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Tarifas recíprocas: como a medida pode encarecer e dificultar a pauta exportadora brasileira

Plásticos, etanol, café, ferro e aço são alguns dos produtos que devem enfrentar aumento e chegar mais caros ao Brasil, elevando a pressão inflacionária

Por Luana Zanobia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 mar 2025, 14h46 - Publicado em 5 mar 2025, 12h23

O cenário de guerra comercial desencadeado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou de ser um simples jogo de ameaças e retórica política para se materializar em ações concretas que reconfiguram o comércio global. Nesta semana, tarifas de 25% sobre produtos do Canadá e México entraram em vigor. Em resposta, ambos os países impuseram tarifas equivalentes sobre produtos americanos. Embora o Brasil não tenha sido alvo direto das tarifas de retaliação dos Estados Unidos, a introdução de um regime de tarifas recíprocas deve impactar a balança comercial brasileira nos próximos meses. Em seu discurso no Congresso na terça-feira, o presidente americano citou o Brasil entre os países que cobram tarifas ‘injustas’ dos EUA, sinalizando novamente para a política de reciprocidade tarifária. Esse cenário pode gerar vários obstáculos ao Brasil.

Os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, um dos principais parceiros comerciais do país, estão agora sob risco de enfrentarem as mesmas barreiras tarifárias impostas aos produtos americanos que ingressam no Brasil. Os Estados Unidos são o segundo maior destino das exportações brasileiras, atrás apenas da China. Em janeiro, a corrente de comércio entre Brasil e EUA somou 6,66 bilhões de dólares, representando aproximadamente 12,7% da corrente de comércio total do Brasil.

Produtos como plásticos, etanol, café, ferro e aço são alguns dos itens que vão enfrentar aumento e devem chegar mais caros ao Brasil, elevando a pressão inflacionária. Como o Brasil também importa uma parte desses produtos dos Estados Unidos e as tarifas serão recíprocas, os consumidores brasileiros deverão sentir os efeitos dessas novas taxas. O cenário se torna ainda mais desafiador porque o país já enfrenta uma espiral inflacionária, com o IPCA de 2024 ultrapassando a meta estabelecida e a expectativa de novos picos de preços neste ano. Esse contexto pode pressionar ainda mais o Banco Central, que tem elevado a taxa de juros, a Selic, na tentativa de desaquecer a economia e conter a alta dos preços. Com a Selic atualmente em 13,25%, o mercado projeta uma taxa terminal de 15%.

Segundo o banco Bradesco, a tarifa média brasileira de importação para os EUA é de 11,3%, com alíquotas mais elevadas para bens de consumo e quase inexistentes para combustíveis. Em contrapartida, as tarifas aplicadas pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros são significativamente mais baixas, com uma média de apenas 2,2%.

O banco fez algumas simulações de cenários. Se os Estados Unidos igualarem as tarifas brasileiras de importação, que atualmente têm uma média de 11,3%, o impacto já seria significativo para a economia brasileira. Esse aumento das tarifas implicaria uma redução de 2 bilhões de dólares nas exportações brasileiras, o que corresponderia a uma diminuição de cerca de 5% no total embarcado. O efeito inflacionário desse ajuste seria de 0,1 ponto percentual no IPCA. No cenário mais pessimista, caso os Estados Unidos decidam aplicar uma tarifa de 25% sobre os produtos brasileiros, o impacto seria ainda mais expressivo. O Brasil perderia aproximadamente 6,5 bilhões de dólares nas exportações. Nesse cenário, a alta no IPCA seria de 0,25%.

Ao anunciar a tarifa recíproca, o republicano apontou o etanol brasileiro como um exemplo de prática comercial “injusta”. Enquanto os Estados Unidos aplicam uma tarifa de apenas 2,5% sobre o etanol importado do Brasil, o produto americano enfrenta uma taxa de 18% no mercado brasileiro. Ambos os países são os maiores produtores mundiais de etanol, mas com diferenças substanciais na matéria-prima: o biocombustível dos EUA é derivado principalmente do milho, enquanto o etanol brasileiro provém da cana-de-açúcar, com uma expansão mais recente na produção a partir do milho.

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A disputa tarifária em torno do etanol não é nova. Em 2010, o Brasil estabeleceu uma cota anual de importação sem tarifas de 600 milhões de litros, ampliada para 750 milhões de litros em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, que coincidiu com o primeiro mandato de Trump. No entanto, desde agosto de 2020, essas cotas foram abolidas, em resposta à pressão da indústria nacional.

Além do etanol, produtos como plásticos (copolímeros de etileno), que enfrentam tarifas de 20% ao entrarem no Brasil, agora terão de lidar com barreiras tarifárias semelhantes nos Estados Unidos. Isso impõe desafios extras aos exportadores brasileiros. O setor siderúrgico, já marcado por tensões comerciais durante o primeiro mandato de Trump, também se encontra na mira. O Brasil é um dos principais vendedores de aço para os Estados Unidos, com as exportações de produtos semimanufaturados de ferro e aço não ligado somando 2,7 bilhões de dólares em 2024. Com a aplicação dessas tarifas, os produtos brasileiros enfrentariam as mesmas taxas de 7,2% que o Brasil impõe sobre as importações de aço norte-americano.

Outro setor que deve sentir o impacto das tarifas é o agrícola, em especial o café. Com uma tarifa de 9% aplicada ao café não torrado exportado pelos Estados Unidos para o Brasil, o café brasileiro terá que lidar com as mesmas barreiras ao entrar no mercado norte-americano. Isso coloca em risco a competitividade do Brasil frente a outros grandes produtores de café, como Colômbia e Vietnã.

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Curiosamente, a indústria de aviação, um dos setores de maior relevância para o Brasil, parece ser uma exceção até o momento. As aeronaves produzidas pela Embraer continuam isentas de tarifas nos Estados Unidos, um mercado que movimentou 955,6 milhões de dólares em 2024. No entanto, a incerteza permanece quanto a uma eventual inclusão desse setor na guerra tarifária, caso as tensões comerciais se intensifiquem.

A aplicação de tarifas recíprocas pelos Estados Unidos parece ser uma estratégia para pressionar o Brasil a rever suas próprias barreiras comerciais. Para os exportadores brasileiros, isso representa um desafio imediato, exigindo adaptação rápida e novas estratégias para manter a competitividade em um dos mercados mais importantes do mundo.

O governo brasileiro, por sua vez, se vê em uma encruzilhada: equilibrar a proteção da indústria nacional e a necessidade de preservação de mercados cruciais para suas exportações. Os próximos meses serão essenciais para avaliar o impacto dessas medidas, tanto nas relações comerciais quanto na capacidade do Brasil de reagir e buscar alternativas em outros mercados para seus produtos.

Traifas aplicadas pelos principais produtos importados pelos EUA em 2024

  • Copolímeros de etileno e alfa-olefina, densidade < 0,94: 20%
  • Outros polietilenos sem carga, densidade >= 0,94: 20%
  • Biocombustíveis (etanol): 18%
  • Carnes desossadas de bovino, congeladas: 10,8%
  • Café não torrado, não descafeinado, em grão: 9%
  • Produtos semimanufaturados de ferro ou aço não ligado: 7,2%
  • Produtos semimanufaturados, de outras ligas de aço: 7,2%
  • Pastas químicas de madeira: 3,6%
  • Ferro fundido bruto não ligado: 3,6%
  • Óleos brutos de petróleo: 0%
  • Aviões e outros veículos aéreos, de peso superior a 15.000 kg, vazios: 0%
  • Aviões a turbo-jato, entre 7.000 kg e 15.000 kg, vazio: 0%

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