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Fazendo e aprendendo: ensino técnico acaba de receber um empurrão do MEC

E isso pode ser bom para as novas gerações, desmotivadas com a escola

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 11 jun 2024, 11h39 - Publicado em 9 jun 2024, 08h00

Nos anos 1950, o físico americano Richard Feynman (1918-1988), que faturou um Nobel por suas sólidas pesquisas na área da mecânica quântica, espantou-se com o que observou em uma viagem ao Brasil. Os estudantes eram apresentados na escola a uma quantidade extraordinária de conteúdos, mas absorviam bem pouco. “Descobri que eles decoravam tudo, sem refletir”, relatou o proeminente cientista, lançando um olhar de fora para um modelo que enaltece a quantidade de matérias, mas não se atém à densidade do saber. Um equívoco até hoje predominante nas salas de aula, ainda engessadas na ideia de que todo mundo deve aprender a mesma montanha de disciplinas. É justamente essa filosofia que espanta tantos jovens da sala de aula, uma multidão que se desinteressa em adquirir conhecimento por não ver nele um propósito prático e acaba por formar o pelotão nem-­nem, contingente de até 24 anos que nem estuda nem trabalha. Um levantamento recém-divulgado mostra que essa turma saltou de 4 para 5,4 milhões de integrantes, um avanço de 35% em apenas um ano.

Em meio a esse preocupante cenário é muito bem-vindo o debate em curso na direção de arejar a lição e fornecer opções distintas a pessoas que, naturalmente, são movidas por diferentes objetivos. Isso tudo passa pela tão aguardada reforma do ensino médio e traz à luz a educação de nível técnico, implantada há mais de um século nas escolas. Tradicionalmente envolta em preconceito, a modalidade acaba de receber um relevante aceno. O Ministério da Educação anunciou um programa que permite aos estados trocarem o pagamento de juros de suas vultosas dívidas com a União por investimento nessa raia voltada para inserir o jovem no mercado. O plano é triplicar as matrículas, atualmente em patamar minguado, de 11% dos alunos (veja no quadro).

arte ensino técnico

Nos primórdios, o ensino técnico se dedicava à formação de profissionais para atividades menos valorizadas, o que foi mudando com a própria modernização do mercado. Ofícios como o de técnico ambiental, administrador de dados e designer de jogos passaram a figurar no rol do ensino profissionalizante — funções que, no conjunto, ajudam a elevar a produtividade na economia e fazem crescer as chances de ascensão individual em recantos onde muita gente pena para conquistar uma vaga. Filha de uma balconista e do dono de uma pequena fábrica de farinha, a pernambucana Ana Letícia Silva, 18 anos, viajava de ônibus 46 quilômetros para ir à escola técnica Pedro Muniz Falcão, da rede pública, onde decidiu se especializar em energias renováveis, área em que via oportunidade de logo conseguir emprego. Deu certo. Antes mesmo de terminar o curso, ela foi contratada por uma empresa de painéis solares. “Poucas pessoas do lugar de onde eu venho arranjam um trabalho como o meu”, conta a residente do município de Araripina, em pleno sertão.

Entre as 30 000 escolas técnicas Brasil afora, a Pedro Muniz Falcão compõe um grupo que selou um bem-­vindo elo com o setor privado. Neste caso, a Auren, do Grupo Votorantim, forneceu equipamento de ponta para o laboratório do colégio, recebeu os alunos em estágios e participou da elaboração do currículo, uma brecha que o MEC abre justamente para que a oferta de cérebros se encaixe à demanda real. “A meta é ajudar a preparar esses jovens para suprir uma necessidade vital por mão de obra”, enfatiza Anna Bruschetta, coordenadora de educação do Instituto Votorantim. Há ainda exemplos em que as instituições de ensino se situam dentro das empresas, como ocorre com a J&F, a holding que controla maior produtora de proteína animal do mundo. São 1 067 alunos matriculados em cursos de negócios, tecnologia da informação e veterinária. A formação técnica, em geral, começa no 1º ano do ensino médio, mas por lá a largada é dada no 6º ano do ciclo fundamental. Apenas um corredor divide as salas de aula dos escritórios. “Somos uma escola técnica que ensina a ser chefe e a tomar decisões”, disse a VEJA Joesley Batista, que acaba de retornar ao conselho administrativo da JBS.

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O impacto na renda familiar dos que passam pelas carteiras profissionalizantes reforça quanto esse investimento merece atenção — para cada real depositado, três retornam na forma de salário para os que chegam à reta final. Muita gente, porém, não completa a formação, cravando uma evasão de 60%. “Se os alunos soubessem a diferença que faz, pensariam duas vezes antes de abandonar”, ressalta a economista Laura Muller Machado, do Insper, ponderando que ainda há o que se caminhar para os cursos despertarem um interesse duradouro nas jovens gerações. “A educação técnica deve ser pensada para oferecer não apenas uma profissão, mas uma carreira”, avalia Ana Inoue, superintendente do Instituto Itaú Educação e Trabalho.

Nações que se notabilizam por um bom ensino profissionalizante, como a Alemanha, onde 54% da força de trabalho aflui de tal modalidade, mantêm as escolas tão próximas das empresas que elas chegam a designar tutores responsáveis pela formação dos aprendizes. Histórias como a de Paulo Moreira, 18 anos, de São Paulo, recém-formado técnico em negócios, mostram como essa trilha, ainda hoje subestimada no país, pode abrir portas. “Já sou consultado para decisões importantes. Aconteceu muito rápido”, diz Paulo, gerente de uma das lojas da marca Swift, da J&F, que ganha salário de 3 000 reais. Um levantamento do Insper aponta que, se mais jovens como ele aderissem às escolas profissionalizantes e o Brasil atingisse níveis de matrícula semelhantes aos da OCDE, o PIB subiria até 2,3% no médio prazo. Já passou da hora de o país aprender a lição.

Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896

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