O varejo tradicional, aquele de porta para a rua, de grandes magazines e de shopping centers, parecia imune a crises — até que o e-commerce (lojas virtuais) e o marketplace (shoppings on-line multimarcas) vieram para sacudir estruturas consolidadas. Já não era mais necessário sair de casa para comprar e, dessa forma, consolidou-se a noção de que nenhum varejista sobreviveria se não estivesse também no digital, o que de fato aconteceu. Em todo o mundo, inclusive no Brasil, milhares de lojas fecharam as portas. Entretanto, passado o furacão que derrubou os mais fracos e tendo o grande varejo absorvido o baque, empresas nascidas no ambiente digital começaram a trilhar o caminho inverso, abrindo pontos de venda semelhantes aos que ajudaram a tombar.
A estratégia tem como base o conceito de marketing conhecido como omnichannel: a convergência de todos os canais de uma empresa, expondo e vendendo produtos em qualquer lugar. O caso mais emblemático é o do Google, que recentemente inaugurou em Nova York sua primeira loja. Emulando o espírito da empresa, ela é ecologicamente correta, com piso e mobília feitos de material reciclado, e funciona como um showroom. A imersão do cliente é feita em salas temáticas, e uma delas, inclusive, fornece assistência técnica.
Outra grande da internet a fazer uso dessa estratégia é a Amazon. O império do multibilionário Jeff Bezos já havia investido na criação de minimercados e lojas de conveniência, e agora prepara a inauguração de lojas de departamento. As primeiras unidades, com cerca de 2 800 metros quadrados, serão abertas na Califórnia e em Ohio. Assim, a empresa americana segue o rastro de sua rival chinesa, a Alibaba, que também abriu espaços físicos na Ásia.
No caso do Google, que vende serviços digitais, o objetivo é reforçar a marca. Já a Amazon quer estar presente no comércio local, porém de forma cirúrgica. “Essas empresas não vão abrir centenas de lojas, mas focar em mercados-chave”, explica Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. Segundo Terra, a Amazon se comporta como um banco que consolidou sua plataforma digital, mas quer ter agências em bairros estratégicos.
No modelo omnichannel, o consumidor pode comprar on-line e retirar nas lojas, assim como pode experimentar o produto no local e comprar depois on-line. Trocas e devoluções também podem ser feitas por esse corredor de mão dupla, que começa a ser tendência no Brasil — e não apenas entre os gigantes da tecnologia. Recentemente, o clube de assinatura de vinhos Wine inaugurou duas lojas no Rio. Cada unidade tem mais de 380 rótulos e está integrada ao aplicativo do clube. “Nossos espaços físicos são mais do que pontos de venda, são locais de relacionamento e convívio”, diz a diretora de marketing Laura Barros.
Outro bom exemplo é o da Amaro, loja feminina de moda e beleza. Fundada em 2012 como e-commerce, ela inaugurou lojas nas quais os clientes podem testar o produto antes da compra. “Nossa categoria demanda o toque, o contato, o ato de provar”, diz Dominique Oliver, CEO da Amaro, que vê no espaço físico uma forma de proporcionar experiências agradáveis às clientes, de forma que elas tenham contato com o produto em um ambiente aconchegante, bem iluminado e com assessoria especializada.
Mesmo em tempos pandêmicos, não há dúvida de que ainda existe um tipo de consumidor bastante impactado por aspectos sensoriais. Victor Noda, CEO da Mobly, conta que decidiu abrir megastores quando percebeu que as pessoas ligavam querendo ver presencialmente o sofá ou a cadeira que queriam comprar. “Era uma necessidade que nosso cliente já sinalizava”, diz Noda. Aparentemente, estavam certos aqueles que, com o advento da internet, disseram que o futuro do comércio não seria físico nem inteiramente digital, mas algo fincado entre os dois.
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754