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Sergio Furio, CEO da Creditas: ‘Banco Central não quer mais oligopólio’

Com pandemia, a fintech atua para suprir demanda de crédito a empresários e se prepara para ser uma das beneficiadas da agenda digital da autarquia federal

Por Felipe Mendes Atualizado em 20 ago 2020, 13h42 - Publicado em 20 ago 2020, 12h55
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  • A elevação da incerteza financeira devido à pandemia do novo coronavírus provocou a escassez de linhas de crédito das instituições financeiras mundo afora. Mas não para a fintech de empréstimo com garantia Creditas. Fundada em 2012, como BankFacil, a startup viu sua carteira mudar nos últimos meses. Se seus empréstimos são destinados prioritariamente a pessoas físicas em tempos normais, pode-se dizer que a Covid-19 trouxe uma gama de empreendedores para seu portfólio. “Desde o começo da pandemia, a fatia de empresários tomando crédito na Creditas é de 60%, em relação aos empréstimos pessoais. Isso foi uma virada na nossa carteira. Os pequenos e médios empresários se tornaram os nossos principais clientes”, diz o espanhol Sergio Furio, CEO e fundador da fintech.

    Cotada para ser classificada em breve como um unicórnio, designação das startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares, a Creditas prefere se identificar como um camelo e vê, mesmo em tempos de Covid-19, seu faturamento crescer de forma acelerada. “O nosso objetivo é triplicar o tamanho do nosso crescimento a cada ano, de forma sustentável. Com a pandemia, nós sofremos mais no segundo trimestre, mas já recuperamos as nossas taxas históricas desde julho”, diz. Para continuar se desenvolvendo, a fintech acaba de lançar o Creditas Home, com o intuito de fazer a troca, venda, compra ou reforma dos imóveis de seus clientes. “Nos Estados Unidos, você tem a figura do corretor de compra e do corretor de venda. Aqui no Brasil, só existe o segundo tipo. Nós vamos criar o papel do conselheiro de compra, mapeando as melhores ofertas de acordo com o lugar onde o cliente quer morar, e preparando a reforma para ele”, diz Furio.

    Devido à pandemia, as pequenas e médias empresas estão sofrendo com a falta de acesso a linhas de crédito. A Creditas conseguiu suprir parte desse aumento na demanda? Sim. Definitivamente, nós vimos um aumento de demanda no geral. Mas dividimos os nossos clientes em dois segmentos. Um deles seria o de empréstimos a pessoas físicas com carteira assinada, aposentados e funcionários públicos. Por outro lado, temos o autônomo e o pequeno empresário. A demanda foi muito diferente para cada um desses públicos. No primeiro público, com celetistas e aposentados, a demanda caiu, porque não houve uma aceleração nas demissões que se imaginava. O aumento de desemprego foi relativamente baixo. Com o trabalho remoto, essas pessoas ficaram mais em casa, deixando de consumir com viagens, carros e alimentação fora do lar. Isso é uma boa notícia. O outro lado da moeda é o que tinha investimentos em renda variável, o autônomo e o pequeno empreendedor. Eles conseguiram manter despesas semelhantes ao que tinham antes da pandemia, mas a receita deles quase que sumiu. Com esse desajuste de fluxo de caixa, eles recorreram ao mercado para buscar crédito. A demanda que mais aumentou nos últimos meses foi para os pequenos empreendedores.

    Hoje, como funciona essa divisão? Desde o começo da pandemia, a fatia de empresários tomando crédito na Creditas é de 60%, em relação aos empréstimos pessoais. Isso foi uma virada na nossa carteira. Os pequenos e médios empresários se tornaram os nossos principais clientes. Em quatro meses de pandemia, nós levantamos 500 milhões de reais para emprestar aos nossos clientes. Estamos com as torneiras abertas, mas não paramos de crescer um mês sequer. Em julho, já colocamos o pé no acelerador ao máximo e voltamos a crescer próximo a patamares históricos.

    Com a pandemia, a inadimplência dos clientes aumentou? A inadimplência hoje está no mesmo nível que estava em março. Tivemos impacto zero. A inadimplência dos funcionários celetistas caiu, inclusive. Já a do autônomo e pequeno empresário subiu um pouco.

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    Como vai funcionar a Creditas Home? Quais são desafios desta nova empreitada? Nós temos três produtos de crédito core, que são o crédito com garantia do carro, da casa ou do salário. Estamos muito perto das coisas que mexem com a vida de grande parte dos brasileiros. Até o meio do ano passado, a Creditas era uma fintech de crédito. Mas nós fizemos uma mudança estratégica, em que passamos a ser, também, uma empresa de soluções. Não queremos só entregar o crédito, como oferecer soluções completas para o cliente dentro desses três grupos de atuação: casa, carro e salário. No fim de 2019, lançamos a Creditas Store, um e-commerce focado no salário, onde os funcionários de empresas conveniadas conseguem comprar diversos produtos, como celulares, televisores e eletrodomésticos, e pagar direto com o salário, sem precisar de um cartão de crédito ou boleto para isso. O pagamento é descontado diretamente do salário do cliente. Com isso, resolvemos a vida dele. O Creditas Home é equivalente a isso. Nós temos contratos com duração de 15 anos com a maioria dos clientes. Queremos ajudar nas diferentes coisas que tem a ver com seu imóvel. E isso seria ajudá-lo a reformar, comprar, vender ou trocar de imóvel. São os quatro tipos de serviço para o lar que ele precisa. O que nós fizemos foi criar efetivamente um sistema desses produtos em volta do cliente, não fornecendo só a liquidez, como todos esses serviços e acessórios.

