Não são poucos que consideram que a posição de Guedes como superministro a favor do mercado e com independência de ações está com seus dias contados no governo. Mas pode não ser bem assim. A despeito da dificuldade de não conseguir deixar sua marca na retomada da economia depois de anos de descalabros nas contas públicas e com um 2020 prejudicado pela pandemia do novo coronavírus, o ministro tem sido relevante para frear os gastos de Bolsonaro, que intervém com mais constância na áreas de forma que aumente as suas chances de reeleição como presidente do país.
“Apesar da percepção de o Guedes estar mais fraco do que antes, ele está se contrapondo a exageros por parte do governo do ponto de vista do equilíbrio fiscal. Se, por acaso, mais para frente, o Guedes sair, a economia sofrerá muito”, analisa Goldenstein. “A questão agora não é nem a execução dos planos do Guedes para a economia. Isso, a gente já viu que está num ritmo muito lento e a agenda do Congresso agora é outra, mais voltada para as eleições de 2022. Mas Guedes serve como um freio a medidas expansionistas ou intervencionistas. Se ele sair, a avaliação do mercado será muito negativa, independentemente de quem entre em seu lugar.”
A volta do auxílio emergencial, vista como uma necessidade de salvar a economia frente uma evolução irregular da imunização, seria a oportunidade para Guedes imprimir medidas compensatórias sólidas. Mas isso corre risco com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial que tem sido desidratada no Congresso Nacional. A votação deve ocorrer nesta quarta-feira, 3, no Senado. A falta de contrapartidas consistentes pode levar o Brasil a ter uma situação fiscal ainda mais deteriorada nos próximos anos.
“O que está se vendo agora nessa PEC Emergencial é que as contrapartidas são fracas. O quadro fiscal do Brasil é grave e há um risco de ele continuar se deteriorando, o que, por consequência, gera um aumento do prêmio de risco para os investimentos e leva a uma performance relativa pior dos ativos brasileiros, seja o mercado de câmbio, o mercado de juros e também a bolsa”, explica Goldenstein. “Se esse tipo de preocupação aumentar, o câmbio será afetado, pode haver um impacto inflacionário e, ao mesmo tempo, haverá um aumento da incerteza, o que tende a reduzir os indicadores de confiança, seja dos empresários ou dos consumidores.”
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