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Tabata Amaral: ‘A sociedade brasileira tem preconceito com ensino técnico’

Em entrevista a VEJA, a deputada revela conversa com Lula sobre novo marco: "Ele tem formação técnica e reconhece o impacto que a formação teve em sua vida"

Por Felipe Mendes Atualizado em 25 ago 2023, 09h53 - Publicado em 23 ago 2023, 12h25

Presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) tem tomado a dianteira das grandes discussões para desenvolver o ensino no Brasil. Depois de muito negociar e de angariar apoio de diversos congressistas, ela conseguiu retirar o Fundeb, o fundo da educação básica, da nova regra fiscal para o país. Antes disso, no início de agosto, reuniu-se com o  presidente Luiz Inácio Lula da Silva em cerimônia para a sanção do Marco Legal do Ensino Técnico. Em entrevista a VEJA, a coautora e relatora desse projeto prevê mais oportunidades para jovens do país e refuta a tese de que a modalidade compita com as vagas destinadas aos jovens nas universidades. “Existe no imaginário popular a ideia de que a faculdade é para rico e o ensino técnico é para pobre. Mas essa prerrogativa não faz sentido”, aponta. “Hoje, entre os países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], cerca de 40% dos jovens têm formação técnica.”

Qual é a importância do ensino técnico para diminuir a fricção que existe para jovens em busca pelo primeiro emprego? O ensino técnico como um todo representa um potencial de trazer muitas oportunidades para os nossos jovens. A gente está falando de um potencial que é social, com a redução da desigualdade; e educacional, aumentando o número de jovens que concluem o ensino médio e seguem adiante com seus estudos. Fora isso, também há um potencial econômico gigantesco. Um estudo recente, do Itaú Educação e Trabalho, apontou que se a gente triplicar o acesso ao ensino médio técnico no país, o que ainda é bastante aquém do que outras nações mais desenvolvidas fazem, o país pode ter um impacto adicional no PIB de 2,32%.

Como a nova lei facilita a inserção do jovem no mercado de trabalho? Houve uma preocupação para que esse projeto construísse um arcabouço legal, olhando para todos os aspectos e intersecções com as outras leis existentes, para que fosse uma forma de romper com o ciclo da pobreza na vida de jovens de baixa renda. Também tivemos a preocupação de não fazer um projeto que desse conta apenas dos desafios passados, mas que olhasse para o futuro, para o que o mundo exige de nós em relação à revolução tecnológica, por exemplo. É um projeto amplo, que se propõe a organizar legalmente o ensino técnico.

Há algum aspecto do projeto que a senhora gostaria de destacar? Eu ressaltaria, sobretudo, que a lei coloca um prazo de dois anos para que o Ministério da Educação apresente uma política nacional para o ensino técnico. Isso é algo que faz muita falta ao nosso país. O segundo pilar estruturante da proposta é que essa é a única modalidade que não é avaliada, tamanho é o desprezo histórico que o Brasil tem com o ensino técnico profissionalizante. Avalia-se a qualidade do ensino na primeira infância, o ensino fundamental, o médio, a graduação e a pós-graduação, mas não temos uma avaliação de ensino técnico. Com o ensino técnico, muitos jovens têm a possibilidade de ter um salário mais alto e de entrar no mercado formal com emprego de qualidade. Outra coisa que é muito importante é que o projeto pensa na educação ao longo da vida, fazendo com que pessoas que tenham uma formação técnica numa área correlata possam levar isso como crédito para o caso de uma graduação posteriormente.

Há uma tese de que o excesso de oferta de vagas no ensino técnico pode concorrer com o ensino superior. A senhora vê, hoje, um certo preconceito em relação ao ensino técnico no país? Com toda certeza. A sociedade brasileira tem muito preconceito com o ensino técnico. Só que esse preconceito não se sustenta nos dados. Essa é uma visão antiga que tem, inclusive, base na origem do ensino técnico, que lá atrás foi desenhado para as camadas mais vulneráveis da população. Portanto, existe no imaginário popular isso de que a faculdade é para rico e o ensino técnico é para pobre. Mas, quando a gente analisa os dados, o que vemos é que os alunos mais pobres da sociedade sequer estão concluindo o ensino técnico, e que essa prerrogativa não faz sentido. O que eu luto, enquanto ativista da educação e presidente da bancada da educação, é que todos tenham acesso ao que quiserem, ao que sonharem. A opção entre o ensino técnico e a graduação vai depender do que faz sentido naquele momento de vida para cada um. Essa divisão entre o ensino técnico e a graduação não se sustenta, não faz sentido e acaba fechando portas muito importantes para uma parcela gigantesca da população.

É possível dimensionar como o ensino técnico pode melhorar a remuneração das pessoas? Quando a gente olha para todos os profissionais do Brasil, quem tem ensino técnico quando comparado com quem só tem a formação do ensino regular, ganha 32% a mais. Fora isso, aumentar a oferta de ensino técnico pode aumentar, por exemplo, a taxa de emprego das mulheres em 33%. Por isso, o que eu defendo é que a gente possa ampliar as possibilidades. Hoje, entre países da OCDE, cerca de 40% dos jovens têm formação técnica.

O presidente Lula está engajado com o tema? No ano passado, antes de eu declarar apoio ao presidente Lula, tive uma oportunidade de ter uma longa conversa com ele. E a pauta do ensino técnico foi a principal pauta sobre a qual nos debruçamos. O presidente Lula tem formação técnica e reconhece o impacto que a formação técnica teve na vida dele, e essa noção de realidade ajuda bastante. Esse é um projeto que a gente começou a articular em abril de 2019, só que fazer coisas boas e estruturantes demoram um pouquinho em Brasília. Mas eu já tinha esse compromisso dele com a pauta do ensino técnico e foi um dos poucos pedidos que eu levei a essa reunião. Na sanção do projeto, a gente pôde voltar a falar do projeto. O ministro da educação, Camilo Santana, está muito comprometido a apresentar uma política nacional robusta e estruturante. E o que a gente quer fazer agora é trazer outras pastas para pensar no impacto concreto dessa lei.

Qual seria? Hoje, a gente tem hoje 500 mil vagas de jovem aprendiz que não são preenchidas. Com essa alteração que a gente fez na lei, a gente está falando de uma aproximação dessas empresas que não preenchem essas vagas com os cursos técnicos que são ofertados para o público. E eu acho que esses outros ministérios da pauta econômica são fundamentais para que a gente possa preencher essas vagas e para que a gente possa aproximar cada vez mais essas oportunidades educacionais com o mundo do trabalho.

Qual a sua avaliação sobre isenções fiscais a instituições pertencentes ao Sistema S, por exemplo? O sistema S faz um trabalho relevante de priorizar, pautar e oferecer vagas no ensino técnico. O que nos falta para avaliar a efetividade do sistema S, do Centro Paula Souza e dos institutos federais são avaliações. Hoje eu não consigo dizer qual instituto faz isso melhor e onde o investimento público está sendo mais bem alocado. E é isso que a gente vai começar vai começar a poder responder agora.

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