Sob pressão do governo, Petrobras repete erros e deve penalizar acionistas
Petroleira reestatiza refinarias e retoma investimentos em empresas que foram alvo da Lava-Jato. A sociedade brasileira paga o preço

Em 2 de janeiro de 2023, apenas um dia depois de tomar posse, o presidente Lula afirmou que revogaria ao menos oito processos de privatização iniciados em governos anteriores. Agora, sua promessa começa a ser cumprida. Na segunda-feira 27, a Petrobras anunciou a reestatização da refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo Nordeste (Lubnor), localizada em Fortaleza, no Ceará. O argumento para o ato: algumas “condições estabelecidas por contrato não foram cumpridas”. Uma das maiores fornecedoras de asfalto do país, a Lubnor havia sido comprada em maio de 2022 pela Grepar Participações, por 34 milhões de dólares. Na ocasião, a Grepar anunciou que investiria ao menos 80 milhões de dólares no aperfeiçoamento das operações da empresa com o objetivo de “torná-la mais eficiente”. O plano, contudo, não será realizado. A Lubnor seguirá sendo da Petrobras.

O caso descrito é o exemplo mais recente da sanha estatizante que caracteriza os governos petistas. Foi assim em gestões anteriores do partido, com resultados pífios para a Petrobras, a maior vítima do receituário do PT. A fórmula ganhou tração em 2007, no início do segundo mandato de Lula, pouco depois da descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal nas águas fundas do Oceano Atlântico. Desde então, o presidente determinou a ampliação impetuosa do parque de refino da Petrobras — uma área em que a empresa tinha então o monopólio, dominando 98% do mercado no país. Em 2008, a estatal estabeleceu como meta chegar à marca de 3,4 milhões de barris refinados por dia em até sete anos. O objetivo jamais foi cumprido, apesar dos altos investimentos feitos pela empresa. Mais que isso: com o passar dos anos, a euforia do pré-sal foi substituída por prejuízos para a Petrobras, atrasos nas obras e denúncias de superfaturamento, conforme revelaram o Tribunal de Contas da União e a Operação Lava-Jato. Não à toa, em 2007 as dívidas da Petrobras somavam 40 bilhões de dólares. Em 2015, no ocaso do governo Dilma Rousseff, haviam triplicado para 126 bilhões de dólares.
A estratégia malsucedida não foi suficiente para mudar a visão equivocada de Lula sobre o papel que a Petrobras deveria desempenhar. Há alguns dias, a empresa anunciou seu plano estratégico para os próximos cinco anos. A estatal prevê investimentos de 102 bilhões de dólares, um acréscimo de 31% versus o plano atual. Serão destinados 17 bilhões de dólares para a área de refino, cifra 80% maior em relação aos desembolsos para o mesmo segmento feitos no ciclo anterior. Ou seja: a ultrapassada fórmula de colocar recursos públicos em refinarias ineficientes será revigorada. Além disso, a Petrobras vai retomar a produção de fertilizantes, segmento em que tem pouca expertise. “Não foi nenhuma surpresa o plano apresentado”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). “Ele reflete, de maneira geral, as posições do atual governo e da nova gestão da empresa.”
Um caso chocante é o plano para retomar a expansão da Refinaria Abreu e Lima. Localizada em Pernambuco, ela foi fruto de uma sociedade, em 2009, no tempo do ditador Hugo Chávez, entre a estatal venezuelana PDVSA e a Petrobras. Mais tarde, os venezuelanos desistiram do projeto e a Petrobras teve de arcar sozinha com os recursos necessários para fazê-lo deslanchar. Ao longo dos anos, o custo das obras passou de estimados 2 bilhões de dólares para 20 bilhões de dólares. Mas a refinaria jamais entregou os resultados esperados. Pior: em 2014, a Operação Lava-Jato descobriu irregularidades nos contratos. Anos depois, em fevereiro de 2021, a Justiça condenou cinco pessoas por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em acordos firmados para a construção da refinaria. Nada disso foi suficiente para frear o ímpeto da petrolífera, que pretende investir mais 1,6 bilhão de dólares no malfadado projeto. É grande a chance de a estatal jogar dinheiro fora: atualmente, o custo de produção de Abreu e Lima é sete vezes o observado em suas pares.

Há outras iniciativas semelhantes em curso. Na semana passada, a Petrobras aprovou a retomada dos investimentos em refinaria no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), projeto que foi alvo da Operação Lava-Jato e havia sido descartado pelas gestões anteriores. A empresa também planeja realizar em 2024 licitações para a contratação de 36 embarcações de apoio à produção de petróleo em alto-mar. Segundo a Petrobras, as encomendas deverão privilegiar estaleiros nacionais, o que só reforça o modelo de negócios baseado na nacionalização de ativos. “As propostas de investimento da Petrobras resgatam debates sobre a eficácia dessas abordagens no passado”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper e da Ivey Business School, no Canadá. “A preocupação reside na possibilidade de repetição de estratégias ineficientes.”
Para além do mau uso dos recursos públicos, a estratégia de reestatização desenhada por Lula embute uma série de problemas. Entre outros efeitos nocivos, ela cria um cenário de insegurança jurídica, o que poderá inclusive afastar investimentos. Controlador do grupo Grepar, o empresário Clovis Fernando Greca disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a incorporação da Lubnor pela Petrobras é um caso clássico de quebra de contrato. Por isso, Greca afirmou que pedirá indenização à Justiça e que não investirá mais no país. Outro aspecto preocupante diz respeito à governança da Petrobras. Não há dúvida de que a nova estratégia de negócios da petrolífera teve interferência direta do governo, que pressiona a Petrobras para agir conforme os seus interesses. Como o passado recente ensina, interferências desse tipo são nefastas para a empresa e abrem caminho para outros males, incluindo a corrupção. Procurada, a Petrobras não quis se pronunciar.
O novo plano estratégico deverá penalizar os milhares de acionistas da Petrobras — o que inclui, ressalte-se, o próprio governo. Com o aumento dos investimentos em refino e outras áreas consideradas menos rentáveis, haverá naturalmente menor disponibilidade de recursos que deveriam ser distribuídos. No plano anterior, analistas projetavam o pagamento de até 70 bilhões de dólares anuais em dividendos, mas agora o número deverá cair para 45 bilhões de dólares nos próximos cinco anos. Ou seja: a má gestão da Petrobras não penaliza apenas a empresa, mas também a sociedade brasileira.
Publicado em VEJA de 1º de dezembro de 2023, edição nº 2870