Durante meses, a cada duas semanas o mineiro Luis Othavio Nunes acordava sob um teto diferente na capital francesa, onde passou a viver desde setembro. Mas as mudanças em profusão sempre lhe soaram como, digamos assim, “ossos do ofício”. Para ele, o que contava, e conta, era estar cursando ciências políticas na Universidade Paris VIII, um monumento do ensino mundial, com quatro vezes mais estudantes do que toda a população — 6 558 habitantes — da sua longínqua Heliodora natal.
Para chegar à Île-de-France, Luis Othavio teve de vencer bem mais que os milhares de quilômetros que separam sua antiga cidade da atual. Não foram só obstáculos financeiros, como se poderia supor, tendo ele origem humilde. A barreira mais difícil de transpor, conta o jovem, foi a indiferença — da família, dos professores — ao seu projeto de vida: estudar no exterior.
A França entrou nessa história em 2017. Durante o Festival Internacional Voodoohop, de música eletrônica, realizado em Heliodora, Luis Othavio conheceu uma francesa. Os dois ficaram amigos e ele prometeu que no ano seguinte, no mesmo evento, conversariam no idioma dela. Não encontrou ninguém para apoiá-lo nesse desafio. Afinal, diziam-lhe, qual a utilidade de estudar outra língua se em Heliodora o que interessava era a agricultura? Como já havia feito antes, diante da falta de recursos, o rapaz recorreu aos aplicativos de ensino gratuito de idiomas disponíveis na internet e mergulhou na língua de Rousseau.
Em fevereiro passado, ele fez o teste de conhecimento do francês (TCF), obrigatório para quem quer tentar entrar em uma universidade da França. Depois de ir bem no exame, cumprir uma série de exigências burocráticas e passar por uma entrevista, Luis Othavio foi aceito pela Paris VIII. “Enquanto eu me submetia à seleção, minha mãe me disse que eu sonhava muito alto e cairia do cavalo”, disse o estudante.
A fim de conseguir 30 000 reais — exigidos para provar que poderia se manter por um período na França —, Luis Othavio pediu dinheiro nas ruas, fez uma vaquinha virtual, trabalhou como maquiador e deu aulas particulares de inglês. Apesar disso, encontrou tempo para ensinar de graça esse idioma a jovens carentes no programa Voz para Todos, que ele mesmo criou. Em seguida, embarcou para Paris — a passagem aérea caiu dos céus, doada por um brasileiro residente nos EUA. Enquanto faz seu curso, pensa no futuro. Cogita ser diplomata ou até se candidatar a deputado. Quer lutar pela educação e pela igualdade de gênero — ele se define como gay.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668