Se a ameaça de cartão vermelho dada pelo presidente da República não foi para ele, o fim das discussões em torno de um novo programa de distribuição de renda trazem alívio, ao menos temporário, para o ministro da Economia, Paulo Guedes. A equipe comandada pelo ministro e o presidente Jair Bolsonaro vêm batendo cabeça — e não é de hoje. Na manhã desta terça-feira, 15, o presidente usou as redes sociais para dar uma chamada pública em membros do Ministério da Economia. O motivo foi a manchete que amanheceu estampada nos principais jornais do país envolvendo o programa de renda básica em estudo pelo governo, o Renda Brasil. Nos bastidores, estuda-se desvincular o salário mínimo dos benefícios previdenciários e o congelar o reajuste de aposentadorias por dois anos. A possibilidade enfureceu o presidente, que cada dia está mais atento ao impacto das medidas em sua popularidade, olhando para 2022. Por isso, ele anunciou o banimento do programa, e afirmou que o governo irá continuar com o programa de distribuição de renda atual, o Bolsa Família.
“É gente que não tem o mínimo de coração, o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados no país”, disse o presidente ao comentar as notícias do dia. Bolsonaro disse ainda que “pode ser que alguém da equipe econômica tenha falado desse assunto”, mas vetou os mecanismos em estudo. “Jamais vamos congelar salário de aposentados, bem como jamais vamos fazer com que o auxílio para idosos e pobres com deficiência seja reduzido para qualquer coisa que seja”, disse ele. Pelo menos publicamente, Bolsonaro pôs fim às discussões em torno do programa de renda básica que substituiria o Bolsa Família. “Até 2022, no meu governo está proibido falar a palavra (sic) Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”.
O ministro vinha se referindo ao projeto para viabilizar o orçamento para o programa Renda Brasil de 3D, tratando de desonerações, desindexações e desvinculações. Foi uma missão dada pelo próprio presidente, que pediu, reconheça-se, algo praticamente impossível.
De olho na reeleição, Bolsonaro vinha cobrando a equipe econômica por um Bolsa Família para chamar de seu, graças à bonança na imagem do presidente da República em decorrência do auxílio emergencial destinado aos mais desassistidos e viabilizado durante a pandemia de Covid-19. Para pagar o novo programa, várias propostas foram discutidas por membros do Ministério da Economia. Aventou-se a possibilidade, para a ira de Bolsonaro, de pôr fim ao farmácia popular, e de abatimentos de gastos com saúde e educação do Imposto de Renda. Além das propostas de desindexação, outra solução em estudo era vender publicamente que a arrecadação da nova CPMF, na agulha para ser enviada ao Congresso Nacional, seria usada para bancar o programa. Porém, o plano sofre resistências dentro do parlamento e pode não ser a saída ideal. O ministro recorreu até a bancos de fomento internacionais para viabilizar a aventura de Bolsonaro, de mais de mais de 20 bilhões de reais para entes como o Novo Banco de Desenvolvimento e o Banco Mundial.
A proposta já estava suspensa pelo presidente desde agosto. Quando Guedes aventou, ainda, utilizar recursos de outros programas sociais, como o Pis/Pasep para arcar com o Renda Brasil, Bolsonaro suspendeu as discussões. “Não podemos fazer isso aí, como por exemplo, a questão do abono para quem ganha até 2 salários mínimos , que seria um 14º salário, não podemos tirar isso de 12 milhões de pessoas para dar ao Bolsa Família”, disse Bolsonaro em agosto, em um puxão de orelha público aos planos da equipe econômica.
Fazendo as contas de onde tirar, o ministro Paulo Guedes tem apenas um compromisso: não elevar os dispêndios públicos. Ele tinha a participação confirmada em um evento pela manhã, no Painel Telebrasil, mas cancelou sua fala na reunião. O ministro também não compareceu a uma reunião marcada com o secretário de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, por causa do chamamento de Bolsonaro. Guedes foi convocado às pressas pelo presidente depois que Bolsonaro acabou as leituras matinais. “Eu já disse, há poucas semanas, que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”, completou Bolsonaro no vídeo, relembrando a bronca passada em Guedes. “Quem, por ventura, vir a propor uma medida como essa, só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa”, ameaçou. Se cumprida a determinação do presidente, Guedes, agora, pode dormir tranquilo sem ter que inventar de onde tirar dinheiro para mais uma empreitada do chefe. E sem a preocupação de ainda tomar bronca por cumprir a determinação.