Visitando Bogotá, estive no Colegio San Bartolomé. Em 1620, ali foi fundada uma das primeiras universidades do continente. As nossas, brasileiras, só surgiram na década de 20 e custaram a engrenar. Nos anos 1950, porém, criou-se aqui uma ambiciosa rede de universidades federais, seguindo o modelo de Humboldt, com pesquisa e tempo integral. Foi uma iniciativa de sucesso, que plantou as raízes da nossa pós-graduação e pesquisa. Com a aceleração da matrícula no ensino básico, sobretudo, nos anos 1990, alimentou-se a expectativa de que haveria vagas para os que se formassem no médio.
De fato, ocorreu uma fenomenal expansão do ensino superior, mas ela veio do setor privado. Por quê? Ao contrário do que ocorreu no resto do mundo, no Brasil não se criaram alternativas mais econômicas no sistema público. As federais custam 41 000 reais por aluno, o mesmo que as universidades europeias. Se os 6,4 milhões de alunos matriculados nos cursos privados estivessem em federais, a conta seria de 262 bilhões de reais. É seis vezes o orçamento atual delas. A esquerda torceu o nariz, mas o MEC não teve saída senão deixar o sistema privado crescer — para tal, meramente, reduziu as torturas burocráticas na autorização.
Até a virada do milênio, havia alunos pagantes para as vagas existentes. Mas o inevitável chegou. Como continuar crescendo sem subsidiar alunos incapazes de pagar? Fies e Prouni foram as soluções encontradas. Visam a expandir matrículas e melhorar a equidade.
As chamadas habilidades sociais ‘(soft skills)’ prejudicam as pessoas de origem mais modesta
O Prouni é um programa no qual as faculdades privadas deixam de pagar impostos e oferecem um valor equivalente em bolsas de estudo. Curiosamente, foi criado na gestão do PT, sob protestos da filha do ministro Tarso Genro, que defendeu a aprovação do sistema.
Na contramão de outros programas, ele tem ferramentas eficazes para lidar, simultaneamente, com os critérios de mérito e de equidade. Ao estabelecer um limiar de pontuação no Enem, pesca os alunos mais talentosos. Barrando candidatos acima de certa renda familiar, garante que essa pescaria se dê entre os mais pobres. Pesquisas sérias mostram que ex-bolsistas se graduam com uma pontuação no Enade ligeiramente acima da dos alunos pagantes e se evadem menos. Ou seja, um programa para ajudar os mais necessitados consegue resultados superiores aos dos pagantes. Além de reduzir a inequidade, produz graduados mais bem preparados. Não é façanha menor.
O teste seguinte é o do mercado de trabalho. Como se saem os bolsistas? Em razão das dificuldades com os dados, as pesquisas são menos numerosas. Não obstante, um estudo cuidadoso do Ipea mostrou resultados bem interessantes. Os bolsistas obtinham 1 000 reais a menos nos seus empregos. Devem ser as habilidades sociais — soft skills — não medidas pelo Enade e que prejudicam pessoas de origem mais modesta. Contudo, ao longo da sua vida profissional, os salários dos ex-bolsistas cresciam mais que os dos outros — ganhos de 750 reais adicionais. Ou seja, no mercado de trabalho, o Prouni se revela um programa vencedor. Vence na equidade e vence no aproveitamento dos alunos.
Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666