    Mas como isso funciona na prática? Quando o cliente vai pagar uma conta por meio do aplicativo móvel, ele vê que tem uma oferta para fazer a reforma da casa dele. E a Creditas coordena todo esse processo. Sentamos-nos com o cliente, fazemos uma renderização 3D para mostrar como esse imóvel ficaria, e contratamos um arquiteto da Creditas para preparar o que seria o projeto executivo, que são as plantas e os materiais. Validamos esse projeto com o cliente e iniciamos a execução dessa obra. Mas também auxiliamos no processo de mudança de imóvel, fazendo um estudo do preço máximo que esse cliente vai conseguir obter por esse imóvel e, de novo, mostramos como o projeto poderia transformar essa habitação antes de comercializá-lo. Nos Estados Unidos, você tem a figura do corretor de compra e do corretor de venda. Aqui no Brasil, só existe o segundo tipo. Nós vamos criar o papel do conselheiro de compra, que é quem briga pelos interesses do cliente, mapeando as melhores ofertas de acordo com o lugar onde ele quer morar, e preparando a reforma do imóvel. A nossa ideia é estender o ciclo da nossa relação com esse cliente.

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    O Banco Central deve lançar em breve o sistema de pagamentos instantâneos PIX e o open banking. Como a Creditas vai se beneficiar disso? O presidente do regulador do mercado financeiro brasileiro é muito bom. Ele é a favor da concorrência no setor. O Roberto Campos Neto não gosta do oligopólio bancário. Ele quer que tenham mais empresas para oferecer o serviço ao cliente. O Banco Central tem fomentado essa visão. A primeira iniciativa que aconteceu no mercado de fintechs provedoras de crédito foi a criação da SEP (Sociedade de Empréstimos entre Pessoas). Isso nos permitiu reduzir custos e, sobretudo, oferecer melhores taxas de juros para os clientes, melhorando a experiência deles. O Banco Central tem uma atuação muito próxima a nós. Ele abre as portas e nos pergunta quais são os entraves. Nas nossas reuniões, sempre trazemos a questão do débito automático. É um saco. Os bancos não querem abrir esse negócio facilmente e acaba forçando o cliente a pagar com boleto bancário. Então, veio a proposta de, em vez de criar um sistema de débito automático, criar um sistema de pagamentos instantâneos. Isso foi música para os nossos ouvidos.

    A Creditas já está preparada para essa transformação? Entramos na turma das primeiras empresas que vão oferecer o PIX em outubro. Já temos um time de desenvolvimento trabalhando nesse processo desde o começo do ano. Com o sistema de pagamentos instantâneos, se permite uma nova experiência de pagamento. Ele diminuir as taxas existentes, o que vai estimular a concorrência de baixo custo. Estamos empolgados com o PIX. O open banking é a mesma história. Ele vai permitir com que consigamos acessar as informações do cliente. Hoje, eu ainda tenho de pedir para o cliente mandar o extrato bancário em PDF para comprovar a renda, porque o autônomo não tem holerite para comprovar. Ele me manda o extrato e nós desenvolvemos uma tecnologia que faz leitura desse PDF. Com o open banking, nós teremos acesso às informações desse cliente para recomendar as melhores soluções para ele. Foi mais um golaço do Banco Central. Mas, o open banking só terá um impacto significativo no mercado em 2022. A gente preferia que esse processo fosse um pouco mais rápido, mas os bancos tradicionais preferem fazer as coisas um pouquinho mais devagar.

    O imposto sobre transações eletrônicas, que está sendo defendido pelo ministro Paulo Guedes, joga contra essa agenda digital do Banco Central? Eu acho que tem que ter carga tributária, mas ela deve estar no lugar certo. Colocar um imposto sobre transações eletrônicas não me parece o ideal. O que eu acho importante é que a reforma tributária simplifique. Se você colocar um imposto sobre transações eletrônicas, é necessário tirar esse imposto de outro lugar. O IOF, por exemplo, já está obsoleto. Com a Selic a 2% ao ano, o brasileiro paga mais em impostos do que em juros. O imposto sobre transações financeiras deve ser reestruturado. No fim do dia, se trata de simplificar e não onerar quem é o mais necessitado. Para quem está precisando de crédito, colocar um imposto me parece que é atacar o problema no lugar errado. Tentar taxar o consumo talvez seja um tipo de estratégia melhor.

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    Em julho de 2019, a Creditas recebeu um aporte de 231 milhões de dólares liderado pelo SoftBank. Atualmente, existe uma discussão sobre startups que crescem a qualquer custo, captando muito e queimando caixa, e demoram para atingir o ponto de equilíbrio. Como o senhor avalia a saúde financeira da empresa? Nós concordamos com a filosofia de startups que buscam o crescimento sustentável. A nossa ideia não é ficar queimando dinheiro. A Creditas continua crescendo durante a pandemia, um pouco mais devagar em abril e maio. Em julho, nós já aceleramos. Teremos recorde histórico em taxas de crescimento no atual trimestre. A geração de caixa da Creditas hoje é maior do que era em março, quando o vírus chegou ao Brasil. Como temos um modelo de negócios que é pautado pela recorrência, os nossos clientes firmam contratos longos e não somos tão afetados em períodos como o que estamos vivenciando. Continuamos com o nosso objetivo de triplicar o crescimento da empresa a cada ano. Talvez o resultado de 2020 seja um pouco mais complexo, porque tiramos o pé do acelerador no segundo trimestre. Mas, agora, nós já conseguimos voltar a crescer nas mesmas taxas de antigamente, de forma sustentável, entregando crédito barato e criando um ecossistema de soluções para o cliente. Essa é a nossa filosofia.

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