Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Uma aposta no escuro

A Eletrobras privatiza a mais deficitária de suas distribuidoras de energia, mas os compradores não inspiram a segurança esperada pelo setor

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h08 - Publicado em 14 dez 2018, 07h00

O governo comemorou muito quando, na segunda-feira 10, a Eletrobras Amazonas foi privatizada. Por falta de interessados (e alguns percalços jurídicos), o leilão da distribuidora de energia elétrica já havia sido adiado três vezes. O sucesso na venda da empresa resolveu dois problemas de uma só vez: livrou a Eletrobras, a controladora, de uma subsidiária endividada e mal administrada, o que aumenta seu valor de mercado em uma futura privatização, e ainda afastou o risco real de que a empresa fosse liquidada e deixasse o Estado do Amazonas no escuro. Mas nem tudo são flores.

O consórcio vencedor — o único a ofertar lances no leilão — é formado pelas empresas Oliveira Energia e Atem e tem um passado recheado de problemas com a Justiça. Não bastasse isso, há ainda um evidente conflito de interesses no negócio, uma vez que as duas companhias têm contratos com a distribuidora — a primeira gera energia em regiões isoladas do Amazonas e a segunda fornece combustível às usinas térmicas do estado. E, para complicar, não está claro como a situação será conduzida a partir de agora.

A venda da empresa significa que o consórcio vencedor será responsável por sua gestão e por todos os lucros ou prejuízos que ela registrar daqui para a frente. Ótimo. O problema é o passado. A Atem já foi alvo de investigações do Ministério Público por irregularidades nos contratos, firmados sem licitação, com a Eletrobras Amazonas. E também trava uma disputa com a Petrobras e outras fornecedoras de combustível, que a acusam de receber generosas isenções fiscais do governo estadual para atuar em parceria com a Eletrobras Amazonas. Basta voltar um pouco mais no tempo para achar outros enroscos. Em 2011, dois dos donos da Atem, Miquéias de Oliveira Atem e Dibo de Oliveira Atem, foram condenados por formação de cartel em postos de gasolina. Miquéias chegou a ser preso.

Já a Oliveira Energia, que possui também contratos de fornecimento emergencial de energia em Roraima, é investigada por repassar dinheiro à família do senador Romero Jucá. Coincidentemente ou não, a Oliveira Energia e a Atem arremataram, em lance único, a Boa Vista Energia, distribuidora roraimense que também padecia da influência de políticos locais. VEJA questionou a Eletrobras sobre a escolha das empresas no consórcio e sobre a verificação do histórico das duas, mas não obteve resposta.

Quando as privatizações no setor de energia começaram, ainda na década de 90, o governo não teve sucesso em repassar as distribuidoras dos estados mais pobres para a iniciativa privada. O problema foi, então, jogado no colo da Eletrobras. A concessão das seis distribuidoras era para ser temporária, mas durou duas décadas. Em 2016, os acionistas da Eletrobras decidiram dar um basta nessa situação. A União teria de leiloá­­-las, ou elas seriam liquidadas — jargão financeiro para o encerramento de uma empresa. A ameaça era grave, pois a dívida bilionária precisaria ser assumida pela União e o fornecimento de energia poderia ser interrompido, o que deixaria estados inteiros no escuro. O governo de Michel Temer chegou a se preparar para essa hipótese, depois que o Senado rejeitou um projeto de lei que ditava as regras de venda das distribuidoras, em outubro. A decisão não impedia a privatização, mas não dava a segurança jurídica necessária para atrair interessados da iniciativa privada. Para emendar a situação, o governo publicou uma série de medidas provisórias que criavam condições especiais para os leilões. Uma delas foi repassar a quase totalidade da dívida acumulada pelas distribuidoras para a conta de luz de todos os consumidores brasileiros.

Continua após a publicidade

Mesmo assim, a Eletrobras Amazonas demorou para encontrar interessados. É fácil entender o porquê. Seus índices de perda de energia e inadimplência somados chegam a quase 50% do total. Isso significa que metade de toda a produção que é entregue pela distribuidora não gera nenhum retorno financeiro. A perda é decorrente do roubo de energia (os famosos “gatos”, feitos muitas vezes por funcionários da própria distribuidora) e de uma estrutura de linhas antiquada, que não passa por manutenção. Entre 2012 e 2016, a empresa acumulou um prejuízo de mais de 10 bilhões de reais. Como a Eletrobras era responsável pela concessão, foi ela que assumiu o mico. E, tratando-se de uma estatal, a maior parte do rombo foi, no fim das contas, coberta com dinheiro dos impostos pagos pelo contribuinte. Embora atendesse um mercado relativamente pequeno, cerca de 900 000 consumidores, a Eletrobras Amazonas acumulou uma dívida de mais de 20 bilhões de reais. Graças às manobras do governo Temer para aumentar a atratividade da estatal, o consórcio que venceu o leilão arcará com apenas 10% da dívida total, cerca de 2 bilhões de reais.

Especialistas do setor veem com preocupação a entrada da Atem e da Oliveira Energia na Eletrobras Amazonas, mas ponderam que agora, com a realização do leilão, será mais fácil fiscalizar a gestão da empresa. A Aneel, agência responsável pelo setor de energia elétrica, terá autonomia para punir eventuais ineficiências ou abusos. Trata-se de uma virada de página nessa história obscura de uso da máquina pública para fins escusos. No entanto, dado o passado dos personagens envolvidos e suas conexões, é necessário manter a vigilância.

Publicado em VEJA de 19 de dezembro de 2018, edição nº 2613

Publicidade

Imagem do bloco
Continua após publicidade

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Continua após publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.