Tudo começou com necessidades muito básicas: acertar uma carona para o filho, enviar um convite de aniversário, alinhavar a logística de uma atividade extraclasse. E assim, como é tão comum nos conectados dias de hoje, nasceu o grupo de WhatsApp dos pais do 5º ano do ensino fundamental de um tradicional colégio de São Paulo. O clima seguia ameno até que uma mãe disparou: “Vamos lembrar de passar desodorante nas crianças”. E a temperatura subiu. “Pior que menino fedorento é menina com perfume barato”, outra respondeu, para depois ouvir: “Nem todo mundo é perua como você para comprar perfume caro”. Aí o tempo fechou. Incomodadas com a artilharia, testemunhas do chat baixaram na diretoria, clamando por mediação. As duas mães foram chamadas para uma conversa, mas àquela altura já não dava para aparar as arestas. Houve troca de tapas, e a contenda foi parar na delegacia.
Extremo por seu desfecho, o caso ilustra o potencial explosivo do onipresente zap-zap na vida escolar. Ele vem chacoalhando a relação dos colégios com os pais em países asiáticos, como o Japão, e na Inglaterra, onde a Associação Nacional de Professores, inflamada pelos excessos, se manifestou contra o “abuso contínuo da internet” por parte das famílias. No Brasil, vice-campeão mundial em usuários de WhatsApp, o aplicativo virou uma ferramenta inescapável, com a qual todos estão aprendendo (não sem sustos) a lidar. Sai muita faísca do turbilhão de mensagens e precioso tempo se esvai em meio a assuntos sem relevo, mas há um ângulo bom nisso tudo. “Nesta era de comunicação a jato, as escolas estão cada vez mais expostas e preocupadas em ser transparentes naquilo que entregam”, avalia Cesar Pazinatto, diretor da bilíngue See-Saw, em São Paulo. Resultado: elas sacodem velhos ritos para dar conta do escrutínio permanente. “Com tanta informação circulando, não dá mais para ter diretor amador”, diz Mozart Neves, à frente da área de inovação do Instituto Ayrton Senna.
Educadores ouvidos por VEJA contam que o esforço número 1 na era do WhatsApp é para criar um elo mais estreito com os pais, de modo que se evite a torrente de fake news (eles também usam a expressão) que inunda os grupos virtuais. “Recomendamos cuidado com a comunicação instantânea, muitas vezes tirada de contexto, e insistimos para que nos tragam os temas pertinentes à escola”, enfatiza Valdenice Minatel, diretora pedagógica do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo. Confiar unicamente no que aparece nos chats de papais e mamães pode causar mal-entendidos de distintos calibres. “Uma vez, uma mãe avisou que o filho estava com intoxicação alimentar, outra disse que o mesmo tinha acontecido com o dela, e ninguém queria mandar as crianças para a aula. Falava-se em contaminação da água”, conta o técnico de informática Vahid Sherafat, pai de um dos alunos, que resolveu a questão à moda antiga: ligou para a escola e descobriu que não passava de boato.
Sherafat e o sócio Samin Shams tiraram daí a inspiração para criar o ClassApp, aplicativo que 600 escolas adotaram como canal oficial para sanar dúvidas e facilitar o diálogo com os pais. É parte de um novo mercado de aplicativos, que floresce na mesma velocidade com que os grupos de pais ganham voz. Presidente do Instituto iStart de Ética Digital, a advogada Patrícia Peck vem sendo acionada por colégios para repisar uma cartilha de boas práticas, repassada depois aos pais (veja abaixo). Ela cutuca um vespeiro. “Tem muito pai que usa o espaço para assumir responsabilidades que são do filho. É um erro”, afirma. Um segundo pecado de desdobramentos imprevisíveis é dar pitaco sobre política. “Fiz isso uma vez e até hoje tem gente que me olha torto”, diz a paulista Raquel Tápias, que, após uma autocrítica, se arrepende. Postando e aprendendo.
Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662