O Senado aprovou neste sábado, 2, projeto de lei de ajuda da União de 120 bilhões de reais para Estados e Municípios. Controverso, o texto inclui a suspensão de 60 bilhões de reais em pagamentos de dívidas desses entes, que já havia sido determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para 19 Estados e o total a ser economizado com o adiamento de reajustes salariais para funcionários públicos. A rigor, o auxílio direto aos governos estaduais para repor perdas de arrecadação de ICMS e ISS será de 60 bilhões de reais.
O projeto foi debatido remotamente, uma vez que os senadores não puderam se reunir no plenário por causa da pandemia de coronavírus. Foram 79 votos a favor e um contra – proclamados às 11h08, depois de seis horas de apreciação da Casa. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, afirmou antes da votação que os parlamentares chegaram a uma “encruzilhada” e “viveram em clima muito tenso” com a aprovação do texto original pela Câmara dos Deputados. “Confesso que ouvi de muitos senadores que este seria um grande desafio”, afirmou, ao qualificar a sessão como histórica.
O texto vindo da Câmara foi profundamente alterado em um acordo entre Alcolumbre e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na sexta-feira 1, os secretários estaduais de Fazenda fizeram ligações e convocações imediatas de reuniões com seus assessores assim que surgiram os burburinhos sobre o pacto. Em um primeiro momento, nenhum deles entendeu muito bem o critério de distribuição do auxílio. Tanto que, apesar de o resumo escrito por Alcolumbre rodar pelos aplicativos de mensagem da classe política desde as 16h de sexta-feira, o governador de São Paulo, João Doria, só recorreu ao Twitter no começo da noite. E para reclamar.
“A modificação proposta pelo Senado no projeto de ajuda aos Estados e Municípios não atende a reposição da perda de arrecadação. A proposta desprezou o ponto fundamental do projeto original. Sem isso, não haverá recursos para saúde, segurança, educação e pagamento dos servidores”, postou o governador paulista.
O presidente do Senado e o ministro da Economia costuraram um meio-termo entre as propostas aprovadas pela Câmara dos Deputados, que previa o desembolso de 86,9 bilhões de reais para recompor as perdas de arrecadação de ICMS, para os estados, e de ISS para os municípios. Guedes torceu o nariz. Como o texto idealizado pelos deputados não colocava entraves, ele temia que o projeto virasse um “cheque em branco” para os governadores. Sua equipe, em contrapartida, desenhou um projeto substitutivo, de transferência direta de 40 bilhões de reais — o que, como mostra VEJA, não seria suficiente para contribuir de fato com a saúde fiscal dos entes federativos.
Guedes, então, procurou Alcolumbre para alinhar os ponteiros e costurar um projeto bom para governadores e para a União. O texto engendrado pelos dois prevê o repasse de 60 bilhões de reais em transferência direta para as contas das Prefeituras e dos Estados. Desse montante, 10 bilhões serão transferidos diretamente para os sistemas municipais e estaduais de saúde para o combate ao coronavírus nos hospitais. Além dossi, prevê a suspensão do pagamento das dívidas, que somam outros 60 bilhões, que já estava garantida por decisão do STF.
Como contrapartida, foi inserido no texto — de relatoria do próprio Alcolumbre — a prerrogativa de suspender o aumento de salários para funcionários públicos federais, estaduais e municipais por 18 meses. Nas contas de Guedes, a medida representa uma economia de 120 bilhões de reais no período.
O estado que deverá receber o maior montante é São Paulo, com 5,5 bilhões de reais, seguido de Minas Gerais e Rio de Janeiro, que terão 2,4 bilhões de reais e 1,6 bilhões de reais, respectivamente. O Rio Grande do Sul vem em seguida, com 1,6 bilhão de reais. Nos bastidores, a repartição foi malvista pelos governadores do Norte e do Nordeste, que interpretam que os estados com menor dependência do Governo Federal – em condições normais, evidentemente – serão mais beneficiados.
Os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste são mais autossuficientes pela arrecadação de impostos, enquanto os nortistas e nordestinos necessitam de mais repasses da União para fechar as contas. O projeto, teoricamente, leva em consideração a parcela dos repasses para fundos dos estados, a participação dos entes nas transferências previstas pela Lei Kandir e a população total. Mas não inclui a queda de arrecadação prevista nem a situação de saúde pública, o que incomodou os governadores.
As lideranças dos estados reclamam dos critérios confusos e também por não terem sido consultados pelo ministro da Economia e pelo presidente do Senado para a consolidação do projeto. “Para nós, os valores são insuficientes. Só em abril, quando ainda houve reflexo de março e os comércios funcionavam no começo do mês, perdemos mais de 600 milhões de reais em arrecadação. Maio e junho serão meses piores”, projeta o secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho. “Está muito abaixo das necessidades dos estados, e isso provocará reflexos em longo prazo no crescimento do país”, projeta.
Como foi alterado, o projeto de lei deverá retornar para a Câmara dos Deputados, onde a votação está prevista para a próxima semana. A expectativa é de aprovação pelos deputados e de liberação da primeira parcela da ajuda aos estados e Municípios em meados do mês.