Entre os inúmeros gargalos que reduzem a competitividade brasileira, o custo da energia elétrica ocupa lugar de destaque. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, as tarifas médias pagas pelas empresas do país estão entre as mais altas do mundo, superando em muito os valores desembolsados por companhias nos Estados Unidos, na França e no México, para citar apenas alguns exemplos. Outro estudo, este feito pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, constatou que a conta de luz chega a ser responsável por 20% dos custos operacionais das firmas de porte menor. Novas regras que entraram em vigor em 1º de janeiro, contudo, poderão aliviar o quadro. Desde aquela data, passou a vigorar no país a segunda fase do chamado mercado livre de energia. Entre outras vantagens, o modelo permite às empresas escolher o fornecedor, a quantidade que deseja consumir e o período de recebimento. Se estiverem insatisfeitas com o serviço, bastará trocar o fornecedor por um concorrente.
Até então, o mercado livre estava disponível para clientes de alta tensão, aqueles que têm capacidade instalada de 500 quilowatts por mês, como indústrias e empreendimentos comerciais de grande porte. Agora, poderão aderir ao modelo empresas com potência mínima de 30 quilowatts, ou seja, que se enquadram na categoria conhecida como de média tensão. São, em linhas gerais, pequenas fábricas, shoppings, restaurantes e lojas que gastam a partir de 10 000 reais mensais de conta de luz. Com a iniciativa, estima-se que os clientes participantes do mercado livre possam passar dos atuais 11 800 para quase 200 000. Na prática, o que muda para as empresas que aderirem ao sistema? A tradicional fabricante brasileira de brinquedos Estrela migrou para o mercado livre no ano passado e está colhendo os frutos da decisão. Sua conta de luz ficou 20% mais barata. “Foi uma evolução para nós”, disse a VEJA Carlos Tilkian, dono da empresa. “Abrir o mercado é o rumo correto para aumentar a competitividade e dar opções aos consumidores.”
Para especialistas, a queda de preços não é a única vantagem trazida pelas novas regras. Uma de suas premissas é a liberdade de escolha. Se o cliente quiser comprar energia oriunda de fontes renováveis, ou se busca fornecedores mais baratos, caberá a ele escolher, sem a imposição de adquirir serviços de uma única empresa dominante no mercado. Trata-se de uma guinada no setor, parecida com a observada no ramo da telefonia. Desde a privatização, em 1998, esse mercado recebeu 1 trilhão de reais em investimentos. Na área de energia, a expectativa é de que as mudanças gerem cerca de 40 bilhões de reais em novos negócios ao ano. “Podemos ter um modelo livre, equilibrado e discutido por várias associações e personagens”, diz Sergio Romani, presidente da comercializadora Genial Energy.
De olho nas oportunidades do mercado livre, as empresas do ramo, de fato, deverão injetar recursos no país. O Grupo Delta Energia investe atualmente na construção de fazendas solares em nove estados brasileiros, além do Distrito Federal. Quando estiverem prontas, elas terão capacidade para atender a 60 000 unidades consumidoras. Isso é só o começo. A terceira etapa do mercado livre de energia deverá representar uma revolução, pois seu objetivo é chegar ao cidadão comum, ou seja, a 90 milhões de consumidores que pagam contas de luz no país. Não há data prevista para a abertura total do sistema.
No final de dezembro, o presidente Lula e seu ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, criticaram o mercado livre sob o argumento de que ele beneficia apenas as empresas. Não seria o caso de abrir, sem demora, o modelo para as pessoas físicas? Lula disse que é preciso ter uma “discussão mais criteriosa”. De fato, o setor vive um dilema: de um lado, os eventos climáticos extremos fazem disparar a demanda por recursos energéticos. De outro, eles estressam a infraestrutura do sistema, aumentando o desafio de conseguir atender o aumento de demanda. “Existe um purismo técnico de alguns que defendem que, para ir ao mercado livre, é preciso ter 100% dos problemas equacionados, mas assim você não abriria o mercado nunca”, diz Luiz Fernando Vianna, vice-presidente institucional do Grupo Delta Energia. Enquanto o impasse não for resolvido, apenas as empresas terão um caminho mais iluminado.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875