Como a maioria das empresas da área de tecnologia, o Google é uma companhia inquieta. Por mais que a sua atividade principal, o serviço de buscas pela internet, continue a ser um sucesso fabuloso, não há limites para novos projetos. A mais recente empreitada está ligada à educação e poderá levar, no futuro próximo, a uma revolução no setor. Trata-se do Google Career Certificates (em português, Certificado de Carreira do Google), projeto que consiste em oferecer cursos rápidos, de três a seis meses de duração, para formar profissionais com habilidades específicas e, eventualmente, aproveitá-los nos quadros da empresa. O programa traz oportunidades para analistas de dados, gerentes de projetos, designers de interface e especialistas em tecnologia da informação, além de técnicos de outras áreas. “Estamos oferecendo os cursos como uma forma de apoiar as pessoas que gostariam de ampliar os seus conhecimentos durante a pandemia da Covid-19 e, assim, aumentar as chances de conseguir um emprego”, disse a VEJA Marcelo Lacerda, diretor de relações governamentais do Google Brasil. “Estamos comprometidos em ajudar a tornar a educação acessível para todos.”
Os cursos estreiam em outubro e, por ora, serão oferecidos apenas nos EUA. O preço vai ser acessível: em torno de 50 dólares mensais, ou apenas 300 dólares (quase 1 600 reais) por um semestre. Para efeito de comparação, frequentar uma faculdade no país custa, em média, 30 000 dólares anuais. Obviamente, a correlação é injusta, à medida que as disciplinas acadêmicas são mais abrangentes. O Google, ao contrário, quer dinamizar o processo, encurtando ao máximo o período de formação. “Os cursos do Career Certificates não oferecem diplomas de nível superior”, reforça Lacerda. Mesmo assim, há quem veja na iniciativa outras intenções. “Se o Google fala em contratar pessoas que participaram desses cursos e que não têm diplomas universitários, o objetivo da empresa é claramente mudar as regras do jogo”, diz Liz McMillen, editora executiva da Chronicle of Higher Education, a maior publicação dos EUA sobre o ensino superior. “Não à toa, nomes como a Amazon e a IBM pretendem seguir os seus passos.”
De fato, grandes empresas do ramo tecnológico parecem dispostas a formar os próprios profissionais. A Apple e a Microsoft possuem projetos parecidos e, mesmo no Brasil, já foram realizadas relevantes iniciativas nesse sentido. Uma delas, do próprio Google. Há quatro anos, a empresa oferece programas de treinamento a profissionais para que possam desenvolver habilidades digitais, como o Cresça com o Google. Até o início de 2020 o programa levou treinamentos gratuitos e presenciais para as cinco regiões do país. Desde 2017, foram realizadas sessões em catorze capitais, capacitando 100 000 pessoas em habilidades de marketing digital, empreendedorismo e ferramentas digitais.
Ideias como essas suscitam vários questionamentos. As faculdades estão preparadas para formar profissionais capazes de responder às demandas das empresas? Como será o futuro das grandes universidades? O ensino superior está atento às mudanças do mundo corporativo? Especialistas afirmam que o debate é importante, mas que as transformações, se vierem, serão apenas a longo prazo. “As universidades estão passando por mudanças há algum tempo, mas a reforma do diploma universitário é um processo complexo e lento”, constata Liz Reisberg, pesquisadora do Centro Internacional de Educação Superior. “O que o Google e as demais empresas estão fazendo é criar cursos que atendem às necessidades imediatas sem se sujeitar a processos tão longos. Não podemos esquecer que são dois tipos de educação, sendo que a universitária tem objetivos mais amplos e ricos.” De todo modo, é inegável que projetos educacionais promovidos por grandes corporações não apenas aumentam o nível de conhecimento dos estudantes, mas criam novos horizontes também paras as empresas. Nesse aspecto, o Google tem lições valiosas a oferecer.
Publicado em VEJA de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704