Tratamentos avançados podem custar R$ 53 bi ao SUS e ameaçam sustentabilidade do sistema
Impacto financeiro da inclusão de medicamentos de última geração indica desafios para o orçamento do sistema

A inclusão de 15 novos tratamentos avançados contra doenças raras e onco-hematológicas com remédios de última geração pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pode ter um impacto de até 53,2 bilhões de reais nas contas do governo em cinco anos. Para se ter uma ideia, esse valor representa um terço do total gasto pelo governo com Saúde em 2023, que foi de cerca de 161 bilhões de reais, indicando que o alto custo dessas terapias ameaça a sustentabilidade dos sistemas de saúde universais, como o SUS. A previsão do governo no Orçamento para a Saúde em 2025 é de 208 bilhões de reais.
Para que o SUS acompanhe os avanços da medicina e incorpore esses tratamentos, o governo precisa se planejar antecipadamente, diz o economista Gesner Oliveira, professor da Fundação Getúlio Vargas e sócio da GO Associados. “É preciso planejamento, sob pena de você quebrar o SUS”, afirmou Oliveira. Essa é a conclusão do artigo que Oliveira assinou com mais nove pesquisadores, intitulado “O Impacto Orçamentário dos Produtos de Terapias Avançadas no Sistema Único de Saúde”, publicado no Jornal de Assistência Farmacêutica e Farmacoeconomia.
Recentemente, surgiram muitos medicamentos especiais, frutos do avanço nas novas terapias que, embora eficazes, têm preços proibitivos. Oliveira explicou que o estudo avaliou o impacto de incluir tratamentos para 15 doenças graves já tratáveis pela medicina. “São remédios muito caros. Às vezes, uma dose pode custar facilmente um milhão de reais”, disse.
Um dos medicamentos da lista é conhecido como o mais caro do mundo, por custar 2,1 milhões de dólares. O Zolgensma é usado no tratamento para crianças com atrofia muscular espinhal (AME), uma doença de origem genética que impede o desenvolvimento adequado dos músculos. Na sua versão mais grave, a doença costuma causar a morte antes dos dois anos de idade.
Chamados de Produtos de Terapias Avançadas (PTAs), esses remédios incluem produtos de terapia gênica, de terapia celular avançada e de engenharia tecidual, isto é, o desenvolvimento de tecidos artificiais para uso em humanos. Os PTAs representam hoje uma das áreas de maior crescimento na medicina, oferecendo alternativas para doenças que carecem de tratamento ou de opções terapêuticas eficazes, e a pressão pelo acesso aos PTAs, seja pela via da incorporação ou pela judicialização, é crescente no Brasil.
Judicialização do SUS
A judicialização do SUS é um fenômeno no Brasil, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que, em 2023, por exemplo, o SUS enfrentava mais de 803 mil processos judiciais. A inclusão de tratamentos com medicamentos avançados é um tema relevante no volume de processos. “Normalmente, o que acontece, e que gera um grande problema, é que a doença não está incluída no SUS, o potencial paciente entra na Justiça e o juiz obriga que seja tratado pelo SUS, o que também gera um problema grande além do custo, que é a imprevisibilidade orçamentária”, diz Oliveira.
O caso do Zolgensma é um exemplo do alto custo judicial do SUS, apontado pelos pesquisadores no artigo. O Ministério da Saúde financiou pelo menos 75 tratamentos por meio de ações judiciais, a um custo de 12 milhões de reais por dose, totalizando 715,7 milhões de reais antes de ter sido incorporado ao SUS. Apesar da incorporação ao SUS ter sido anunciada em 2022, o tratamento ainda não está disponível.
Esses e outros casos mostram que o impacto da adoção desses tratamentos com medicamentos especiais é um dos grandes temas de saúde, atualmente, diz Oliveira. “É um assunto em discussão no ministério da Saúde, por autoridades da área.”
Hierarquização e introdução escalonada
O estudo do impacto considera o potencial aumento de registros dos PTAs pela Anvisa nos próximos anos. O processo de entrada tem prazo de até 905 dias (aproximadamente 2,4 anos) para aprovação do registro pela Anvisa, precificação pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC).
Embora o Brasil tenha implementado um sistema de regulação dos PTAs desde 2018, atualmente, cinco produtos já foram precificados pela CMED, demonstrando sua viabilidade para comercialização. Entretanto, destes, somente um foi incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) por recomendação da CONITEC.
O impacto de 53,2 bilhões de reais medido pelo estudo a partir da incorporação de uma pequena parcela dos PTAs disponíveis no mercado internacional considera o cenário mais pessimista. Os economistas fizeram o cálculo levando em consideração a combinação de cenários com variação no volume de doenças incorporadas, se imediata ou escalonada e também três hipóteses de taxa de incidência conservadora, moderada ou agressiva. O menor impacto calculado foi de 16,6 bilhões de reais, na hipótese de entrada gradual dos tratamentos no SUS e uma taxa de incidência conservadora.
É preciso haver uma hierarquização, classificando doenças prioritárias tomando como base o impacto no contexto brasileiro e a chance de cura com o tratamento, diz Oliveira. A conclusão do artigo aponta para a necessidade de planejamento e introdução escalonada dos remédios. “ Há um leque de critérios que você pode hierarquizar, e a partir dessa hierarquização, introduzir gradualmente no SUS, de forma a poder atender os pacientes sem comprometer a solvência do Sistema Único de Saúde.”
A seguir confira quais os medicamentos e tratamentos que integraram o estudo de impacto:
PTA | Indicação Terapêutica |
---|---|
1. Elevidys | Distrofia muscular de Duchenne. |
2. Libmeldy | Crianças com leucodistrofia metacromática (MLD). |
3. Luxturna | Distrofia retiniana hereditária associada a mutações bialélicas no gene RPE-65. |
4. Rethymic | Reconstituição imunológica em pacientes pediátricos com atimia congênita. |
5. Strimvelis | Imunodeficiência combinada grave por deficiência de adenosina deaminase (ADA-SCID). |
6. Upstaza | Deficiência de L-aminoácidos aromáticos humanos descarboxilases (AADC). |
7. Vyjuvek | Epidermólise bolhosa; aprovado pelo FDA para tratar feridas em pessoas com DEB, com 6 meses ou mais, mutações no gene COL7A1. |
8. Zolgensma | Tratamento de pacientes pediátricos com menos de 2 anos de idade com atrofia muscular espinhal com mutações bialélicas no gene SMN1. |
9. Zynteglo | Tratamento de pacientes com beta-talassemia, com 12 anos ou mais, que necessitam de transfusões sanguíneas regulares. |
10. Abecma | Recaída ou mieloma múltiplo refratário depois de quatro ou mais linhas de tratamento. |
11. Breyanzi | Linfoma difuso de células B (DLBCL); Linfoma primário mediastinal de grandes células B (PMBCL); linfoma folicular grau 3B (FL3B). |
12. Carvykti | Adultos com mieloma múltiplo em recaída e refratário, que receberam pelo menos três terapêuticas. |
13. Kymriah | Leucemia linfoblástica aguda de células B na segunda recidiva (ou posterior) ou refratária; linfoma de grandes células B recidivado ou refratário após duas ou mais combinações de tratamento sistêmico. |
14. Tecartus | Adultos com linfoma de células do manto (LCM). |
15. Yescarta | Linfoma de grandes células B recidivado ou refratário após duas ou mais combinações de tratamento sistêmico. |